Os riscos de uma presidência de reality show
Sr. Trump está agindo como se o trabalho dele fosse aumentar a audiência do programa de TV dele, e não de fazer políticas de fato
Publicado em 9 de abril de 2018 às, 12h29.
Dia desses o governo Trump anunciou um novo acordo comercial com a Coreia do Sul. Ele também anunciou que o presidente Trump estava nomeando o médico da Casa Branca para comandar o Departamento de Assuntos dos Veteranos. O que esses dois anúncios têm em comum?
A resposta é que os dois são indicativos de como o Sr. Trump vê o emprego dele.
Ele não parece encarar o processo efetivo de tomada de decisões como algo importante; em vez disso, ele trata tudo como se fosse um exercício de reality show de TV.
Infelizmente, o que parece bom na TV não necessariamente é bom para a América, ou para o mundo.
Ronny L. Jackson, o indicado para os veteranos militares, certamente parece bem na TV, como nós vimos quando ele deu ao Sr. Trump um atestado de saúde excelente, que incluía uma declaração de que o presidente, mesmo estando acima do peso, está a um passo de ser oficialmente obeso – graças a, aparentemente, ter crescido 2,5 centímetros no cargo.
Contudo, a polêmica sobre o IMC não é a verdadeira questão aqui; como diz David Axelrod, “a cintura faz muito mal para a cabeça”. O ponto, em vez disso, é que comandar a saúde dos veteranos é um trabalho de administração, não médico – e o Sr. Jackson não possui experiência administrativa.
Mas o que isso tem a ver com os acordos comerciais? Bem, na semana passada o mercado de ações despencou por medo de que o Sr. Trump estivesse se preparando para dar início à sua guerra comercial, ameaça antiga. Mas depois o mercado retornou parcialmente ao normal, uma vez que os investidores decidiram que Trump estava basicamente contando vantagem.
O acordo com a Coreia sustenta a teoria do exagero. Ainda que tenha sido noticiada como uma grande vitória, é basicamente um x-nada em termos de seu conteúdo. A Coreia vai ampliar as cotas que as empresas americanas já não estão atendendo de qualquer maneira, além de redirecionar um pequeno percentual das suas exportações de aço para outros lugares. É difícil escapar à noção de que o objetivo era anunciar alguma coisa, não importa o conteúdo, e chamar isso de vitória.
Quando você começa a olhar para o governo Trump como um exercício de publicidade, e não de política, você vê sinais disso em todo lugar.
Por exemplo, o diretor do Conselho Econômico Nacional geralmente é descrito como o economista-chefe do presidente, mas isso não está muito certo. O que a pessoa que tem este emprego deve fazer é agir como um coordenador, garantindo que o presidente receba conselhos econômicos coerentes, que a tomada de decisões nos diferentes departamentos seja consistente com a visão geral da administração, e por aí vai.
Obviamente, isso exige um entendimento sólido o bastante de economia para reconhecer tanto conselhos bons quanto maus, mas isso também requer outras habilidades, tanto administrativas quanto diplomáticas; basicamente, o diretor do conselho tem de ser um intermediário honesto e eficiente das ideias e ações de outras pessoas.
Assim, quando Trump escolheu Larry Kudlow para substituir Gary Cohn naquele papel, o notável histórico do Sr. Kudlow na economia – ele tem se enganado sobre tudo – era só parte do problema. Fora isso, nada no papel do Sr. Kudlow como cabeça gritante na TV a cabo o preparou para o trabalho que se espera que ele faça.
Mas isso não importa: Segundo o Sr. Kudlow, o presidente diz que ele parece “muito bonito” na TV.
Ou seja, o Sr. Trump está agindo como se o trabalho dele fosse aumentar a audiência do programa de TV dele, e não de fazer políticas de fato. E em alguns sentidos isso pode ser algo até bom, uma vez que as ideias de Trump sobre política geralmente são terríveis. Como eu disse, Wall Street manifestou um alívio enorme quando os investidores concluíram com cautela que o Sr. Trump só quer brincar de guerra comercial, e pode ser conquistado com vitórias simbólicas que não mudam nada na prática.
No entanto, a América ainda precisa ser governada, e a falta de seriedade do Sr. Trump tem consequências.
Uma consequência é que a política atual está em grande parte sendo definida por pessoas com uma agenda de direita linha dura. Ben Carson, assim como suas explicações em constante mutação sobre o porquê de ter encomendado aquele jogo de jantar de US$ 31 mil, interpreta um papel cômico como secretário de habitação e desenvolvimento urbano. Deixem pra lá a questão dos talheres; Na vida real, o departamento parece estar abandonando sua missão histórica de combater a discriminação racial.
Viradas semelhantes à direita são percebíveis em outras agências. O Sr. Trump não conseguiu revogar o Obamacare, mas seus oficiais têm minado a eficiência do programa, elevando os preços dos prêmios e reduzindo a cobertura. Enquanto isso, as mortes e doenças causadas pelo colapso da fiscalização ambiental serão uma das heranças duradouras do Sr. Trump.
Outra consequência é que, se e quando a América precisar de uma liderança de verdade, não vai ter ninguém em casa.
Até aqui, a era Trump tem estado quase livre de crises que o Sr. Trump não criou sozinho. Um dos poucos eventos que exigiu uma resposta efetiva foi o furacão Maria, e a resposta foi desastrosamente inadequada.
Assim, o que acontece se houver uma verdadeira crise de política externa, uma crise financeira, uma crise de saúde ou o que seja? Vitórias fajutas como o acordo com a Coreia não vão funcionar; nós vamos precisar de políticas de verdade. E quem vai elaborar essas políticas? Abraham Lincoln tinha uma equipe de adversários; o Sr. Trump reuniu um time de farsantes.
E ainda que o Sr. Trump eventualmente chegue a perceber que precisa de gente melhor, ele provavelmente não vai conseguir atraí-las. A esta altura, qualquer pessoa com um mínimo de envergadura independente sabe que você não pode trabalhar neste governo sem acabar manchado ou diminuído. O Sr. Trump sequer consegue contratar bons advogados!
Portanto, mais dia menos dia, o governo de reality show de TV vai dar de cara com a realidade de verdade. E isso não vai acabar bem.