Os riscos de uma guerra comercial de Trump
Lembram de quando o presidente Trump declarou que “ninguém sabia que a saúde pública poderia ser tão complicada”? Foi um raro momento de auto-análise do tuiteiro da nação: talvez ele tenha, brevemente, percebido que não tinha ideia do que estava fazendo. Na verdade, porém, a saúde pública não é tão complicada assim. Fora que os […]
Publicado em 10 de julho de 2017 às, 19h15.
Lembram de quando o presidente Trump declarou que “ninguém sabia que a saúde pública poderia ser tão complicada”? Foi um raro momento de auto-análise do tuiteiro da nação: talvez ele tenha, brevemente, percebido que não tinha ideia do que estava fazendo.
Na verdade, porém, a saúde pública não é tão complicada assim. Fora que os planos de “reforma” republicanos são brutalmente simples – com ênfase no “brutalmente”.
O Sr. Trump talvez seja a única pessoa em Washington que não compreende a essência deles: Tirar a cobertura da saúde de dezenas de milhões para que você possa dar aos ricos um corte tributário.
Alguns temas políticos, por outro lado, são de fato complicados. Um desses tópicos é o comércio internacional. E o perigo maior aqui não é simplesmente que o Sr. Trump não entende dos assuntos. Pior ainda, ele não sabe o que não sabe.
Segundo o site de notícias Axios, o Sr. Trump, apoiado por seu círculo particular de Américo-primeiristas, está irredutível na decisão de impor tarifas punitivas nas importações de aço e possivelmente de outros produtos, apesar da oposição da maioria de sua equipe. Afinal, acusações de que os outros países estavam tirando vantagem da América foram um tema central da campanha dele.
Além disso, o Axios diz que a Casa Branca acredita que a base do Sr. Trump “gosta da ideia” de uma guerra comercial, e “vai adorar a briga”.
É isso aí, esse é um jeito excelente de fazer política.
Ok, sendo assim, o que é tão complicado a respeito da política comercial?
Primeiro, muito do comércio moderno é de bens intermediários – coisas que servem para fazer outras coisas.
Uma tarifa do aço ajuda os produtores siderúrgicos, mas prejudica os consumidores mais abaixo da cadeia, como a indústria automobilística. De modo que até mesmo o impacto direto do protecionismo nos empregos é incerto.
E ainda há os efeitos indiretos, que significam que todos os ganhos trabalhistas em uma indústria protegida por tarifas devam ser comparados com as perdas de empregos em outros lugares. Normalmente, na verdade, o comércio e as políticas comerciais têm pouco efeito, se é que surtem algum, no emprego total. Eles afetam os tipos de empregos que nós temos; já o número total, nem tanto.
Suponha que o Sr. Trump decidisse impor tributos a uma ampla gama de bens – digamos, a tarifa geral de 10% que foi ventilada antes dele assumir o cargo. Isso beneficiaria diretamente as indústrias que competem com importações, mas essa não é toda a história.
Ainda que nós ignoremos o dano às indústrias que usam suprimentos importados, qualquer criação direta de vagas resultante de novos impostos seria compensada pela destruição indireta de empregos. O Federal Reserve, temendo a pressão inflacionária, aumentaria as taxas de juros. Isso apertaria setores como o habitacional; também fortaleceria o dólar, prejudicando exportações americanas.
Afirmações de que o protecionismo inevitavelmente causaria uma recessão são exageradas, mas há todos os motivos para acreditar que esses efeitos indiretos eliminariam qualquer criação líquida de empregos.
E ainda há a resposta dos outros países. O comércio internacional é governado por regras – regras que a América ajudou a implementar. Se nós começarmos a quebrar essas normas, outros também farão isso, tanto em retaliação quanto simplesmente por imitação. É isso que as pessoas querem dizer quando elas falam em guerra comercial.
Além disso, é bobagem imaginar que a América “venceria” uma guerra assim. Por um lado, nós estamos longe de ser uma superpotência dominante no comércio global – a União Europeia é um ator tão grande quanto, e capaz de retaliação efetiva (como o governo Bush aprendeu quando aplicou tarifas ao aço em 2002). De qualquer jeito, o comércio não tem a ver com ganhar e perder: Ele geralmente torna os dois lados do acordo mais ricos, enquanto uma guerra comercial geralmente prejudica todos os países envolvidos.
Não estou fazendo aqui uma defesa purista do livre comércio. O crescimento acelerado da globalização tem prejudicado alguns trabalhadores americanos, e um disparo nas importações depois de 2000 prejudicou indústrias e comunidades.
Mas uma guerra comercial trumpista apenas exacerbaria o estrago, por uma série de razões.
Uma delas é que a globalização já aconteceu, e as empresas americanas estão hoje integradas em uma teia de transações internacionais. Ou seja, uma guerra comercial prejudicaria as comunidades do mesmo modo que o comércio em ascensão fez no passado. Tem uma piada antiga sobre um motorista que atropela um pedestre e depois tenta consertar o estrago dando ré – passando por cima da vítima uma segunda vez. A política comercial trumpista seria mais ou menos isso aí.
Além disso, as tarifas propostas agora incentivariam as indústrias de capital intensivo que empregam relativamente poucos trabalhadores por dólar vendido; essas tarifas prejudicariam, se é que chegariam a esse ponto, a distribuição de renda pelo trabalho.
E então, será que o Sr. Trump vai seguir adiante com isso? É capaz que sim. Afinal, ele posou de populista durante a campanha, mas toda a agenda econômica dele até aqui tem sido a pauta republicana padrão, recompensando empresas e os ricos ao mesmo tempo em que prejudica os trabalhadores.
Portanto, a base dele pode de fato gostar de ver algo que se pareça mais com o cara em quem eles acharam que estavam votando.
Mas as promessas do Sr. Trump sobre o comércio, ainda que pouco ortodoxas, foram tão fraudulentas quanto as promessas dele sobre a cobertura pública de saúde. Nessa área, assim como, bom, todo o resto, ele não faz ideia do que está falando. E a política dele, baseada em ignorância, não vai acabar bem.