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Os eleitores de Trump não vão admitir que erraram & ainda

As avaliações sobre os 100 dias de Donald Trump estão aí, e são terríveis. Os vexames na saúde pública não param de chegar; o “plano” tributário do governo oferece menos detalhes do que alguns comprovantes de supermercado; O Sr. Trump se acovardou e pulou fora de suas promessas de pegar pesado no comércio externo. O […]

O PRESIDENTE AMERICANO: vai ser interessante, daqui a alguns anos, ver quantas pessoas afirmam que votaram no Sr. Trump /  (Kevin Lamarque/Reuters)
O PRESIDENTE AMERICANO: vai ser interessante, daqui a alguns anos, ver quantas pessoas afirmam que votaram no Sr. Trump / (Kevin Lamarque/Reuters)
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Paul Krugman

Publicado em 16 de maio de 2017 às, 14h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h17.

As avaliações sobre os 100 dias de Donald Trump estão aí, e são terríveis. Os vexames na saúde pública não param de chegar; o “plano” tributário do governo oferece menos detalhes do que alguns comprovantes de supermercado; O Sr. Trump se acovardou e pulou fora de suas promessas de pegar pesado no comércio externo. O vão entre bravatas grandes e feitos pequenos nunca foi tão amplo.

No entanto, mesmo assim, pelas minhas contas, houve 7.000 artigos – ok, é uma estimativa grosseira – sobre como os apoiadores de Trump estão defendendo o homem deles, estão irritados com aquelas pessoas maldosas da imprensa e alegremente votariam nele de novo. O que está acontecendo?

A resposta, eu sugeriria, está enterrada nos detalhes do último relatório sobre o produto interno bruto. É sério.

Nos últimos meses, economistas que monitoram avanços no curto prazo têm notado uma divergência peculiar entre dados “leves” e “concretos”. Dados leves são coisas como pesquisas de confiança do consumidor e das empresas; dados concretos são coisas como vendas efetivas do varejo. Normalmente esses dados contam histórias parecidas (e é por isso que os dados leves são úteis como uma espécie de sistema de aviso prévio dos futuros dados concretos). Desde a eleição de 2016, contudo, os dois tipos de dados vêm divergendo, com uma crescente confiança declarada – e sim, um empurrão nas ações -, mas sem nenhum sinal concreto de uma aceleração na atividade econômica.

A parte engraçada desse surto de confiança, entretanto, foi que ele esteve muito ligado ao alinhamento partidário – um declínio abrupto entre democratas, mas um grande aumento entre republicanos.

Isso levanta uma questão óbvia: será que aqueles que disseram notar um aumento no otimismo estavam realmente se sentindo melhores quanto às perspectivas econômicas deles, ou será que eles estavam simplesmente aproveitando a pesquisa como uma oportunidade de afirmar a certeza de seu voto?

Bem, se os consumidores estão realmente se sentindo superconfiantes, eles não estão agindo de acordo com essa sensação. O relatório do PIB do primeiro trimestre, que mostra o crescimento praticamente se arrastando, não foi tão ruim quanto parecia: Questões técnicas relacionadas a inventários e ajustes sazonais (você não quer saber disso) querem dizer que o crescimento subjacente estava provavelmente ok, ainda que não fosse grande. Mas os gastos dos consumidores foram decididamente rastejantes.

A evidência, em outras palavras, indica que, quando os eleitores de Trump dizem que estão altamente confiantes, é mais uma declaração de identificação política deles do que um sinal do que eles vão fazer, ou até mesmo, quem sabe, no que eles acreditam de verdade.

Posso sugerir que os grupos de pesquisa e as pesquisas com os eleitores de Trump estão notando algo semelhante?

Um princípio básico que eu aprendi nos meus anos de The New York Times é o de que quase ninguém jamais admite estar errado sobre qualquer coisa – e que, quanto mais erradas as pessoas estejam, menos dispostas elas se mostram a reconhecer um erro. Por exemplo, quando a Bloomberg ouviu um grupo de economistas que previu que as políticas de Ben Bernanke resultariam em uma disparada da inflação, eles literalmente não conseguiram encontrar uma única pessoa que admitisse, depois de anos de inflação baixa, que haviam errado.

Agora, pense sobre o que isso significa para aqueles que votaram no Sr. Trump. A imprensa passou a maior parte da campanha se deliciando em uma orgia de falsa equivalência; mesmo assim, a maioria dos eleitores provavelmente recebeu o recado de que o establishment político/midiático considerava o Sr. Trump ignorante e temperamentalmente desqualificado para ser presidente. Assim, o voto em Trump teve um grande componente de: “Ah! Então vocês da elite se acham muito espertos, não é? Nós vamos mostrar a vocês!”

Claro, sem dúvida acabou que o Sr. Trump é de fato ignorante e temperamentalmente desqualificado para ser presidente. Mas se você acha que os eleitores dele vão aceitar essa realidade a qualquer momento agora, você não deve entender muito da natureza humana.

De um jeito perverso, a pura horripilância do Sr. Trump dá a ele alguma proteção política: seus eleitores não estão prontos, ao menos não até o momento, para admitir que cometeram um erro tão grande assim.

Além disso, para ser justo, até aqui o trumpismo não teve tanto efeito assim na vida cotidiana.

Na verdade, os maiores fracassos do Sr. Trump estavam ligados a coisas que não aconteceram, e não com o que aconteceu. Ou seja, ainda é relativamente simples para aqueles que pensam assim desconsiderar os maus relatórios como fruto de uma mídia enviesada.

Cedo ou tarde, porém, esse dique vai se romper.

Eu escolhi essa metáfora deliberadamente. Sou velho o bastante para lembrar de quando o presidente George W. Bush era amplamente popular – e embora os números dele tenham murchado gradualmente de seu ápice no pós-11 de Setembro, foi um processo lento. O que realmente fez com que seus antigos apoiadores o reconsiderassem, pelo que eu entendi – e essa percepção é corroborada pelas pesquisas – foi o desastre do furacão Katrina, no qual todo mundo pôde ver a indiferença e a incompetência do governo Bush mostrada ao vivo pela TV.

Com o que irá se parecer o momento Katrina do Sr. Trump? Será o colapso da cobertura pública de saúde por causa da sabotagem do governo? Uma recessão que esta Casa Branca não faça ideia de como administrar? Um desastre natural ou crise na saúde pública? De um jeito ou de outro, ele vem aí. Ah, e mais uma coisa: em 2006, a maioria das pessoas ouvidas disse ter votado em John Kerry em 2004. Vai ser interessante, daqui a alguns anos, ver quantas pessoas afirmam que votaram no Sr. Trump.

(Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times em 1 de Maio de 2017)

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