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O que esperar quando você está esperando o Brexit

Que passos o governo do Reino Unido tem adotado para limitar o prejuízo?

BREXIT: ainda que os efeitos da saída do Reino Unido da União Europeia no longo prazo sejam moderados, o curto prazo pode ser muito pior / Reuters/Toru Hanai (Toru Hanai/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de janeiro de 2019 às 16h16.

O que vai acontecer com o Brexit? Um segundo referendo? Uma saída dura e

desordenada? Uma outra oferta da União Europeia, menos ofensiva que o acordo que acaba de ser rejeitado? Só Deus sabe, e talvez nem Ele tenha tanta certeza.

Parte do problema é que não parecem haver muitos atores racionais por aí. Muito se escreveu sobre as fantasias de vários defensores do Brexit; não tenho nada a acrescentar neste ponto. Mas nós também devíamos prestar atenção às fantasias do eurocratas, que a cada etapa desse processo vêm se comportando como se a Inglaterra fosse a Grécia, e pudesse ser forçada a desistir. Gestos menores poderiam ter salvado o Bremain em 2016; um pouco de flexibilidade, um pouco menos da insistência em impor termos humilhantes, talvez tivessem acabado em um Brexit suave agora. Mas houve arrogância o tempo todo.

Agora temos ouvido que as autoridades da UE estão horrorizadas quanto à escala da derrota da Sra. May, e minha impressão é que as lideranças europeias estão começando a entender que uma ruptura desordenada também causaria um forte estrago a uma eurozona frágil. Não é brincadeira.

Enfim, falemos sobre em que pé parece estar a economia do Brexit neste momento.

A economia de longo prazo do Brexit ainda lembra muito o que era quando eu e outros começamos a analisar as perspectivas em 2016. A saída da união aduaneira da Europa aumentaria significativamente os custos de transações de quase metade do comércio da Inglaterra. Isso teria um custo na renda global britânica real que a maioria das estimativas situa em um dígito percentual do produto interno bruto – digamos, de 2 a 4%.

Esta não seria a emancipação econômica que alguns pró-Brexit tinham em mente, mas talvez o ponto mais importante aqui seja que os efeitos do Brexit após alguns anos não pareceriam tão catastróficos. Quão confiantes nós podemos ser de que não seria tão ruim assim? Até que um bocado, porque outros países conseguiram se virar de modo decente sem uniões aduaneiras, apesar dos fortes laços econômicos com um vizinho muito maior.

Posto de outra maneira: um Reino Unido pós-Brexit seria para a UE basicamente o que o Canadá foi para os Estados Unidos antes do Acordo de Livre Comércio EUA-Canadá (que surgiu alguns anos antes do Nafta). De fato, até mesmo a participação do comércio fronteiriço no PIB seria parecida. Fora que o Canadá não era um pântano repleto de esfomeados.

Também poderíamos destacar que haveria alguns vencedores com o Brexit, inclusive no interior do Reino Unido. A UE tem sido boa para o papel de Londres como centro financeiro, mas esse papel tem mantido a libra alta, prejudicando a região Norte industrial. O Brexit significaria uma libra depreciada de modo persistente, o que significaria um setor de

manufatura maior, o que seria um benefício às regiões industriais (ainda que diluído pelos preços elevados ao consumidor). Um número considerável de pessoas na Inglaterra talvez acredite que isso vale a pena.

Porém, ainda que provavelmente os efeitos do Brexit no longo prazo sejam moderados (embora 3% do PIB representem na realidade bastante coisa quando comparados aos efeitos da maioria das políticas econômicas), o curto prazo pode ser muito pior, tanto para a Inglaterra quanto para a UE.

O motivo pelo qual o curto prazo pode ser tão feio é que, após quase 45 anos de união aduaneira, nem Inglaterra nem seus parceiros comerciais têm à mão o tipo de infraestrutura necessária para operar uma fronteira – nem mesmo uma amigável. Se você não faz parte de uma união aduaneira – ou seja, se os produtos precisam passar por algum tipo de checagem na fronteira -, você precisa de um número suficiente de inspetores alfandegários, uma rede de computadores adequada e por aí vai. Sem isso, você terá de lidar com atrasos enormes – daí os planos de usar as autoestradas próximas a Dover como estacionamentos gigantes para lidar com o volume de caminhões à espera da inspeção. (Saiba mais sobre

isso aqui.)

Como tal infraestrutura não está pronta, a queda inicial no comércio Reino Unido-UE pode ser muito maior que os efeitos no longo prazo, além de tumultuada e sem garantias de que os bens de maior prioridade vão passar. Este tipo de interrupção na fronteira é o que está por trás das enormes perdas presumidas nos piores cenários do Banco da Inglaterra. (Saiba mais aqui.)

Há algum tempo nós temos conhecimento desta perspectiva; minha dúvida é que passos o governo do Reino Unido tem adotado para limitar o prejuízo. Eles estão cientes do problema; logo, devem estar preparando as medidas adequadas, certo? Digo, caso não, seria como imaginar o governo dos EUA totalmente despreparado em caso de um desastre previsível! (Ops. Espere aí…)

O que há de novo, me parece, é que os riscos para o resto da Europa no longo prazo agora parecem significativamente maiores do que há alguns meses. Obviamente o comércio UE-Reino Unido é muito menor para a economia da UE do que para a da Inglaterra. Porém, o que acontece é que um Brexit mais duro, se acontecer, vai coincidir com o que parece ser a pior desaceleração desde a crise do euro de 2011-12.

Aquela crise acabou com uma intervenção monetária dramática, o “custe o que custar” de Mario Draghi. É difícil encontrar algo comparável agora; na verdade, o Banco Central Europeu já pratica taxas de juros negativas, de modo que não há espaço para cortes. E somar um Brexit tumultuado a essa mistura é a última coisa de que a Europa precisa.

Eu deveria acrescentar que, ainda que eu torça e espere que o serviço público britânico tenha elaborado planos de contingência para um Brexit difícil e repentino, estou bem menos convencido de que a UE tenha feito o mesmo. O ponto é que, mesmo se o planejamento conseguir evitar enormes congestionamentos em Dover, não vai ajudar muita coisa se eles ainda acontecerem em Calais. (Caso planos assim existam e só eu não ouvi falar deles, ficaria muito feliz se alguém pudesse me esclarecer.)

A questão é que um Brexit feio poderia ser facilmente evitado. Se a infraestrutura alfandegária não estiver de pé, é só adiar o evento até que esteja. Ou então, caso por alguma razão política isso seja impossível, pelo menos estabeleçam um reforço mínimo, basicamente uma união aduaneira não em princípio mas sim na prática, enquanto as coisas se definem.

E não há nenhum motivo para achar que as coisas não vão se arranjar. Quer dizer, nenhum motivo, tirando tudo que vem acontecendo entre a Inglaterra e a UE até agora.

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desordenada? Uma outra oferta da União Europeia, menos ofensiva que o acordo que acaba de ser rejeitado? Só Deus sabe, e talvez nem Ele tenha tanta certeza.

Parte do problema é que não parecem haver muitos atores racionais por aí. Muito se escreveu sobre as fantasias de vários defensores do Brexit; não tenho nada a acrescentar neste ponto. Mas nós também devíamos prestar atenção às fantasias do eurocratas, que a cada etapa desse processo vêm se comportando como se a Inglaterra fosse a Grécia, e pudesse ser forçada a desistir. Gestos menores poderiam ter salvado o Bremain em 2016; um pouco de flexibilidade, um pouco menos da insistência em impor termos humilhantes, talvez tivessem acabado em um Brexit suave agora. Mas houve arrogância o tempo todo.

Agora temos ouvido que as autoridades da UE estão horrorizadas quanto à escala da derrota da Sra. May, e minha impressão é que as lideranças europeias estão começando a entender que uma ruptura desordenada também causaria um forte estrago a uma eurozona frágil. Não é brincadeira.

Enfim, falemos sobre em que pé parece estar a economia do Brexit neste momento.

A economia de longo prazo do Brexit ainda lembra muito o que era quando eu e outros começamos a analisar as perspectivas em 2016. A saída da união aduaneira da Europa aumentaria significativamente os custos de transações de quase metade do comércio da Inglaterra. Isso teria um custo na renda global britânica real que a maioria das estimativas situa em um dígito percentual do produto interno bruto – digamos, de 2 a 4%.

Esta não seria a emancipação econômica que alguns pró-Brexit tinham em mente, mas talvez o ponto mais importante aqui seja que os efeitos do Brexit após alguns anos não pareceriam tão catastróficos. Quão confiantes nós podemos ser de que não seria tão ruim assim? Até que um bocado, porque outros países conseguiram se virar de modo decente sem uniões aduaneiras, apesar dos fortes laços econômicos com um vizinho muito maior.

Posto de outra maneira: um Reino Unido pós-Brexit seria para a UE basicamente o que o Canadá foi para os Estados Unidos antes do Acordo de Livre Comércio EUA-Canadá (que surgiu alguns anos antes do Nafta). De fato, até mesmo a participação do comércio fronteiriço no PIB seria parecida. Fora que o Canadá não era um pântano repleto de esfomeados.

Também poderíamos destacar que haveria alguns vencedores com o Brexit, inclusive no interior do Reino Unido. A UE tem sido boa para o papel de Londres como centro financeiro, mas esse papel tem mantido a libra alta, prejudicando a região Norte industrial. O Brexit significaria uma libra depreciada de modo persistente, o que significaria um setor de

manufatura maior, o que seria um benefício às regiões industriais (ainda que diluído pelos preços elevados ao consumidor). Um número considerável de pessoas na Inglaterra talvez acredite que isso vale a pena.

Porém, ainda que provavelmente os efeitos do Brexit no longo prazo sejam moderados (embora 3% do PIB representem na realidade bastante coisa quando comparados aos efeitos da maioria das políticas econômicas), o curto prazo pode ser muito pior, tanto para a Inglaterra quanto para a UE.

O motivo pelo qual o curto prazo pode ser tão feio é que, após quase 45 anos de união aduaneira, nem Inglaterra nem seus parceiros comerciais têm à mão o tipo de infraestrutura necessária para operar uma fronteira – nem mesmo uma amigável. Se você não faz parte de uma união aduaneira – ou seja, se os produtos precisam passar por algum tipo de checagem na fronteira -, você precisa de um número suficiente de inspetores alfandegários, uma rede de computadores adequada e por aí vai. Sem isso, você terá de lidar com atrasos enormes – daí os planos de usar as autoestradas próximas a Dover como estacionamentos gigantes para lidar com o volume de caminhões à espera da inspeção. (Saiba mais sobre

isso aqui.)

Como tal infraestrutura não está pronta, a queda inicial no comércio Reino Unido-UE pode ser muito maior que os efeitos no longo prazo, além de tumultuada e sem garantias de que os bens de maior prioridade vão passar. Este tipo de interrupção na fronteira é o que está por trás das enormes perdas presumidas nos piores cenários do Banco da Inglaterra. (Saiba mais aqui.)

Há algum tempo nós temos conhecimento desta perspectiva; minha dúvida é que passos o governo do Reino Unido tem adotado para limitar o prejuízo. Eles estão cientes do problema; logo, devem estar preparando as medidas adequadas, certo? Digo, caso não, seria como imaginar o governo dos EUA totalmente despreparado em caso de um desastre previsível! (Ops. Espere aí…)

O que há de novo, me parece, é que os riscos para o resto da Europa no longo prazo agora parecem significativamente maiores do que há alguns meses. Obviamente o comércio UE-Reino Unido é muito menor para a economia da UE do que para a da Inglaterra. Porém, o que acontece é que um Brexit mais duro, se acontecer, vai coincidir com o que parece ser a pior desaceleração desde a crise do euro de 2011-12.

Aquela crise acabou com uma intervenção monetária dramática, o “custe o que custar” de Mario Draghi. É difícil encontrar algo comparável agora; na verdade, o Banco Central Europeu já pratica taxas de juros negativas, de modo que não há espaço para cortes. E somar um Brexit tumultuado a essa mistura é a última coisa de que a Europa precisa.

Eu deveria acrescentar que, ainda que eu torça e espere que o serviço público britânico tenha elaborado planos de contingência para um Brexit difícil e repentino, estou bem menos convencido de que a UE tenha feito o mesmo. O ponto é que, mesmo se o planejamento conseguir evitar enormes congestionamentos em Dover, não vai ajudar muita coisa se eles ainda acontecerem em Calais. (Caso planos assim existam e só eu não ouvi falar deles, ficaria muito feliz se alguém pudesse me esclarecer.)

A questão é que um Brexit feio poderia ser facilmente evitado. Se a infraestrutura alfandegária não estiver de pé, é só adiar o evento até que esteja. Ou então, caso por alguma razão política isso seja impossível, pelo menos estabeleçam um reforço mínimo, basicamente uma união aduaneira não em princípio mas sim na prática, enquanto as coisas se definem.

E não há nenhum motivo para achar que as coisas não vão se arranjar. Quer dizer, nenhum motivo, tirando tudo que vem acontecendo entre a Inglaterra e a UE até agora.

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