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O partido republicano é um regime autoritário à espreita

Além de Trump, figuras mais antigas do Partido Republicano, que controla os três ramos do governo federal estão soando exatamente como os nacionalistas brancos da Hungria e Polônia

Donald Trump: nas eleições legislativas americanas, fake news já superam 2016 e vitória de Trump (Mike Segar/Reuters)
Donald Trump: nas eleições legislativas americanas, fake news já superam 2016 e vitória de Trump (Mike Segar/Reuters)
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Paul Krugman

Publicado em 17 de outubro de 2018 às, 12h23.

Muitas pessoas estão preocupadas, com razão, sobre o que a indicação de Brett Kavanaugh à Suprema Corte significa para a América no longo prazo. Ele é um tendencioso descarado que, sob juramento, claramente mentiu sobre muitos aspectos de sua história pessoal; isso é tão importante quanto à pergunta, e ligado a ela, sobre o que ele fez com Christine Blasey Ford, uma dúvida que permanece no ar, já que a suposta investigação foi uma farsa bastante transparente. Colocar um homem assim na Suprema Corte destruiu, em uma só tacada, a autoridade moral da corte no futuro que se pode enxergar.

Porém, preocupações de longo prazo como essas deveriam ser um receio secundário neste momento. A ameaça mais imediata vem do que nós vimos do lado republicano durante e depois da audiência: não só o desprezo pela verdade, mas também uma corrida para demonizar as fontes de toda e qualquer crítica. Em especial, a prontidão com que os republicanos mais antigos abraçaram teorias conspiratórias insanas sobre a oposição ao Sr. Kavanaugh é um alerta profundamente assustador sobre o que pode acontecer à América, não no longo prazo, mas daqui a algumas poucas semanas.

Sobre essa teorização conspiratória: ela começou nos primeiros momentos do depoimento do sr. Kavanaugh, quando ele atribuiu os problemas dele a um “ataque político calculado e orquestrado” motivado por pessoas buscando “vingança em nome dos Clinton”. Foi uma acusação totalmente falsa e histérica, e fazê-la por si só já deveria desqualificar Kavanaugh da corte.

Mas Donald Trump rapidamente tornou-a a ainda pior, atribuindo os protestos contra o Sr. Kavanaugh a George Soros e declarando, falsamente (e sem provas), que os manifestantes foram pagos.

E aí é que está a questão: Figuras de peso do Partido Republicano rapidamente apoiaram o Sr. Trump.

Charles Grassley, presidente do comitê do Senado que ouviu a Sra. Blasey e o Sr. Kavanaugh, insistiu que os manifestantes foram de fato empregados por George Soros. O senador John Cornyn declarou que “nós não seremos amedrontados pelos gritos de manifestantes pagos.” Não, os manifestantes não foram pagos para protestar, muito menos pagos pelo Sr. Soros. Mas, para ser um bom republicano, agora você tem de fingir que eles são.

O que está havendo aqui? Em certo sentido, isso não é novidade. Teorias conspiratórias têm sido parte da política americana desde o início. Richard Hofstadter publicou seu famoso ensaio “The Paranoid Style in American Politics” (“O Estilo Paranoico na Política Americana”, em tradução livre do inglês) em 1964, e citou exemplos que iam até o século 18. Segregacionistas lutando contra direitos civis frequentemente culpavam “agitadores externos” – especialmente os judeus do norte – por protestos afroamericanos.

Mas o significado da teoria conspiratória depende de quem a cria.

Quando pessoas nas margens políticas culpam forças obscuras – em geral, convém dizer, financiadores judeus sinistros – pelas frustrações delas, você pode desconsiderar isso como um comportamento ilusório. Quando pessoas que detêm a maioria dos mecanismos de poder fazem a mesma coisa, a fantasia delas não é uma desilusão, e sim uma ferramenta: uma maneira de deslegitimizar a oposição, de criar desculpas não só para ignorá-la mas também para punir qualquer um que se atreva a criticar as ações delas.

Por esse motivo é que teorias da conspiração têm tido um papel central na ideologia de muitos regimes autoritários, da Itália de Mussolini à Turquia de Erdogan. É a razão dos governos da Hungria e Polônia, ex-democracias que se tornaram de fato estados de um partido único, adoram acusar outsiders em geral e o Sr. Soros em particular de agitar a oposição aos governos deles. Porque, sem dúvida, não podem haver queixas legítimas sobre as ações e políticas deles.

E agora, figuras mais antigas do Partido Republicano, que controla os três ramos do governo federal – se você tinha dúvidas sobre a Suprema Corte ser uma instituição partidária, elas devem ter sumido a essa altura – estão soando exatamente como os nacionalistas brancos da Hungria e Polônia. O que isso quer dizer?

A resposta, eu proponho, é que o Partido Republicano é um regime autoritário à espreita.

O próprio Sr. Trump tem claramente os mesmos instintos que os ditadores estrangeiros que ele admira tão abertamente.

Ele exige que autoridades públicas sejam pessoalmente leais a ele, não ao povo americano. Ele ameaça com retribuição seus adversários políticos; dois anos após a última eleição, ele ainda está puxando coros de “Prendam ela”. Ele ataca a imprensa como inimiga do povo.

Somem-se a isso as investigações se aproximando dos muitos escândalos do Sr. Trump, desde fraude fiscal a autocontratação no exercício do cargo a um possível complô com a Rússia, coisas que dão a ele todos os incentivos para acabar com a liberdade de imprensa e a independência das forças da lei. Alguém duvida de que o Sr. Trump gostaria de abraçar o autoritarismo declarado, se tivesse a chance?

E quem vai pará-lo? Os senadores que repetem teorias conspiratórias sobre manifestantes pagos por Soros? A Suprema Corte recém-manipulada? O que nós descobrimos nas últimas semanas é que não há diferença entre o Sr. Trump e o partido dele, nem ninguém que vá dizer “pare” em nome dos valores americanos.

Mas, como eu disse, o Partido Republicano é um regime autoritário à espreita, mas ainda não é um na prática. O que ele está esperando?

Bem, pensem no que o Sr. Trump e o partido dele podem fazer se mantiverem as duas casas do Congresso na próxima eleição. Se você não estiver apavorado com onde nós podemos estar num futuro muito próximo, você não está prestando atenção.

(Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times do dia 9 de outubro de 2018.)