O partido que arruinou o planeta
O Republicano é o único partido grande do mundo que pratica o negacionismo do aquecimento global
Publicado em 6 de janeiro de 2020 às, 16h28.
O aspecto mais horrendo do drama político nos Estados Unidos não é a revelação que o presidente, Donald Trump, tem abusado de seu poder para ganho pessoal. Se você não imaginou que isso ia acontecer desde o dia em que Trump foi eleito, você não estava prestando atenção.
Não, a verdadeira revelação está sendo a depravação absoluta do Partido Republicano. Praticamente todas as autoridades eleitas ou indicadas por aquele partido têm optado por defender Trump aderindo a teorias conspiratórias malucas ou já desmentidas. Ou seja, um dos dois maiores partidos políticos da América está além da salvação; quando se tem isso em mente, é difícil ver como a nossa democracia consegue sobreviver por muito tempo, mesmo que Trump seja derrotado.
Porém, os relatos mais assustadores que eu tenho recebido nos últimos tempos foram sobre ciência, e não política. Um novo relatório federal descobriu que as mudanças climáticas no Ártico estão acelerando, o que está de acordo com o que até então se imaginava que fosse um dos cenários mais catastróficos. Fora isso, há indicações de que o aquecimento do Ártico pode estar se tornando uma espiral que se autorreforça, à medida que a própria tundra em processo de derretimento por si só libera enormes quantidades de gases do efeito estufa.
Uma alta catastrófica no nível dos mares, ondas de calor que tornam os maiores centros populacionais inabitáveis e até mesmo coisas piores agora parecem muito mais prováveis do que não, e isso é algo que vai chegar mais cedo do que se imagina.
Só que o horrendo noticiário político e o horrendo noticiário climático estão intimamente relacionados.
Por que, afinal, o mundo vem falhando em tomar alguma atitude sobre o clima, e por que ele continua a fracassar para agir mesmo quando o perigo se torna cada vez mais óbvio? Sem dúvida, há vários culpados; fazer alguma coisa nunca seria fácil.
Mas um fator se destaca de todos os outros: a oposição fanática dos republicanos da América, que são o único partido grande do mundo que pratica o negacionismo do aquecimento global. Por causa desta oposição, não só os Estados Unidos estão deixando de oferecer o tipo de liderança que se provaria essencial para promover uma ação global como o país vem se tornando uma força contrária a ela.
E o negacionismo climático republicano tem raízes no mesmo tipo de depravação que estamos vendo hoje em relação a Trump.
Como eu já escrevi no passado, por si só o negacionismo climático foi em muitos sentidos o ponto de partida do trumpismo. Muito antes da ladainha do “fake news”, os republicanos se recusavam a aceitar ciência que contradissesse os preconceitos deles. Muito antes de os republicanos começarem a atribuir qualquer acontecimento negativo às armações do “estado subterrâneo” (“deep state”, no original em inglês), eles já insistiam que o aquecimento global era uma gigantesca fraude planejada por uma vasta seita global de cientistas corruptos.
E muito antes de Trump começar a instrumentalizar o poder da presidência para seus propósitos pessoais, os republicanos estavam usando a influência política deles para assediar cientistas climáticos e, onde quer que fosse possível, criminalizar a própria prática da ciência.
Talvez não seja surpresa notar que alguns dos responsáveis por estes abusos estão hoje acomodados no governo Trump. Em um dos casos notáveis, Ken Cuccinelli, que, como procurador-geral da Virgínia se envolveu em uma longa caça às bruxas contra o cientista climático Michael Mann, está hoje no Departamento de Segurança Nacional, onde implementa políticas anti-imigração com, como diz o The New York Times, “pouca preocupação com as restrições legais”.
Mas por que os republicanos estão se tornando o partido do apocalipse climático? Dinheiro é uma parte importante da resposta: no atual ciclo eleitoral, os republicanos receberam 97% de todas as doações de campanha da indústria do carvão, e 88% dos setores do gás e do petróleo. E isso não leva em conta nem mesmo o Bolsa-Parafuso a Menos oferecido por instituições apoiadas pelos irmãos Koch e outros barões dos derivados de petróleo.
Contudo, não acho que seja só o dinheiro. Meu palpite é que quem é de direita acredita, e provavelmente está certo, que existe um tipo de efeito aureóla em volta de qualquer tipo de ação pública. Uma vez que você aceita que nós precisamos de políticas para proteger o meio ambiente, você se torna mais suscetível a aceitar a ideia de que nós deveríamos ter políticas que garantem o acesso à saúde pública, aos cuidados infantis e mais. Ou seja, **.
Ainda assim, quaisquer que sejam os incentivos políticos no curto prazo, é preciso um tipo particular de depravação para responder a esses incentivos negando os fatos, abraçando teorias da conspiração insanas e colocando o próprio futuro da civilização em risco.
Infelizmente, este tipo de depravação não está presente apenas no Partido Republicano atual, mas efetivamente tomou conta da instituição inteira. Costumava haver ao menos alguns republicanos que tinham princípios; pelo menos até 2008 o senador John McCain copatrocinava projetos de lei sérios sobre mudanças climáticas. Porém, ou essas pessoas sofreram um colapso moral absoluto (salve, senador Lindsey Graham!) ou deixaram o partido.
A verdade é que até agora eu não entendo totalmente como as coisas ficaram tão ruins. Mas a realidade é clara: os republicanos de hoje são irrecuperáveis, desprovidos de princípios ou de vergonha. E não há razões, como eu disse, para acreditar que isso vá mudar mesmo que Trump seja derrotado na eleição do ano que vem.
O único jeito de a democracia americana ou de um planeta habitável conseguir sobreviver é se o Partido Republicano como é hoje for efetivamente desmantelado e substituído por algo melhor – talvez por um partido com o mesmo nome, mas com valores completamente diferentes. Pode soar como um sonho impossível. Mas é a única esperança que nós temos.