O legado ambiental tóxico de Trump
Os esforços para matar a Lei da Saúde Acessível têm fracassado, pelo menos por enquanto. As “reformas” tributárias – que na prática querem dizer cortes de impostos para os ricos – enfrentam perspectivas duvidosas. De fato, essas perspectivas podem se tornar ainda mais duvidosas graças a Louise Linton, a mulher do secretário do Tesouro, Steven […]
Publicado em 8 de setembro de 2017 às, 14h39.
Os esforços para matar a Lei da Saúde Acessível têm fracassado, pelo menos por enquanto. As “reformas” tributárias – que na prática querem dizer cortes de impostos para os ricos – enfrentam perspectivas duvidosas. De fato, essas perspectivas podem se tornar ainda mais duvidosas graças a Louise Linton, a mulher do secretário do Tesouro, Steven Mnuchin: Sua agora célebre reclamação no Instagram pode abrir os olhos de pelo menos alguns eleitores para o desdém que o círculo próximo do “populista” Donald Trump sente de fato pelas pessoas pequenas.
Assim, muitos observadores estão perguntando se o Sr. Trump pode retomar sua pauta paralisada. Mas essa se mostra uma pergunta ruim, em mais de um sentido.
Primeiro, o Sr. Trump não tem de verdade uma pauta que vá além de “ganhar”. Ele tem instintos e preconceitos, mas não tem interesse algum nos detalhes, ou até mesmo nas linhas gerais, da política. Por exemplo, é óbvio que ele nunca fez ideia alguma do que havia no plano de cobertura de saúde de seu próprio partido. E ele definitivamente não demonstrou o menor interesse em transformar sua retórica populista em qualquer coisa de concreto.
Como resultado, quaisquer rixas pessoais que o Sr. Trump possa ter com o establishment republicano, é esse establishment – os mesmos grupos de interesse e ideólogos que têm conduzido as políticas do Partido Republicano durante décadas – quem está definindo a pauta política do governo dele.
O que me traz ao meu segundo ponto: Embora a agenda legislativa de fato pareça comprometida, muito do que esses grupos de interesse querem não exige legislação, ,e é qualquer coisa, menos paralisado. Isso é especialmente verdadeiro para a política ambiental, em que as decisões sobre como interpretar e cumprir leis que já estão em vigor podem ter um impacto enorme.
Assim, o verdadeiro legado do Sr. Trump pode muito bem ser definido não pelas leis que ele propuser ou, mais provavelmente, não aprovar, mas sim pela decisão dele de colocar Scott Pruitt no comando da Agência de Proteção Ambiental.
Como procurador-geral de Oklahoma, o Sr. Pruitt atuou na prática como um servidor não do público, mas das empresas poluidoras. Isso não é só uma acusação; está confirmado pelo próprio rastro de e-mails dele.
Hoje, em um momento em que muito do governo Trump parece travado por falta de uma liderança e de pessoal-chave, o Sr. Pruitt está vindo com tudo – mas não porque ele esteja tornando a APA mais eficiente. Pelo contrário, ele está empenhado em sabotagem de cima para baixo, se mexendo depressa para minar a missão de sua própria agência; não só os esforços dela contra as mudanças climáticas, mas o seu papel de proteger o meio ambiente de modo geral.
O Sr. Trump não vai tornar a América grande de novo, mas o Sr. Pruitt, que claramente tem o apoio total do Sr. Trump, pode fazer bastante para que ela fique poluída de novo.
Essa é uma pauta impopular; ou melhor, seria se as pessoas soubessem dela.
A melhora na qualidade do ar e da água desde que a APA foi fundada em 1970 é uma das maiores histórias de política de sucesso da América. É também amplamente relevada.
Quando Donald Trump era jovem, o ar de Nova York era sujo, e a fumaça poluente às vezes matava centenas; enquanto isso, o próprio governador de Nova York descrevia o rio Hudson como “uma grande fossa séptica”. O Sr. Trump provavelmente não se lembra disso, ou não entende que a regulamentação fez a diferença, assim como muitos eleitores também não.
É verdade, isso poderia mudar rapidamente se as pessoas percebessem que a água e o ar relativamente limpo que elas subestimam correm risco. Pense em como o apoio para a Lei da Saúde Acessível disparou uma vez que as pessoas entenderam que a cobertura de saúde de milhões podia realmente ser confiscada. Haveria uma onda semelhante mas ainda maior em apoio à proteção ambiental se, digamos, os republicanos tentassem revogar a Lei da Água Limpa.
Como eu disse, porém, o Sr. Pruitt pode fazer um bocado de estrago sem mudar a lei. Ele pode, por exemplo, reverter o banimento de um pesticida que os próprios cientistas da APA dizem que pode prejudicar o sistema nervoso de crianças. Ou ele pode se movimentar para jogar no lixo uma lei que limitaria a contaminação por metais pesados das águas residuais de usinas.
Além disso, ele pode aleijar o cumprimento das lei que ele não desfizer, simplesmente trabalhando junto do Sr. Trump para desidratar sua própria agência de pessoal e recursos. O orçamento que Trump divulgou em maio não vai efetivamente se tornar lei, mas foi um indicativo de prioridades, e pedia cortes de recursos para a APA em 31%, mais do que para qualquer outro órgão.
Isoladamente, é provável que nenhuma dessas ações seja tratada como notícia de primeira página, em especial com tudo o mais que está havendo. Combinadas, entretanto, elas podem matar ou aleijar grandes números de americanos – porque é isso que a poluição faz, mesmo que o dano seja gradual e às vezes invisível.
Por sinal, se você estiver se perguntando se uma pauta antiambiental será ao menos boa para a criação de empregos, a resposta é não. Empregos em carvoaria, em particular, não estão voltando, não importa quanta margem nós dermos às empreas para explodir os topos das montanhas e jogar toxinas nas vias fluviais. Esta pauta, contudo, vai valer milhões para certos doadores de campanha.
Ou seja, não diga que a pauta do governo está paralisada. Algumas partes estão, mas outros pedaços estão se desenrolando como esperado. Quando se trata de política ambiental, o Sr. Trump definitivamente vai mudar a América – e o legado dele vai ser literalmente tóxico.
(Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times no dia 25 de agosto de 2017.)