O Homem dos Impostos virou o Homem do Déficit
Após dois anos de governo republicano, os déficits comerciais e orçamentários dos EUA dispararam
Publicado em 20 de março de 2019 às, 13h37.
Os republicanos no Congresso americano passaram o governo Obama inteiro atacando os déficits orçamentários, alertando sem parar que nós caminhávamos para uma crise nos moldes do que foi a da Grécia a qualquer momento. Donald Trump, por sua vez, vem focando sua ira principalmente nos déficits comerciais, insistindo que “nossos empregos e riqueza estão sendo dados para outros países que têm se aproveitado de nós”.
Porém, após dois anos de controle unificado do governo pelo Partido Republicano, aconteceu uma coisa engraçada: os dois déficits dispararam. O déficit orçamentário atingiu níveis sem precedentes a não ser quando comparado a períodos de guerra ou no rescaldo imediato de grandes crises econômicas; o déficit comercial de mercadorias bateu recorde.
O que essa onda de números vermelhos significa?
Vamos ser claros: nem o déficit orçamentário ou o comercial representam uma ameaça certa e imediata à economia dos EUA. Os países desenvolvidos que fazem empréstimos em suas próprias moedas podem ter, e geralmente têm, débitos grandes sem consequências drásticas, razão pela qual sempre foi absurdo o pânico com a dívida de alguns anos atrás.
No entanto, os déficits gêmeos do Sr. Trump nos dizem muita coisa tanto sobre o tuiteiro geral da Nação quanto sobre o partido dele – a saber, que eles são desonestos e ignorantes.
Quanto à desonestidade: existe alguém que ainda acredita que os republicanos em algum momento se preocuparam de fato com a dívida e com os déficits? A verdade é que a farsa da postura fiscal deles deveria ser algo óbvio o tempo todo.
De qualquer forma, a essa altura é inegável que a retórica de ferro e fogo deles sobre a dívida era fingimento puro, uma tentativa de instrumentalizar o déficit para barrar e sabotar a pauta do presidente Barack Obama.
No momento em que tiveram a oportunidade, os mesmos políticos que fingiam se preocupar com a necessidade de responsabilidade fiscal empurraram um enorme corte de impostos para empresas e pessoas ricas – um corte tributário que é a principal razão do déficit orçamentário ter explodido.
Ah, é: além de tudo, o corte de imposto fracassou totalmente em atrair a disparada de investimentos que se prometeu. As empresas não usaram a dádiva gigante que caiu dos céus para construir novas fábricas e aumentar a produtividade, elas a usaram para recomprar muitas de suas ações, repassando os lucros para seus investidores milionários.
E quanto à ignorância? Como muitas pessoas vêm destacando em vão, o Sr. Trump está errado em todos os aspectos sobre o que os déficits comerciais causam. É verdade que, em períodos de desemprego alto, os déficits podem nos custar postos de trabalho. Mas em épocas normais eles não diminuem o desemprego como um todo, nem nos tornam mais pobres.
Pelo contrário, outros países estão nos enviando bens e serviços valiosos, pelos quais nós pagamos com pedaços de papel – papel que paga taxas de juro bastante baixas. De novo, quem é que está ganhando aqui?
Fora isso, porém, para começo de conversa o Sr. Trump está completamente errado sobre o que causa déficits comerciais. De fato, as próprias políticas econômicas dele vêm dando uma lição objetiva sobre a falsidade de sua visão.
No universo trumpiano, os déficits comerciais acontecem porque nós fazemos maus acordos; nós deixamos os estrangeiros venderem as coisas deles aqui, mas eles não nos deixam vender nossas lá. Ou seja, a solução é impor barreiras aos produtos do exterior. “Eu sou um Homem de Impostos”, proclamou orgulhosamente o Sr. Trump.
A realidade, entretanto, é que os déficits comerciais não têm quase nada a ver com tarifas ou com outras restrições ao comércio. O déficit comercial geral sempre é igual à diferença entre os gastos com investimento e economia internas (privados e públicos). Isso é contabilidade básica.
A razão de a América ter déficits comerciais persistentes não é que nós abrimos mão de muita coisa em acordos comerciais, e sim que nós temos pouco rendimento comparado a outros países.
Claro, as tarifas podem reduzir as importações dos bens sujeitos à taxação, e assim diminuir o déficit comercial em um determinado setor. Mas é como empurrar uma bexiga: você consegue espremer ela em um canto, mas ela vai inflar no mesmo volume em outro lugar. O processo pelo qual essa manutenção de déficits acontece pode variar, embora um dólar mais forte (que afeta a exportação) geralmente seja um dos principais fatores. Mas o resultado básico, de que as tarifas não diminuem de fato o déficit comercial geral, é claro.
Sem dúvida, as tarifas de 2018 de Trump na prática causaram uma queda acentuada nas importações dos bens sujeitos àquelas taxas. Mas as importações dos outros produtos cresceram, e as exportações tiveram um desempenho fraco. Além disso, o déficit comercial geral aumentou significativamente, que é exatamente o que nós deveríamos ter esperado. Afinal, aquele enorme corte de impostos dos ricos reduziu as economias nacionais.
E a suposta causa do déficit não é a única coisa que o Sr. Trump não entendeu sobre a política comercial. Ele ainda continua a insistir que os estrangeiros estão pagando as taxas dele. Na realidade, os valores cobrados pelos exportadores do exterior não caíram. Em vez disso, os preços pagos pelos consumidores nos EUA é que vêm subindo.
De novo, o déficit comercial inchado não representa nenhuma ameaça imediata à economia dos EUA. E mesmo a guerra comercial trumpiana provavelmente causou um prejuízo econômico limitado; o principal estrago foi na credibilidade dos EUA.
Porém, os déficits gêmeos dos EUA mostram que o partido dele esteve mentindo sobre as prioridades de política econômica deles, e que Trump não faz a menor ideia sobre o problema com sua forma de fazer política. Por sorte, um país grande como a América consegue sobreviver a muita coisa, incluindo-se aí desonestidade e ignorância no topo.
Uma versão deste artigo apareceu na edição impressa do The New York Times do dia 8 de março de 2019, na Página A29 do caderno Nova York.