O declínio moral dos economistas conservadores
Intelectuais conservadores sérios e honestos, com influência real, existiam há 40 anos; hoje não existem mais, isso fica claro no campo econômico
Da Redação
Publicado em 20 de abril de 2018 às 16h58.
Última atualização em 20 de abril de 2018 às 16h59.
A contratação-que-virou-demissão de Kevin Williamson na revista The Atlantic seguiu um roteiro familiar. Uma grande empresa de mídia contrata um conservador em nome da diversidade intelectual, e depois fica surpresa ao descobrir que ele é desonesto e/ou tem visões verdadeiramente deploráveis – algo que a empresa poderia ter descoberto em alguns minutos no Google.
Quando a contratação ruim é dispensada, a direita o trata como um mártir, uma prova da recusa liberal em permitir que pontos de vista alternativos sejam ouvidos. Por que isso continua a acontecer?
Como outras pessoas têm apontado, o verdadeiro problema aqui é que as empresas de mídia estão atrás de unicórnios: intelectuais conservadores sérios e honestos, com influência real. Há 40 ou 50 anos, pessoas assim existiam. Hoje, não.
Para entender o porquê, deixem-me falar sobre o que eu entendo: o campo da economia. Este calha de ser um campo com uma presença conservadora relativamente forte, comparado às outras ciências sociais, e até onde eu consigo ver, um que contém consideravelmente mais conservadores e republicanos autodeclarados do que o das ciências duras. Mesmo assim, tentar encontrar intelectuais economistas conservadores influentes é basicamente uma tarefa infrutífera, por dois motivos.
Primeiro, embora haja muitos economistas conservadores nomeados nas grandes universidades, publicando nos melhores periódicos e por aí vai, eles não têm influência na tomada de decisões políticas conservadoras. O que a direita quer são charlatões e picaretas, para usar a célebre frase (conservadora) de Greg Mankiw. Se eles usam economistas de verdade, recorrem a eles do mesmo modo que um bêbado recorre a um poste de luz: em busca de apoio, não de iluminação.
A indicação de Larry Kudlow para dirigir o Conselho Econômico Nacional resume o fenômeno. O diretor do C.E.N. não precisa ter sido um economista academicamente prestigiado; Larry Summers foi uma exceção. Mas, no governo do presidente Obama, o diretor foi sempre alguém que tinha um interesse em pesquisas reais sobre políticas, ouvia o que os especialistas tinham a dizer e estava disposto a mudar de ponto de vista diante de evidências.
Obviamente nada disso é verdade no caso do Sr. Kudlow. Ele é basicamente uma celebridade de TV cujo bordão é pregar a magia dos cortes de impostos, e nada vai tirar a ideia da cabeça dele. E a questão não é só que ele não tem curiosidade e é inflexível: o modelo de negócios dele é vender pastéis de vento, e ele não pode mudá-lo sem perder tudo. E é este tipo de pessoa que os republicanos querem.
Isso quer dizer que, se você pegar um economista conservador que não seja charlatão e picareta, você estará mais ou menos, por definição, recorrendo a alguém sem influência sob os legisladores. Mas este não é o único problema.
O segundo problema com o pensamento econômico conservador é que, mesmo descontando-se sua completa ausência de influência na política, ele está em um estágio avançado de decadência intelectual e moral – algo que tem sido óbvio durante um tempo, mas que se tornou inteiramente claro depois da crise de 2008.
Eu tenho escrito bastante sobre essa decadência intelectual. Na macroeconomia, o que começou nas décadas de 60 e 70 como uma crítica convenientemente desafiadora dos pontos de vista keynesianos acabou completamente errada nos anos 80, quando os antikeynesianos se recusaram a reconsiderar suas visões à medida em que os modelos deles fracassavam no teste da realidade, enquanto os modelos keynesianos, com algumas modificações, se saíram bastante bem. Quando a Grande Recessão bateu, o lado com inclinações à direita da profissão já havia entrado em uma Idade das Trevas, tendo retrocedido ao ponto em que economistas famosos repetiam falácias da década de 30 como se fossem insights profundos.
Mas mesmo entre os economistas conservadores que não seguiram este caminho brejo abaixo, tem havido um colapso moral, uma disposição em colocar a lealdade política acima dos padrões profissionais. Nós vimos isso mais recentemente no modo como economistas conservadores de destaque correram para apoiar afirmações absurdas sobre a eficiência dos cortes tributários de Trump, e depois tentaram baixar o tom sem admitir o que tinham feito. Nós vimos isso nas declarações falsas de que o Sr. Obama comandara expansões maciças de programas públicos, seguidas por uma recusa em admitir que ele não fez isso, e nos avisos de que a política do Federal Reserve causaria uma grande inflação, seguida de uma recusa em admitir que eles estavam errados, entre outros exemplos.
O que explica este declínio moral? Eu suspeito que seja uma tentativa desesperada de manter alguma influência sobre um partido que prefere tipos como o Sr. Kudlow ou Stephen Moore. Pessoas como John Taylor continuam a esperar que, se eles seguirem a linha do partido por tempo suficiente, eles ainda conseguirão ser aceitos internamente. Mas até agora isso continua a não acontecer, e certamente as coisas não vão melhorar com o Sr. Trump.
E não, você não vê a mesma coisa acontecendo do outro lado. Os economistas liberais têm feito várias previsões ruins – se você nunca erra, você não está cometendo riscos o bastante -, mas no geral eles têm se mostrado abertos a admitir erros e aprender com eles, e raramente têm sido bajuladores das pessoas no poder. Nesse ponto, assim como em todo o resto, estamos olhando para uma polarização assimétrica.
Estou dizendo que não existem economistas conservadores que mantiveram seus princípios? Nem um pouco. Mas eles não têm influência alguma, zero, no pensamento republicano. Assim, na economia, uma empresa de mídia que tente representar o pensamento conservador ou vai ter de publicar gente sem um eleitorado ou fechar com os charlatões que de fato importam.
E creio que isso seja verdade em geral. A esquerda tem genuínos intelectuais públicos com ideias de verdade e pelo menos alguma influência real; a direita não. As empresas de mídia não parecem ter descoberto como lidar com essa realidade, a não ser fingindo que ela não existe. E é por isso que nós continuamos a testemunhar esses desastres à la Kevin Williamson.
A contratação-que-virou-demissão de Kevin Williamson na revista The Atlantic seguiu um roteiro familiar. Uma grande empresa de mídia contrata um conservador em nome da diversidade intelectual, e depois fica surpresa ao descobrir que ele é desonesto e/ou tem visões verdadeiramente deploráveis – algo que a empresa poderia ter descoberto em alguns minutos no Google.
Quando a contratação ruim é dispensada, a direita o trata como um mártir, uma prova da recusa liberal em permitir que pontos de vista alternativos sejam ouvidos. Por que isso continua a acontecer?
Como outras pessoas têm apontado, o verdadeiro problema aqui é que as empresas de mídia estão atrás de unicórnios: intelectuais conservadores sérios e honestos, com influência real. Há 40 ou 50 anos, pessoas assim existiam. Hoje, não.
Para entender o porquê, deixem-me falar sobre o que eu entendo: o campo da economia. Este calha de ser um campo com uma presença conservadora relativamente forte, comparado às outras ciências sociais, e até onde eu consigo ver, um que contém consideravelmente mais conservadores e republicanos autodeclarados do que o das ciências duras. Mesmo assim, tentar encontrar intelectuais economistas conservadores influentes é basicamente uma tarefa infrutífera, por dois motivos.
Primeiro, embora haja muitos economistas conservadores nomeados nas grandes universidades, publicando nos melhores periódicos e por aí vai, eles não têm influência na tomada de decisões políticas conservadoras. O que a direita quer são charlatões e picaretas, para usar a célebre frase (conservadora) de Greg Mankiw. Se eles usam economistas de verdade, recorrem a eles do mesmo modo que um bêbado recorre a um poste de luz: em busca de apoio, não de iluminação.
A indicação de Larry Kudlow para dirigir o Conselho Econômico Nacional resume o fenômeno. O diretor do C.E.N. não precisa ter sido um economista academicamente prestigiado; Larry Summers foi uma exceção. Mas, no governo do presidente Obama, o diretor foi sempre alguém que tinha um interesse em pesquisas reais sobre políticas, ouvia o que os especialistas tinham a dizer e estava disposto a mudar de ponto de vista diante de evidências.
Obviamente nada disso é verdade no caso do Sr. Kudlow. Ele é basicamente uma celebridade de TV cujo bordão é pregar a magia dos cortes de impostos, e nada vai tirar a ideia da cabeça dele. E a questão não é só que ele não tem curiosidade e é inflexível: o modelo de negócios dele é vender pastéis de vento, e ele não pode mudá-lo sem perder tudo. E é este tipo de pessoa que os republicanos querem.
Isso quer dizer que, se você pegar um economista conservador que não seja charlatão e picareta, você estará mais ou menos, por definição, recorrendo a alguém sem influência sob os legisladores. Mas este não é o único problema.
O segundo problema com o pensamento econômico conservador é que, mesmo descontando-se sua completa ausência de influência na política, ele está em um estágio avançado de decadência intelectual e moral – algo que tem sido óbvio durante um tempo, mas que se tornou inteiramente claro depois da crise de 2008.
Eu tenho escrito bastante sobre essa decadência intelectual. Na macroeconomia, o que começou nas décadas de 60 e 70 como uma crítica convenientemente desafiadora dos pontos de vista keynesianos acabou completamente errada nos anos 80, quando os antikeynesianos se recusaram a reconsiderar suas visões à medida em que os modelos deles fracassavam no teste da realidade, enquanto os modelos keynesianos, com algumas modificações, se saíram bastante bem. Quando a Grande Recessão bateu, o lado com inclinações à direita da profissão já havia entrado em uma Idade das Trevas, tendo retrocedido ao ponto em que economistas famosos repetiam falácias da década de 30 como se fossem insights profundos.
Mas mesmo entre os economistas conservadores que não seguiram este caminho brejo abaixo, tem havido um colapso moral, uma disposição em colocar a lealdade política acima dos padrões profissionais. Nós vimos isso mais recentemente no modo como economistas conservadores de destaque correram para apoiar afirmações absurdas sobre a eficiência dos cortes tributários de Trump, e depois tentaram baixar o tom sem admitir o que tinham feito. Nós vimos isso nas declarações falsas de que o Sr. Obama comandara expansões maciças de programas públicos, seguidas por uma recusa em admitir que ele não fez isso, e nos avisos de que a política do Federal Reserve causaria uma grande inflação, seguida de uma recusa em admitir que eles estavam errados, entre outros exemplos.
O que explica este declínio moral? Eu suspeito que seja uma tentativa desesperada de manter alguma influência sobre um partido que prefere tipos como o Sr. Kudlow ou Stephen Moore. Pessoas como John Taylor continuam a esperar que, se eles seguirem a linha do partido por tempo suficiente, eles ainda conseguirão ser aceitos internamente. Mas até agora isso continua a não acontecer, e certamente as coisas não vão melhorar com o Sr. Trump.
E não, você não vê a mesma coisa acontecendo do outro lado. Os economistas liberais têm feito várias previsões ruins – se você nunca erra, você não está cometendo riscos o bastante -, mas no geral eles têm se mostrado abertos a admitir erros e aprender com eles, e raramente têm sido bajuladores das pessoas no poder. Nesse ponto, assim como em todo o resto, estamos olhando para uma polarização assimétrica.
Estou dizendo que não existem economistas conservadores que mantiveram seus princípios? Nem um pouco. Mas eles não têm influência alguma, zero, no pensamento republicano. Assim, na economia, uma empresa de mídia que tente representar o pensamento conservador ou vai ter de publicar gente sem um eleitorado ou fechar com os charlatões que de fato importam.
E creio que isso seja verdade em geral. A esquerda tem genuínos intelectuais públicos com ideias de verdade e pelo menos alguma influência real; a direita não. As empresas de mídia não parecem ter descoberto como lidar com essa realidade, a não ser fingindo que ela não existe. E é por isso que nós continuamos a testemunhar esses desastres à la Kevin Williamson.