O Brexit mostra como separar é difícil
O consenso profissional é de que o Brexti vai ser negativo, ainda que não catastrófico no longo prazo
Publicado em 12 de setembro de 2019 às, 12h56.
À medida que se aproxima o fim do prazo de 31 de outubro para o Brexit – a saída da Inglaterra da União Europeia–, as coisas ficam mais agitadas. O agito não se deve a preocupações sobre o impacto econômico do Brexit no longo prazo, embora o consenso profissional seja de que ele vai ser negativo, ainda que não catastrófico.
Afinal, o Canadá passou gerações sem ter uma fronteira aberta com seu vizinho gigante ao sul. A bem da verdade, ele ainda não tem: o Nafta estabelece o livre comércio, não uma união de fronteiras, de modo que os caminhões que cruzam a fronteira ainda têm de apresentar documentos certificando que estão levando produtos americanos ou canadenses, e não, digamos, coisas enviadas de navios da China. No entanto, o Canadá ainda não fez uma transição para um estado de natureza selvagem. E a Inglaterra tampouco o fará, no longo prazo; as melhores estimativas indicam que, uma vez que houver tempo para ajustes, o Brexit pode custar algo em torno de 2% do produto interno bruto da Inglaterra.
Em vez disso, todo mundo está focando no dia seguinte – as primeiras semanas ou meses após o Brexit (que ainda é possível que não aconteça).
Por que o curto prazo assuta? Ser um integrante da União Europeia não significa apenas tarifas zeradas para os seus vizinhos, mas também um movimento mais ou menos tranquilo de mercadorias. Mesmo produtos de fora da UE pagam taxas no porto de entrada – digamos, Roterdã, na Holanda–, e podem se deslocar livremente uma vez dentro da Europa. Caminhões que chegam à cidade portuária britânica de Dover ainda não tiveram de apresentar um manifesto alfandegário para ser analisado antes de entrar na Inglaterra, porque não havia alfândega alguma. Ou seja, eles podiam simplesmente cruzar a fronteira. E toda a economia britânica tem se estruturado em torno da expectativa de que as mercadorias poderiam circular livremente.
Com tempo e preparação suficientes, impor novas fricções não teria de ser um grande problema. A Inglaterra é um país moderno e tem um serviço civil altamente qualificado. O país poderia contratar vários inspetores alfandegários, ter sistemas de computador sofisticados funcionando e coisas do tipo. O tempo de espera para as mercadorias que cruzam a fronteira dos EUA com o Canadá são mínimos, e com o tempo a Inglaterra provavelmente teria algo igual.
Só que a Inglaterra não está pronta. Recentemente o Times of London fez uma reportagem sobre uma versão vazada da Operação Yellowhammer, o plano de contingência do governo inglês para um cenário de Brexit duro, sem acordo. As consequências previstas eram assustadoras: escassez de combustível, comida e remédios, um “derretimento” de três meses nos portos e mais.
Como resposta, as autoridades do governo do primeiro-ministro Boris Johnson afirmaram que os documentos vazados eram antigos, e que as análises mais recentes eram muito menos perturbadoras. Além disso, elas anunciaram que iriam tranquilizar o público divulgando trechos de uma versão atualizada do documento de Yellowhammer.
Porém, planos de divulgação foram adiados, supostamente porque, depois de penar para produzir um cenário mais benigno, as autoridades ainda acabaram com algo sinistro o suficiente para assustar o público. Isso é o oposto de acalmar.
Fora que é difícil ver qualquer interesse legítimo em manter o plano de contingência do Brexit em segredo. Por que as pessoas e empresas não deveriam ser capazes de fazer planos com base na melhor informação disponível? Ué, porque o sigilo é só política: O governo Johnson não quer que o público saiba o que é provável que aconteça.
Sem dúvida, a verdade é que é difícil saber o que vai de fato acontecer (e meu economista de pesquisas interior está, de modo um tanto assustador, louco para descobrir). Eu conheci uma administradora muito boa que tinha uma placa na sua mesa que dizia “Quando tudo mais falhar, diminua suas expectativas”. Será que a Inglaterra não pode minimizar as turbulências no curto prazo tornando as inspeções alfandegárias rápidas e frouxas? Claro, o resultado também depende do que acontecer no porto francês de Calais – além disso, nós não sabemos muita coisa sobre o plano de contingência da UE.
Fora que a coisa toda pode ser cancelada: Não sei nada sobre a política inglesa, mas parecia que podia haver uma eleição geral de última hora antes da data do Brexit, e que uma vitória da oposição poderia colocar a coisa toda em banho-maria.
Em todo caso, tempos interessantes.