O abismo cultural da América
Matthew Yglesias da Vox escreveu recentemente um artigo interessante sobre Andrew Puzder, o magnata do fast food que Donald Trump escolheu como secretário do Trabalho. Você pode achar que a indicação dele seria considerada uma traição completa dos eleitores da classe trabalhadora, que apoiaram maciçamente o Sr. Trump no mês passado. O Sr. Puzder é […]
Publicado em 19 de dezembro de 2016 às, 10h26.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h48.
Matthew Yglesias da Vox escreveu recentemente um artigo interessante sobre Andrew Puzder, o magnata do fast food que Donald Trump escolheu como secretário do Trabalho.
Você pode achar que a indicação dele seria considerada uma traição completa dos eleitores da classe trabalhadora, que apoiaram maciçamente o Sr. Trump no mês passado. O Sr. Puzder é antitrabalhista, contra aumentos de salários e pró-imigração. Não vai haver uma grande retaliação?
O que o Sr. Yglesias sugere, entretanto, é que a ligação do Sr. Puzeder com o fast food é em si mesma uma proteção – porque a classe branca trabalhadora gosta de fast food, enquanto os liberais não, e os primeiros consideram que isso mostra o desprezo daqueles últimos pelas pessoas comuns. (Leia o post dele aqui)
Eu suspeito de que haja algo aí, e que isso seja parte de uma história maior. E não sei o que fazer com essa suspeita.
O que eu vejo bastante, tanto no discurso político em geral como em minha própria caixa de e-mail, é uma enorme sensação de rancor contra pessoas como Hillary Clinton ou, vá lá, eu, que não tem relação com a política. Em vez disso, se resume a algo na linha de “Vocês se acham melhores que nós.” E isso tem muito a ver com o modo como as pessoas vivem.
Se o populismo se resumisse apenas à desigualdade de renda, a classe trabalhadora estaria profundamente ressentida com alguém como o Sr. Trump. Ele tem privadas douradas! Mas ele se safa disso, em parte, porque seus gostos se parecem alinhados com os dos brancos sem educação formal que votaram nele. Isto é, o Sr. Trump vive da maneira como eles imaginam que fariam se tivessem muito dinheiro.
Compare isso com os liberais ricos – como meus vizinhos no Upper West Side de Nova York. Eles não estão nem perto de ser tão ricos quanto os plutocratas que vão abarrotar o gabinete do Sr. Trump. E mais, meus vizinhos votam em coisas que vão aumentar os impostos e custo de vida deles, ao mesmo tempo em que melhoram as vidas das próprias pessoas que os desprezam. Objetivamente, eles estão do lado dos trabalhadores brancos.
Mas eles não comem muito fast food porque acreditam que faz mal, e estão de olho no peso deles. Eles não assistem muitos reality shows e escutam um bocado de audiobooks – ou até mesmo leem livros à moda antiga. Além disso, caso eles sejam ricos o bastante para ter uma segunda casa, será uma casa despojada-chique no campo, não o Mar-a-Lago do Sr. Trump.
Ou seja, há uma sensação de que existe um abismo cultural muito maior entre os liberais ricos e a classe branca trabalhadora do que há entre os trumpistas e a classe branca trabalhadora. Será que os liberais tiram sarro do americano médio?
Pra dizer a verdade, eu nunca ouvi algo assim – as pessoas com quem eu converso entendem que viver do modo como elas fazem custa muito mais tempo e dinheiro do que para os americanos em dificuldades, e não são particularmente críticas dos estilos de vida alheios. Porém, é fácil notar como uma impressão de que os liberais olham as pessoas comuns de cima pode surgir e ser atiçada pela imprensa de direita.
A pergunta é: o que você pode fazer a respeito disso? De novo, objetivamente estes liberais estão muito mais do lado dos trabalhadores, embora os atores que trabalham essa sensação de desdém estejam determinados a trair a classe branca trabalhadora em grande escala. Será que não existe uma maneira de fazer as pessoas perceberem isso que não envolva comer montes de hambúrgueres e fritas?