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Me dê liberdade e me dê morte

Em alguns estados dos EUA, pessoas começam causar aglomerações em protestos contra as medidas de isolamento social

EUA: manifestantes pedem reabertura de praias na Califórnia. / REUTERS/Mike Blake
DR

Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2020 às 13h26.

Grande parte da economia americana está hoje fechada, e com razão. Porém, agora há uma retaliação contra as restrições que estão desacelerando a propagação do coronavírus.

Não é uma rebelião popular ampla e em todos os setores – os tão falados protestos nas sedes dos governos estaduais estão mais para militância paga, organizada por grupos de direita próximos do status quo republicano, do que protestos orgânicos legítimos. E políticos irresponsáveis como Brian Kemp, o governador republicano da Geórgia, que está reabrindo academias e salões de beleza enquanto a covid-19 rapidamente se espalha em seu Estado, estão claramente respondendo a uma pressão superior do presidente Trump do que a uma demanda popular.

Mesmo assim, isso está acontecendo. Por quê?

A resposta, eu sugeriria, é que o governo Trump e seus aliados no Senado estão arruinando a economia da pandemia – e em certo sentido eles sabem disso. Logo, eles estão desesperados para desejar que o problema suma antes que o fracasso da resposta deles se torne óbvio demais.

Para ser justo, os problemas que a covid-19 representa são novidade e se movem incrivelmente depressa. Ainda assim, a lógica e as experiências de outros países pelo mundo estão nos dando uma ideia bastante boa do que nós deveríamos fazer neste momento. Primeiro, fechar atividades econômicas que envolvam um nível alto de contato para desacelerar a transmissão do vírus. Segundo, oferecer um auxílio de desastres generoso àqueles cujas rendas têm sofrido cortes com o lockdown ( fechamento de setores de serviços não-essenciais ). Terceiro, aumentar rapidamente os testes e monitoramento, para que quando nós retomemos (com cuidado) a vida normal possamos identificar e neutralizar logo qualquer ponto crítico emergente.

O problema é que a América está se saindo muito mal nos quesitos 2 e 3.

É verdade que o Congresso aprovou um grande volume de dinheiro em auxílios-desemprego ampliados e empréstimos a pequenas empresas. Mas está se tornando cada vez mais claro que o dinheiro não tem chegado aos americanos que precisam dele, em parte porque o governo federal não assumiu a responsabilidade sobre como o dinheiro seria gasto.

Ampliar o auxílio-desemprego nos Estados Unidos é de fato uma boa ideia. Só que o programa federal é administrado hoje pelas secretarias estaduais de trabalho, que há décadas foram desidratadas de fundos – em muitos casos, porque os governos estaduais conservadores quiseram dificultar o acesso a esses benefícios. Como resultado, há um enorme passivo de benefícios não processados, e milhões de americanos ainda não viram um centavo sequer destes pedidos.

Não precisava ser assim. O Canadá criou um Benefício de Resposta Emergencial para aqueles que perderam renda como resultado do coronavírus, implementado diretamente pelo governo federal e de acesso fácil por meio de um portal do governo e pelo telefone; o programa começou a pagar até 2 mil dólares canadenses por mês quase imediatamente.

Já nos Estados Unidos, os empréstimos para pequenas empresas são feitos por bancos privados, com critérios que facilitaram com que grandes redes de restaurantes e hotéis alegassem que cada uma das suas unidades era uma pequena empresa; para completa surpresa de ninguém, estes gigantes, que têm fortes vínculos com os grandes bancos, rapidamente tiraram quase todo o dinheiro, com muito pouco indo para quem se pretendia destinar o benefício.

Por trás deste fracasso em proporcionar alívio econômico, nós não estamos vendo nada que se assemelhe à alta acelerada em testes de que nós precisamos para começar a reabrir com segurança.

Um presidente dos EUA diferente talvez respondesse a estes acontecimentos com um esforço excepcional para resolver os problemas, como o governo Obama fez com a derrocada inicial do Obamacare em 2013. Trump sendo Trump, porém, ele está se absolvendo de qualquer responsabilidade, e em vez disso tem pressionado os Estados para ignorar o risco social e abandonar as medidas de distanciamento que têm acabado com a pandemia.

A meu ver, isso não é só cruel, mas politicamente estúpido. Como acabamos de ver, vírus se deslocam depressa. Há poucos dias, nós estávamos começando a ver os sinais de que a covid-19 pode estar chegando ao pico. Mas é só baixar nossa guarda, o mínimo que seja, e uma segunda e ainda maior onda de mortes pode facilmente acontecer bem na época da próxima eleição presidencial dos EUA.

Trump e aliados não parecem ser capazes de aceitar a ideia de que o dever deles é resolver problemas, e não abrir mão da responsabilidade. Não sei vocês, mas eu ando até mais assustado do que já estava.

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Grande parte da economia americana está hoje fechada, e com razão. Porém, agora há uma retaliação contra as restrições que estão desacelerando a propagação do coronavírus.

Não é uma rebelião popular ampla e em todos os setores – os tão falados protestos nas sedes dos governos estaduais estão mais para militância paga, organizada por grupos de direita próximos do status quo republicano, do que protestos orgânicos legítimos. E políticos irresponsáveis como Brian Kemp, o governador republicano da Geórgia, que está reabrindo academias e salões de beleza enquanto a covid-19 rapidamente se espalha em seu Estado, estão claramente respondendo a uma pressão superior do presidente Trump do que a uma demanda popular.

Mesmo assim, isso está acontecendo. Por quê?

A resposta, eu sugeriria, é que o governo Trump e seus aliados no Senado estão arruinando a economia da pandemia – e em certo sentido eles sabem disso. Logo, eles estão desesperados para desejar que o problema suma antes que o fracasso da resposta deles se torne óbvio demais.

Para ser justo, os problemas que a covid-19 representa são novidade e se movem incrivelmente depressa. Ainda assim, a lógica e as experiências de outros países pelo mundo estão nos dando uma ideia bastante boa do que nós deveríamos fazer neste momento. Primeiro, fechar atividades econômicas que envolvam um nível alto de contato para desacelerar a transmissão do vírus. Segundo, oferecer um auxílio de desastres generoso àqueles cujas rendas têm sofrido cortes com o lockdown ( fechamento de setores de serviços não-essenciais ). Terceiro, aumentar rapidamente os testes e monitoramento, para que quando nós retomemos (com cuidado) a vida normal possamos identificar e neutralizar logo qualquer ponto crítico emergente.

O problema é que a América está se saindo muito mal nos quesitos 2 e 3.

É verdade que o Congresso aprovou um grande volume de dinheiro em auxílios-desemprego ampliados e empréstimos a pequenas empresas. Mas está se tornando cada vez mais claro que o dinheiro não tem chegado aos americanos que precisam dele, em parte porque o governo federal não assumiu a responsabilidade sobre como o dinheiro seria gasto.

Ampliar o auxílio-desemprego nos Estados Unidos é de fato uma boa ideia. Só que o programa federal é administrado hoje pelas secretarias estaduais de trabalho, que há décadas foram desidratadas de fundos – em muitos casos, porque os governos estaduais conservadores quiseram dificultar o acesso a esses benefícios. Como resultado, há um enorme passivo de benefícios não processados, e milhões de americanos ainda não viram um centavo sequer destes pedidos.

Não precisava ser assim. O Canadá criou um Benefício de Resposta Emergencial para aqueles que perderam renda como resultado do coronavírus, implementado diretamente pelo governo federal e de acesso fácil por meio de um portal do governo e pelo telefone; o programa começou a pagar até 2 mil dólares canadenses por mês quase imediatamente.

Já nos Estados Unidos, os empréstimos para pequenas empresas são feitos por bancos privados, com critérios que facilitaram com que grandes redes de restaurantes e hotéis alegassem que cada uma das suas unidades era uma pequena empresa; para completa surpresa de ninguém, estes gigantes, que têm fortes vínculos com os grandes bancos, rapidamente tiraram quase todo o dinheiro, com muito pouco indo para quem se pretendia destinar o benefício.

Por trás deste fracasso em proporcionar alívio econômico, nós não estamos vendo nada que se assemelhe à alta acelerada em testes de que nós precisamos para começar a reabrir com segurança.

Um presidente dos EUA diferente talvez respondesse a estes acontecimentos com um esforço excepcional para resolver os problemas, como o governo Obama fez com a derrocada inicial do Obamacare em 2013. Trump sendo Trump, porém, ele está se absolvendo de qualquer responsabilidade, e em vez disso tem pressionado os Estados para ignorar o risco social e abandonar as medidas de distanciamento que têm acabado com a pandemia.

A meu ver, isso não é só cruel, mas politicamente estúpido. Como acabamos de ver, vírus se deslocam depressa. Há poucos dias, nós estávamos começando a ver os sinais de que a covid-19 pode estar chegando ao pico. Mas é só baixar nossa guarda, o mínimo que seja, e uma segunda e ainda maior onda de mortes pode facilmente acontecer bem na época da próxima eleição presidencial dos EUA.

Trump e aliados não parecem ser capazes de aceitar a ideia de que o dever deles é resolver problemas, e não abrir mão da responsabilidade. Não sei vocês, mas eu ando até mais assustado do que já estava.

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