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Le Pen não é a solução para os problemas da Europa

A França vai realizar sua eleição presidencial no fim de semana, e há preocupações compreensíveis sobre a possibilidade de acontecer outro choque Trump. Em especial, os percalços do euro mancharam a reputação do projeto europeu – a longa marcha rumo à paz e prosperidade por meio da integração econômica – e fizeram o jogo dos […]

MARINE LE PEN: seu sucesso mostra que o maior problema de saúde com que a França sofre é a hipocondria / Pascal Rossignol/ Reuters (Pascal Rossignol/Reuters)
MARINE LE PEN: seu sucesso mostra que o maior problema de saúde com que a França sofre é a hipocondria / Pascal Rossignol/ Reuters (Pascal Rossignol/Reuters)
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Paul Krugman

Publicado em 19 de abril de 2017 às, 12h14.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h29.

A França vai realizar sua eleição presidencial no fim de semana, e há preocupações compreensíveis sobre a possibilidade de acontecer outro choque Trump. Em especial, os percalços do euro mancharam a reputação do projeto europeu – a longa marcha rumo à paz e prosperidade por meio da integração econômica – e fizeram o jogo dos políticos antieuropeus. Além disso, meus contatos na França me dizem que a campanha de Marine Le Pen está tentando retratar as críticas às políticas europeias vindas de economistas de renome como apoios implícitos à plataforma da Frente Nacional.

Elas não são.

Eu tenho sido um crítico severo tanto do euro quanto das políticas de austeridade seguidas pela zona do euro desde 2010. A França poderia e deveria estar se saindo muito melhor do que está hoje. Mas os tipos de políticas defendidas pelo partido da Srª. Le Pen, a Frente Nacional – saída unilateral não só do euro mas da União Europeia – prejudicaria, em lugar de ajudar, a economia francesa.

Comecemos com o euro. A moeda única era e é um projeto defeituoso, e os países que nunca aderiram – como Suécia, Grã-Bretanha e Islândia – se beneficiaram da flexibilidade que vem de possuírem moedas independentes. Há, no entanto, uma grande diferença entre escolher ficar de fora desde o início e sair depois de aderir. Os custos da transição de substituir o euro por uma moeda nacional seriam grandes: a fuga maciça de capital causaria uma crise bancária; os controles cambiais e feriados bancários teriam de ser impostos; problemas sobre como avaliar contratos criariam um atoleiro legal; e os negócios sofreriam interferências durante um enorme intervalo de tempo de confusão e incerteza.

Apesar disso, pode valer a pena aguentar esses custos em circunstâncias extremas, como no caso daquelas enfrentadas pela Grécia: uma economia severamente deprimida que precisa de uma redução radical de gastos em relação a seus parceiros comerciais pode até mesmo achar uma saída custosa do euro seguida de desvalorização preferível em vez de anos de deflação opressora.

A França, entretanto, não se encaixa nessa descrição. O desempenho do emprego francês deveria estar melhor, mas não está terrível – é mais provável que jovens adultos sejam empregados lá do que nos Estados Unidos. E, desde a criação do euro, os custos trabalhistas franceses mal acompanharam a média da zona do euro como um todo, isto é, há poucos motivos para acreditar que um franco restabelecido iria (ou deveria) experimentar uma desvalorização grande.

Em resumo, a França largar o euro traria todos os custos que a Grécia teria enfrentado, sem qualquer dos benefícios.

E quanto à União Europeia em geral? Há muitas razões para acreditar que a adesão ao bloco – tornando a França parte de um mercado muito mais amplo do que ela conseguiria dar conta por si só – torna a indústria francesa mais produtiva e oferece aos cidadãos franceses uma ampla gama de produtos mais baratos do que eles conseguiriam comprar em outra situação. Desculpem, mas a França simplesmente não é grande o suficiente para progredir com políticas econômicas introvertidas e nacionalistas. E, dadas as vantagens de ser parte de uma entidade econômica maior, integrar a zona de Schengen – que diminui atritos e faz a integração funcionar melhor – deveria ser visto como um privilégio, e não um fardo.

Não estou de modo algum dizendo que a União Europeia está bem, ou que a política da França é excelente. O consenso europeu a favor da austeridade foi imensamente equivocado e destrutivo – e a França tem se mostrado muito mais disposta a impor austeridade desnecessária a si própria. Eu às vezes digo que o maior problema de saúde com que a França sofre é a hipocondria: uma disposição a acreditar na propaganda que a mostrou como o homem doente da Europa durante mais de três décadas, ainda que ela continue a mostrar uma produtividade alta e um desempenho trabalhista decente.

O ponto, porém, é que nada do que a Frente Nacional tem a oferecer conduziria a França na direção correta. Só porque a Srª Le Pen e economistas como eu somos ambos críticos da política europeia não quer dizer que nós tenhamos algo em comum.

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