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Inglaterra: um ajuste, mas sem recessão

A tão alardeada recessão severa do Brexit, até aqui, não parece estar em vias de se materializar. Isso realmente não devia causar muita surpresa porque, como eu avisei, o argumento econômico para se falar em uma recessão na Inglaterra é surpreendentemente fraco. (Ai! Acabo de distender um músculo me dando tapas nas costas!) Contudo, estamos […]

REINO UNIDO: com o Brexit, a única maneira de compensar a fuga de capitar é uma libra mais fraca / Toby Melville / Reuters (Toby Melville/Reuters)
REINO UNIDO: com o Brexit, a única maneira de compensar a fuga de capitar é uma libra mais fraca / Toby Melville / Reuters (Toby Melville/Reuters)
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Paul Krugman

Publicado em 19 de outubro de 2016 às, 11h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h06.

A tão alardeada recessão severa do Brexit, até aqui, não parece estar em vias de se materializar. Isso realmente não devia causar muita surpresa porque, como eu avisei, o argumento econômico para se falar em uma recessão na Inglaterra é surpreendentemente fraco. (Ai! Acabo de distender um músculo me dando tapas nas costas!)

Contudo, estamos vendo uma queda drástica no valor da libra, que se aprofundou à medida em que se torna mais provável que o Brexit será, de fato, muito duro. Como nós deveríamos pensar sobre isso?

Originalmente, as histórias sobre um mergulho da libra estavam atreladas às previsões sobre a recessão: A demanda por investimento doméstico iria cair, levando a taxas de juro sustentáveis muito baixas, e, portanto, a uma fuga de capital. Mas a queda na demanda não parece estar acontecendo. Ou seja, qual a história aqui?

Por enquanto, pelo menos eu encaro essa questão do ponto de vista do comércio – especialmente o comércio de serviços financeiros. Um jeito de pensar a esse respeito é no caso do “efeito de mercado doméstico”, uma história antiga sobre comércio, mas que só foi formalizada em 1980 (confira meu artigo sobre o tema, na American Economic Review, aqui: bit.ly/2duaEKR).

Aí vai uma versão informal: Imagine um bem ou serviço oferecido em grandes economias de produção em escala, o suficiente para que, se ele for consumido em dois países, você gostaria de produzi-lo em um lugar só e exportá-lo para o outro país, mesmo que haja custos de envio. Onde essa produção ficaria alocada? Se tudo o mais for igual, você escolheria o mercado maior para minimizar o custo total do frete.

As outras coisas podem não ser iguais, é claro, mas este efeito do tamanho do mercado sempre vai ser um fator, dependendo de quão elevados são esses custos de envio.

Em um dos modelos que eu apresentei no passado naquele artigo, a maneira disso funcionar era que nem toda produção saía da economia inferior, mas, em vez disso, a economia inferior pagava salários menores e, portanto, compensava em competitividade o que não tinha de acesso ao mercado. De fato, ela usou uma moeda mais fraca para compensar seu mercado menor.

No caso da Inglaterra, eu sugeriria que nós pensássemos nos serviços financeiros como a indústria em questão. Tais serviços estão sujeitos tanto às economias internas e externas de escala, que tendem a concentrá-las em alguns poucos e grandes centros financeiros ao redor do mundo, um dos quais, claro, é a cidade de Londres. Mas agora nós encaramos a perspectiva de um custo de transações incrivelmente maior entre a Inglaterra e o resto da Europa, o que cria um estímulo para tirar esses serviços da economia inferior (Inglaterra) e instaurá-los na superior (Europa). A Inglaterra precisa, então, de uma moeda mais fraca para compensar esse impacto negativo.

Isto deixa a Inglaterra mais pobre? Sim. Mas é importante ter em vista que nem todo mundo na Inglaterra é afetado da mesma maneira. Pré-Brexit, a Inglaterra estava obviamente experimentando uma variação da assim chamada “Doença Holandesa”. Em sua forma tradicional, isso se referia à maneira como as exportações de recursos naturais desestimulavam a manufatura porque mantinham a moeda forte.

No caso da Inglaterra, as exportações financeiras da cidade têm o mesmo papel. Ou seja, seu enfraquecimento ajuda a manufatura britânica – e, talvez, a renda das pessoas que vivem longe de Londres e ainda dependem direta ou indiretamente da manufatura para sua renda. Não é completamente acidental que foram estas partes da Inglaterra (e não a Escócia!) as que votaram “sim” ao Brexit.

Há uma moral política aqui? Basicamente, só que uma libra enfraquecida não deve ser considerada um custo adicional do Brexit; é meramente uma parte dos ajustes.

E seria um grande erro escorar o euro: Noções antigas de uma taxa de câmbio equilibradas não valem mais

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