Hipocrisia e desprezo, e isso é só o começo
Projetos dos Republicanos ainda surpreendem até os mais cínicos
Publicado em 11 de dezembro de 2017 às, 15h00.
Os republicanos não ligam pra déficits orçamentários, e nunca ligaram. Eles só fingem se importar com déficits quando uma de duas coisas é verdadeira: um democrata está na Casa Branca, e a retórica do déficit pode ser usada para barrar a pauta dele, ou quando eles enxergam uma oportunidade de cortar programas sociais que ajudam os americanos necessitados, e podem invocar os déficits como desculpa. Tudo isso tem sido óbvio há anos para qualquer um que esteja prestando atenção.
Assim, não é nada surpreendente que eles estivessem dispostos a aprovar um grande corte tributário para empresas e os ricos ainda que todas as estimativas independentes dissessem que isso somaria mais de US$ 1 trilhão à dívida nacional. Além disso, também era previsível que eles voltariam com a conversa sobre o déficit assim que o ato estivesse consumado, citando a tinta vermelha que eles próprios produziram como motivo para cortar os gastos sociais.
Ainda assim, até mesmo os mais cínicos de nós ficaram espantados tanto com quão depressa a história de pescador está avançando, quanto com o desprezo que os republicanos estão mostrando pela inteligência do público.
Na verdade, a pesca começou até mesmo antes dos peixes engolirem a isca.
Durante o debate no Senado sobre a Lei de Cortes Fiscais e Empregos, o senador Orrin Hatch foi questionado sobre o apoio ao Programa de Assistência Médica Infantil, que cobre 9 milhões de crianças americanas, mas cujo financiamento expirou há dois meses, e que não foi renovado. O Sr. Hatch declarou seu apoio ao programa, mas insistiu que “o motivo pelo qual ele passa por dificuldades é porque nós não temos mais dinheiro” – logo antes de votar em um corte fiscal de um trilhão e meio cuja maior parte vai beneficiar a minoria mais rica da população.
Ele continuou, dizendo que “eu tenho dificuldade de querer gastar bilhões e bilhões e trilhões de dólares para ajudar pessoas que não se ajudam, não levantam um dedo e esperam que o governo federal faça tudo”.
Ou seja, de quem, exatamente, ele estava falando, e que programas estão consumindo esses bilhões e bilhões e trilhões?
Será que ele estava falando dos cupons de alimentos, cuja maioria dos beneficiários são crianças, idosos ou deficientes? (Além disso, muitos dos outros beneficiários estão trabalhando bastante, só não ganham o suficiente para sobreviver.)
Será que ele estava falando da dedução fiscal sobre a renda recebida, que compensa apenas aqueles que trabalham?
Será que ele estava falando sobre o Medicaid, que, de novo, beneficia principalmente crianças, idosos e deficientes, além de pessoas que trabalham muito mas cujos empregos não fornecem cobertura de saúde?
Nós podemos ir longe na lista. O fato simples é que grandes gastos com pessoas que “não vão levantar um dedo” não acontecem de verdade na América, a não ser na imaginação mal-intencionada do Sr. Hatch.
Agora, para ser justo, existem algumas pessoas na América que recebem muito dinheiro que eles não levantaram um dedo para ganhar, a saber, os herdeiros de grandes propriedades. É estranho dizer, entretanto, que a legislação republicana daria a essas pessoas muito mais – efetivamente, bilhões e bilhões de dólares – sem exigir nenhum esforço extra da parte deles.
A versão da Câmara do grande corte fiscal eliminaria o imposto sobre imóveis totalmente; a versão do Senado duplicaria o volume de renda isento do imposto, para US$ 22,4 milhões por casal. Como isso pode ser justificado se supostamente é difícil encontrar dinheiro para cuidar da saúde infantil?
Bom, o senador Chuck Grassley explicou tudo na semana passada: “Creio que não ter o imposto sobre propriedades reconhece que as pessoas estão investindo, ao contrário daqueles que estão simplesmente gastando rigorosamente cada centavo que eles têm, seja com bebida ou mulheres ou filmes.”
Hmm. De alguma forma, eu não acredito que limitar os gastos com bebida, mulheres e filmes (filmes?) seja suficiente para a família americana média, que teve uma renda de US$ 59 mil no ano passado, conseguir comprar um imóvel de US$ 22 milhões. E, se você pensar nas pessoas que realmente se beneficiarão de eliminar impostos sobre uma herança – gente como, digamos, Donald Trump Jr. -, ninguém é imediatamente iluminado pela ideia de que isso seja uma recompensa pelo estilo de vida abstêmio de seus pais.
A coisa importante para se entender, contudo, é que a hipocrisia e desprezo pelo público que nós temos visto nos últimos dias é só o começo.
Tem sido amplamente destacado que os projetos fiscais aprovados pela Câmara e pelo Senado são notadamente hostis à classe média; de fato, o projeto do Senado, uma vez implementado plenamente, efetivamente aumentaria os impostos de uma maioria das famílias de classe média. Mas essa observação captura apenas uma pequena parte do que está para acontecer com americanos comuns e que trabalham arduamente.
Pois os déficits orçamentários vão disparar graças à legislação republicana, provavelmente muito mais do que os árbitros oficiais dizem, porque a lei cria muitas brechas novas. Compensar esses déficits vai exigir que se vá atrás dos programas de valor verdadeiramente maior, a saber, o Medicare e a Previdência Social.
Ah, mas eles vão bolar eufemismos para descrever o que eles estão fazendo, falando solenemente sobre a necessidade de uma “reforma na elegibilidade” como um ato de responsabilidade fiscal – enquanto seu grande projeto arrasa-orçamento de cortes de impostos dos ricos é varrido pra baixo do tapete da memória. Mas quaisquer que sejam as palavras que eles usem para encobrir a realidade da situação, os republicanos têm dado aos doadores deles o que eles queriam – e agora eles vêm aí atrás dos seus benefícios.