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Haverá outra grande era de progresso?

(O texto abaixo é a crítica de Paul Krugman de The Rise and Fall of American Growth (A Ascensão e Queda do Crescimento Americano), de Robert J. Gordon, publicada no início deste ano no The New York Times Book Review.) Na década de 60 houve uma onda brevemente popular de “futurismo”, em que livros e […]

MORADOR DE SINGAPURA: as casas de hoje são muito parecidas com as de 70 anos atrás, o que pode ser um indício de que não avançamos tanto quanto pensamos / Edgar Su/ Reuters
DR

Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2016 às 16h46.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.

(O texto abaixo é a crítica de Paul Krugman de The Rise and Fall of American Growth (A Ascensão e Queda do Crescimento Americano), de Robert J. Gordon, publicada no início deste ano no The New York Times Book Review. )

Na década de 60 houve uma onda brevemente popular de “futurismo”, em que livros e artigos tentavam prever as mudanças à frente. Um dos mais conhecidos, e certamente o mais detalhado, destes trabalhos foi “The Year 2000” (1967), de Herman Kahn e Anthony J. Wieners, que oferecia, entre outras coisas, uma lista sistemática de inovações tecnológicas que os Srs. Kahn e Wiener consideravam “altamente possíveis no último terço do século 20.”

Infelizmente, os dois autores estavam errados em sua maioria. Eles não perderam muito ao prever avanços reconhecíveis que correspondem a todos os elementos principais da revolução da tecnologia da informação, o que inclui os smartphones e a internet. Mas a maior parte das inovações previstas por eles (“plataformas individuais voadoras”) não tinha surgido em 2000 – e ainda não apareceu, uma década e meia depois.

A verdade é que, se você excluir as matérias sobre o mais novo gadget, se torna óbvio que nós fizemos muito menos progressos desde 1970 – e experimentamos muito menos mudanças nos fundamentos da vida – do que quase todo mundo imaginava. Por quê?

Robert J. Gordon, renomado macroeconomista e historiador econômico na universidade de Northwestern, tem se posicionado por muito tempo contra o tecno-otimismo que satura a nossa cultura, com sua constante afirmação de que nós estamos no meio de uma mudança revolucionária. Tendo como ponto de partida o ápice do frenesi das pontocom, ele repetidamente tem cobrado perspectiva: Os avanços na tecnologia da informação e comunicação, insiste ele, simplesmente não estão à altura dos últimos avanços. Especificamente, ele tem dito que a revolução da TI é menos importante que qualquer uma das Cinco Grandes Invenções que alimentaram o crescimento econômico de 1870 até 1970: eletricidade, saneamento urbano, produtos químicos e farmacêuticos, o sistema de combustão interna e a comunicação moderna.

Em A Ascensão e Queda do Crescimento Americano, o Sr. Gordon dobra a aposta neste tema, declarando que o tipo de crescimento econômico rápido que nós ainda achamos merecido, e esperamos que continue para sempre, foi na realidade um evento singular. Primeiro aconteceram as Grandes Invenções, quase todas datadas do fim do século 19. Depois vieram o refinamento e a exploração destas invenções – um processo que levou tempo, e atingiu seu ponto máximo no crescimento econômico entre 1920 e 1970. Tudo que surgiu depois foi no máximo um eco distante daquela grande onda, e o Sr. Gordon não acha que nós iremos em algum momento presenciar qualquer coisa parecida.

Será que ele está certo? Minha resposta é um definitivo talvez. Porém, mesmo que você concorde ou não com a teoria do Sr. Gordon, este é um livro que vale muito ler – uma combinação magistral de história tecnológica aprofundada, retratos vívidos da vida cotidiana ao longo das últimas seis gerações e análise econômica cuidadosa. Leitores que não sejam economistas podem considerar alguns dos gráficos e tabelas um tanto exigentes, mas o Sr. Gordon nunca perde de vista as pessoas reais e vidas reais por trás destes quadros. Este livro vai desafiar suas opiniões sobre o futuro; definitivamente ele transformará o modo como você vê o passado.

De fato, quase metade do livro é dedicada às mudanças que aconteceram antes da Segunda Guerra Mundial. Outros percorreram este mesmo caminho – mais notavelmente Daniel Boorstin em The Americans: The Democratic Experience (Os Americanos: A Experiência Democrática). Mesmo conhecendo esta literatura, contudo, eu fiquei fascinado pela descrição do Sr. Gordon das mudanças operadas por suas Grandes Invenções. Como diz ele, “A não ser pelo Sul rural, a vida cotidiana de cada americano mudou de forma irreconhecível entre 1870 e 1940.” Luzes elétricas substituíram velas e óleo de baleia, privadas substituíram latrinas, carros e trens elétricos substituíram cavalos. (Na década de 1880, partes do distrito financeiro de Nova York estavam afundadas a sete metros de profundidade em estrume.)

Enquanto isso, a labuta exaustiva tanto no local de trabalho e em casa foi em sua maioria substituída por empregos bem menos onerosos. Este é um ponto quase sempre negligenciado por economistas, que tendem a pensar somente em quanto poder de compra as pessoas têm, e não no que elas têm de fazer para alcançá-lo, e o Sr. Gordon realiza um trabalho importante de nos lembrar que as condições em que homens e mulheres trabalham são tão importantes quanto o quanto eles ganham.

Além de ser uma história interessante, contudo, por que é importante estudar esta transformação? Principalmente, sugere o Sr. Gordon – embora essas sejam minhas palavras, não as dele -, para se ter um parâmetro de avaliação. O que aconteceu entre 1870 e 1940, diz ele, e eu tendo a concordar, é algo com que a verdadeira transformação se parece. Qualquer declaração sobre o progresso contemporâneo precisa ser comparada com esta base para ver até que ponto ela chega.

E é difícil não concordar com ele quando diz que nada do que aconteceu desde então é remotamente comparável. A vida urbana na América às vésperas da Segunda Guerra Mundial já era reconhecidamente moderna: você ou eu podíamos entrar em um apartamento da década de 1940, com sua água encanada, fogão a gás, luz elétrica, geladeira e telefone, e nós o consideraríamos basicamente funcional. Nós ficaríamos incomodados com a ausência de televisão ou internet – mas não horrorizados ou enojados.

Em contraste, os americanos urbanos de 1940 que entrassem nas casas da moda de 1870 – o que eles ainda poderiam fazer no Sul rural – ficariam efetivamente horrorizados e enojados. A vida melhorou fundamentalmente entre 1870 e 1940 de um modo que não se viu desde então.

Claro, em 1940 muitos americanos já estavam vivendo no que era notavelmente o mundo moderno, mas muitos outros não. O que aconteceu nos 30 anos seguintes foi que o amadurecimento posterior das Grandes Invenções levou a salários que cresceram rapidamente e a uma propagação do estilo de vida moderno da nação como um todo. Mas aí tudo se desacelerou. E o Sr Gordon argumenta que é muito provável que a retração seja permanente: A grande era do progresso ficou para trás de nós. Mas será que o Sr. Gordon é simplesmente da geração errada, incapaz de apreciar completamente as maravilhas das últimas tecnologias? Eu suspeito que coisas como as mídias sociais tenham um impacto muito mais positivo na vida das pessoas do que ele admite. Mas ele apresenta dois pontos muito bons que jogam um bocado de água fria nas afirmações dos tecno-otimistas.

Primeiramente, ele destaca que inovações realmente grandes normalmente trazem consigo mudanças significativas nas práticas de negócios, na maneira como os locais de trabalho se configuram e na forma como funcionam. E houve algumas mudanças desta natureza entre meados das décadas de 90 e 2000 – mas não muitas desde então, o que é uma evidência da declaração do Sr. Gordon de que o maior impacto da revolução na tecnologia da informação já aconteceu.

Em segundo, um dos principais argumentos dos tecno-otimistas é que as medições oficiais do crescimento econômico subestimam a verdadeira extensão do progresso, já que elas não consideram plenamente os benefícios dos bens genuinamente novos. O Sr. Gordon concorda com este ponto, mas destaca que sempre foi assim – e que a subestimação do progresso provavelmente foi maior durante a grande transformação do período pré-guerra do que é hoje.

Então, o que isso diz sobre o futuro? O Sr. Gordon sugere que o futuro muito provavelmente será marcado por padrões de vida estagnados para a maioria dos americanos, porque os efeitos do progresso tecnológico desacelerado serão reforçados por um conjunto de “ventos contrários”: desigualdade crescente, uma estabilização nos níveis educacionais, uma população envelhecida e mais.

É uma previsão chocante para uma sociedade cuja autoimagem, e discutivelmente sua própria identidade, está ligada à expectativa de progresso constante. E você tem de se perguntar sobre as consequências sociais e políticas de mais uma geração com estagnação ou declínio na renda da classe trabalhadora.

Claro, o Sr. Gordon pode estar errado: Talvez nós estejamos prestes a viver uma mudança transformadora de verdade, digamos na inteligência artificial ou em função de um avanço radical na biologia (o que traria seus

próprios riscos). Mas ele tem um ponto valioso.

Talvez o futuro não seja mais o que costumava ser.

ficha_krugmann

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(O texto abaixo é a crítica de Paul Krugman de The Rise and Fall of American Growth (A Ascensão e Queda do Crescimento Americano), de Robert J. Gordon, publicada no início deste ano no The New York Times Book Review. )

Na década de 60 houve uma onda brevemente popular de “futurismo”, em que livros e artigos tentavam prever as mudanças à frente. Um dos mais conhecidos, e certamente o mais detalhado, destes trabalhos foi “The Year 2000” (1967), de Herman Kahn e Anthony J. Wieners, que oferecia, entre outras coisas, uma lista sistemática de inovações tecnológicas que os Srs. Kahn e Wiener consideravam “altamente possíveis no último terço do século 20.”

Infelizmente, os dois autores estavam errados em sua maioria. Eles não perderam muito ao prever avanços reconhecíveis que correspondem a todos os elementos principais da revolução da tecnologia da informação, o que inclui os smartphones e a internet. Mas a maior parte das inovações previstas por eles (“plataformas individuais voadoras”) não tinha surgido em 2000 – e ainda não apareceu, uma década e meia depois.

A verdade é que, se você excluir as matérias sobre o mais novo gadget, se torna óbvio que nós fizemos muito menos progressos desde 1970 – e experimentamos muito menos mudanças nos fundamentos da vida – do que quase todo mundo imaginava. Por quê?

Robert J. Gordon, renomado macroeconomista e historiador econômico na universidade de Northwestern, tem se posicionado por muito tempo contra o tecno-otimismo que satura a nossa cultura, com sua constante afirmação de que nós estamos no meio de uma mudança revolucionária. Tendo como ponto de partida o ápice do frenesi das pontocom, ele repetidamente tem cobrado perspectiva: Os avanços na tecnologia da informação e comunicação, insiste ele, simplesmente não estão à altura dos últimos avanços. Especificamente, ele tem dito que a revolução da TI é menos importante que qualquer uma das Cinco Grandes Invenções que alimentaram o crescimento econômico de 1870 até 1970: eletricidade, saneamento urbano, produtos químicos e farmacêuticos, o sistema de combustão interna e a comunicação moderna.

Em A Ascensão e Queda do Crescimento Americano, o Sr. Gordon dobra a aposta neste tema, declarando que o tipo de crescimento econômico rápido que nós ainda achamos merecido, e esperamos que continue para sempre, foi na realidade um evento singular. Primeiro aconteceram as Grandes Invenções, quase todas datadas do fim do século 19. Depois vieram o refinamento e a exploração destas invenções – um processo que levou tempo, e atingiu seu ponto máximo no crescimento econômico entre 1920 e 1970. Tudo que surgiu depois foi no máximo um eco distante daquela grande onda, e o Sr. Gordon não acha que nós iremos em algum momento presenciar qualquer coisa parecida.

Será que ele está certo? Minha resposta é um definitivo talvez. Porém, mesmo que você concorde ou não com a teoria do Sr. Gordon, este é um livro que vale muito ler – uma combinação magistral de história tecnológica aprofundada, retratos vívidos da vida cotidiana ao longo das últimas seis gerações e análise econômica cuidadosa. Leitores que não sejam economistas podem considerar alguns dos gráficos e tabelas um tanto exigentes, mas o Sr. Gordon nunca perde de vista as pessoas reais e vidas reais por trás destes quadros. Este livro vai desafiar suas opiniões sobre o futuro; definitivamente ele transformará o modo como você vê o passado.

De fato, quase metade do livro é dedicada às mudanças que aconteceram antes da Segunda Guerra Mundial. Outros percorreram este mesmo caminho – mais notavelmente Daniel Boorstin em The Americans: The Democratic Experience (Os Americanos: A Experiência Democrática). Mesmo conhecendo esta literatura, contudo, eu fiquei fascinado pela descrição do Sr. Gordon das mudanças operadas por suas Grandes Invenções. Como diz ele, “A não ser pelo Sul rural, a vida cotidiana de cada americano mudou de forma irreconhecível entre 1870 e 1940.” Luzes elétricas substituíram velas e óleo de baleia, privadas substituíram latrinas, carros e trens elétricos substituíram cavalos. (Na década de 1880, partes do distrito financeiro de Nova York estavam afundadas a sete metros de profundidade em estrume.)

Enquanto isso, a labuta exaustiva tanto no local de trabalho e em casa foi em sua maioria substituída por empregos bem menos onerosos. Este é um ponto quase sempre negligenciado por economistas, que tendem a pensar somente em quanto poder de compra as pessoas têm, e não no que elas têm de fazer para alcançá-lo, e o Sr. Gordon realiza um trabalho importante de nos lembrar que as condições em que homens e mulheres trabalham são tão importantes quanto o quanto eles ganham.

Além de ser uma história interessante, contudo, por que é importante estudar esta transformação? Principalmente, sugere o Sr. Gordon – embora essas sejam minhas palavras, não as dele -, para se ter um parâmetro de avaliação. O que aconteceu entre 1870 e 1940, diz ele, e eu tendo a concordar, é algo com que a verdadeira transformação se parece. Qualquer declaração sobre o progresso contemporâneo precisa ser comparada com esta base para ver até que ponto ela chega.

E é difícil não concordar com ele quando diz que nada do que aconteceu desde então é remotamente comparável. A vida urbana na América às vésperas da Segunda Guerra Mundial já era reconhecidamente moderna: você ou eu podíamos entrar em um apartamento da década de 1940, com sua água encanada, fogão a gás, luz elétrica, geladeira e telefone, e nós o consideraríamos basicamente funcional. Nós ficaríamos incomodados com a ausência de televisão ou internet – mas não horrorizados ou enojados.

Em contraste, os americanos urbanos de 1940 que entrassem nas casas da moda de 1870 – o que eles ainda poderiam fazer no Sul rural – ficariam efetivamente horrorizados e enojados. A vida melhorou fundamentalmente entre 1870 e 1940 de um modo que não se viu desde então.

Claro, em 1940 muitos americanos já estavam vivendo no que era notavelmente o mundo moderno, mas muitos outros não. O que aconteceu nos 30 anos seguintes foi que o amadurecimento posterior das Grandes Invenções levou a salários que cresceram rapidamente e a uma propagação do estilo de vida moderno da nação como um todo. Mas aí tudo se desacelerou. E o Sr Gordon argumenta que é muito provável que a retração seja permanente: A grande era do progresso ficou para trás de nós. Mas será que o Sr. Gordon é simplesmente da geração errada, incapaz de apreciar completamente as maravilhas das últimas tecnologias? Eu suspeito que coisas como as mídias sociais tenham um impacto muito mais positivo na vida das pessoas do que ele admite. Mas ele apresenta dois pontos muito bons que jogam um bocado de água fria nas afirmações dos tecno-otimistas.

Primeiramente, ele destaca que inovações realmente grandes normalmente trazem consigo mudanças significativas nas práticas de negócios, na maneira como os locais de trabalho se configuram e na forma como funcionam. E houve algumas mudanças desta natureza entre meados das décadas de 90 e 2000 – mas não muitas desde então, o que é uma evidência da declaração do Sr. Gordon de que o maior impacto da revolução na tecnologia da informação já aconteceu.

Em segundo, um dos principais argumentos dos tecno-otimistas é que as medições oficiais do crescimento econômico subestimam a verdadeira extensão do progresso, já que elas não consideram plenamente os benefícios dos bens genuinamente novos. O Sr. Gordon concorda com este ponto, mas destaca que sempre foi assim – e que a subestimação do progresso provavelmente foi maior durante a grande transformação do período pré-guerra do que é hoje.

Então, o que isso diz sobre o futuro? O Sr. Gordon sugere que o futuro muito provavelmente será marcado por padrões de vida estagnados para a maioria dos americanos, porque os efeitos do progresso tecnológico desacelerado serão reforçados por um conjunto de “ventos contrários”: desigualdade crescente, uma estabilização nos níveis educacionais, uma população envelhecida e mais.

É uma previsão chocante para uma sociedade cuja autoimagem, e discutivelmente sua própria identidade, está ligada à expectativa de progresso constante. E você tem de se perguntar sobre as consequências sociais e políticas de mais uma geração com estagnação ou declínio na renda da classe trabalhadora.

Claro, o Sr. Gordon pode estar errado: Talvez nós estejamos prestes a viver uma mudança transformadora de verdade, digamos na inteligência artificial ou em função de um avanço radical na biologia (o que traria seus

próprios riscos). Mas ele tem um ponto valioso.

Talvez o futuro não seja mais o que costumava ser.

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