Fãs de ouro com Trump
Os passos do presidente sempre foram políticos; ele queria que o Fed prejudicasse o presidente Obama e agora quer que o banco aumente suas chances de reeleição
Publicado em 23 de julho de 2019 às, 14h43.
Antes de chegar à Casa Branca, Donald Trump cobrava do Fed que aumentasse as taxas de juros apesar do desemprego alto e da inflação baixa. Agora ele está cobrando cortes de juros, mesmo que o índice de desemprego esteja muito mais baixo e a inflação no mínimo um pouco maior. Para ser justo, existe um argumento econômico real a favor do corte de juros, como medida preventiva contra uma possível desaceleração. Mas está claro que os motivos de Trump são e sempre foram puramente políticos: Ele queria que o Fed prejudicasse o presidente Obama, e agora quer que o Fed aumente as chances de reeleição dele, Trump.
Por isso, não é surpresa que Trump também esteja tentando encher a diretoria do Federal Reserve de aliados políticos. O que pode ser surpresa é que muitos de seus possíveis indicados, como Stephen Moore e agora Judy Shelton, tenham longos históricos de defender o padrão-ouro [sistema monetário quer perdurou até o início do século passado e que estabelecia que a impressão de dinheiro deveria ser restrita às reservas de ouro de cada país] ou coisa parecida. Só isso já deveria colocá-los em choque com os esforços de Trump de politizar o Fed, que regula o sistema monetário e bancário dos Estados Unidos. Afinal, uma das supostas razões para ter um padrão-ouro é remover qualquer traço de política da política monetária. Além disso, com os preços do ouro em alta ultimamente, os defensores do padrão-ouro deviam estar cobrando do Fed uma alta nas taxas de juros, e não uma diminuição.
Porém, está claro que tanto Moore quanto Shelton têm defendido a cobrança de Trump por cortes na taxa de juros. Isso cria um quebra-cabeça de mão dupla: Por que Trump quer essa gente, e por que eles estão tão dispostos a atender os desejos dele?
Bem, acho que há uma resposta simples para o enigma, que envolve o motivo de alguns comentaristas econômicos (não tenho certeza se merecem ser chamados de “economistas”) se tornarem fãs de ouro antes de qualquer coisa. O que eu sugeriria é que em geral é algo que tem menos a ver com convicção e mais com carreirismo cínico. E isso, por sua vez, significa que os fãs de ouro são, em geral, o tipo de pessoa com quem se pode contar para cumprir o pedido de Trump, não importa o que eles tenham possivelmente dito no passado.
Permitam-me começar com o que parece uma pergunta banal, mas que eu acredito ser crucial: O que é preciso para construir uma carreira de economista de sucesso?
A verdade é que não é nada fácil. A simples repetição de visões ortodoxas definitivamente não vai ajudar nisso; você tem de ser tecnicamente capacitado, e para ter uma carreira boa de verdade você precisa ser visto como alguém que fez contribuições novas importantes – jeitos inovadores de pensar problemas econômicos e/ou jeitos inovadores de usar dados para lidar com esses temas. E a verdade é que não são muitas as pessoas que conseguem fazer isso: É algo que exige uma combinação de conhecimento profundo sobre estudos anteriores e a capacidade de pensar de um modo diferente. Você precisa entender a caixa e também ser capaz de pensar fora dela.
Não quero romancear a profissão de economista de sucesso, que é culpada de vários pecados. Economistas homens como eu estamos só começando a entender a extensão do machismo da profissão. Há uma predominância excessiva de uma rede de economistas parceiros com doutorados de meia dúzia de instituições de elite. (E sim, eu me beneficiei desses pecados.) Muitas boas ideias foram de fato bloqueadas por questão de ideologia – hoje mesmo, por exemplo, é difícil publicar qualquer coisa com um tom keynesiano nas principais publicações econômicas. Fora que ainda há uma supervalorização da firula matemática em comparação a abordagens verdadeiras.
Mesmo assim, até para quem consegue marcar todas as caixinhas de identidade certas, chegar ao topo da escada da fama na economia popular é difícil. E aí é que está: Para quem não consegue ou não vai fazer essa escalada, existem outras escadas. A heterodoxia pode por si só ser um movimento carreirista, desde que seja uma heterodoxia aceita e do tipo ortodoxo.
Todo mundo adora imaginar um pensador livre e independente, cujas ideias brilhantes são rejeitadas por um status quo rígido, e que no fim das contas se vê vingado. E pessoas assim existem na economia, do mesmo modo que em outros campos. É gente como Hyman P. Minsky, cuja teoria da instabilidade financeira foi, de fato, ignorada por quase todo mundo conhecido, até a crise financeira de 2008 fazer todo mundo ir correndo ler o trabalho dele.
Mas a triste verdade é que a grande maioria das pessoas que rejeitam a economia estabelecida só o fazem porque não a entendem; e um grande número dessas pessoas não a entende porque o salário deles depende deles não a entenderem.
O que me traz ao padrão-ouro.
Há um esmagador consenso entre os economistas profissionais de que uma volta ao padrão-ouro seria uma má ideia. Isso não é uma suposição: A Escola de Negócios Booth, da universidade de Chicago, que realiza pesquisas sobre vários temas com um amplo grupo bipartidário de economistas, identificou literalmente zero apoio ao padrão-ouro.
Os eventos da última dúzia de anos só serviram para reforçar esse consenso. Afinal, o preço do ouro disparou entre 2007 e 2011; se a ideologia do padrão-ouro tem algo de verdade, isso teria sido um presságio de inflação descontrolada, e o Fed deveria ter aumentado as taxas de juros para manter o valor do ouro constante. Na verdade, a inflação nunca se concretizou, e uma alta da taxa de juros diante do desemprego crescente teria sido um desastre.
Então, por que é que o ouro disparou? A principal resposta parece ser os retornos em queda de outros ativos, especialmente títulos, que eram o produto de uma economia mundial deprimida. O que isso significa é que, na prática, atrelar o dólar ao ouro significaria aumentar de modo sistemático as taxas de juros quando a economia entrasse em recessão. Não é exatamente uma receita de estabilidade.
Por que, então, o culto ao ouro persiste? Bom, alguns bilionários – como por exemplo Robert Mercer, que vem a ser um grande apoiador de Trump – têm uma coisa com ouro. Não tenho bem certeza do porquê, embora eu suspeite que seja uma versão plutocrática da Síndrome de Fox News, em que o velho branco irritado reclama de figurões do governo inflando sua fortuna conquistada a duras penas para doá-la para Aquela Gente. E esses bilionários doam um grande volume de dinheiro para think tanks de viés libertário que defendem o absurdo do padrão-ouro.
Agora se imagine no lugar de um conservador que escreve sobre economia, mas que não possui o domínio técnico e a originalidade necessários para conseguir um bom emprego em uma universidade, em uma instituição de políticas econômicas como o Fed ou em um think tank sério. Pois bem, se tornar um fervoroso defensor do padrão-ouro abre um tipo novo e bastante diferentes de portas. Você terá uma carreira muito mais luxuosa e lucrativa, além de ser convidado para muito mais coisas do que se tivesse apenas seguido o consenso profissional.
O que eu estou sugerindo, em outras palavras, é que a defesa do padrão-ouro é muito parecida com a negação das mudanças climáticas: Há grandes recompensas pessoais e financeiras para um “especialista” disposto a dizer o que alguns poucos bilionários querem ouvir, justamente porque nenhum grupo de especialistas sérios entra em acordo. Na arena do clima, nós sabemos que basicamente todos os revisionistas do aquecimento global estão no bolso da indústria dos combustíveis fósseis. Pode haver alguns poucos economistas que de fato acreditem na magia monetária do ouro, mas é difícil dizer; o que nós sabemos é que fãs de ouro célebres se saem muito bem quando se compara em que ponto as carreiras deles estariam caso não se declarassem assim.
E isso, por sua vez, nos traz de volta a Trump.
Por que Trump esperaria que fãs de ouro abandonassem os princípios deles para disparar as impressoras? Por que ele está, ao que parece, de fato encontrando fãs de ouro dispostos a virar as costas para tudo em que eles diziam acreditar?
A resposta, eu diria, é que desde o início nunca foi uma questão de princípios. Muitos, talvez a maioria, dos defensores conhecidos do ouro defendem um padrão-ouro não por convicção, mas por ambição; eles venderam seus princípios há muito tempo. Ou seja, vender esses princípios de novo para conseguir um emprego patrocinado por Trump não é um grande dilema.
Tudo não passa de cinismo e carreirismo.