Economia quebrando, ações subindo: O que está acontecendo?
Os preços na bolsa de valores de Nova York, que caíram nas primeiras semanas da crise da covid-19, estão se recuperando
Publicado em 11 de maio de 2020 às, 13h53.
O noticiário econômico tem sido terrível. E isso descontando-se o relatório sobre o produto interno bruto do primeiro trimestre. Uma economia americana em contração a uma taxa anual de quase 5% teria sido considerada como algo muito ruim em épocas normais, mas este relatório registrou apenas as primeiras gotas de um dilúvio torrencial. Dados mais adequados mostram uma economia despencando de um precipício. O Departamento Orçamentário do Congresso americano está projetando um índice de desemprego de 16% no fim deste ano, e é bem provável que este seja um percentual subestimado.
Mesmo assim, os preços na bolsa de valores de Nova York, que caíram nas primeiras semanas da crise da covid-19, têm se recuperado de grande parte destas perdas. Eles estão mais ou menos de volta a onde estavam na última primavera, quando a discussão toda era sobre como a economia ia bem. O que está acontecendo?
Bem, sempre que alguém quiser avaliar as consequências econômicas do preço das ações, faria bem de ter em mente três regras. A primeira: o mercado de ações não é a economia. Segundo, o mercado de ações não é a economia. Terceira, o mercado de ações não é a economia.
Ou seja, a relação entre o desempenho das ações – em grande medida conduzida pela oscilação entre ganância e medo – e o crescimento econômico real sempre esteve em algum ponto entre o frouxo e o inexistente. Na década de 60, o grande economista Paul Samuelson fez a célebre piada de que o mercado tinha previsto nove das últimas cinco recessões.
Contudo, eu argumentaria que há razões mais profundas para o atual descompasso entre o mercado de ações e a economia real: Os investidores estão comprando ações em parte porque não têm mais para onde ir. Na verdade, em certo sentido as ações estão fortes precisamente porque a economia americana como um todo está muito fraca.
Qual é, afinal, a principal alternativa a investir em ações? Comprar títulos. No entanto, hoje em dia os títulos oferecem retornos cada vez menores. A taxa de juros dos títulos de dez anos do governo é de apenas 0,6%, uma queda de mais de 3% na comparação com o percentual no fim de 2018. Se você quiser títulos que sejam protegidos contra a inflação futura, o lucro deles é inferior a 0,5%.
Ou seja, comprar ações de empresas que ainda são lucrativas apesar da recessão da covid-19 parece bastante atraente.
E por que as taxas de juros estão tão baixas? Porque o mercado de títulos espera que a economia esteja em depressão por muitos anos, e acredita que o Federal Reserve vá continuar a perseguir políticas econômicas de dinheiro fácil por um bom tempo. Como eu disse, em certo sentido as ações estão fortes precisamente porque a economia real está fraca.
Agora, uma pergunta que se pode fazer, já que a fraqueza econômica é no pior dos casos boa para as ações, é por que o mercado de ações teve uma ligeira queda no início deste ano. A resposta não é que durante algumas semanas de março o mundo balançou à beira de uma crise financeira como a de 2008, que levou os investidores a fugir de tudo que demonstrasse o menor sinal de risco.
Aquela crise, contudo, foi evitada graças a atitudes extremamente agressivas do Fed, que entrou em cena para comprar um volume de ativos grande e inédito.
Sem estas medidas, nós estaríamos diante de uma catástrofe econômica muito maior.
Que, por sinal, é um dos motivos pelos quais vocês deveriam se preocupar com as tentativas do presidente Trump de indicar parceiros leais e desqualificados, com um histórico de apoiar doutrinas econômicas malucas, para a diretoria do Federal Reserve. Imaginem onde estaríamos hoje se o Fed tivesse respondido a uma crise econômica no horizonte do mesmo modo que o governo Trump respondeu a uma pandemia iminente
Mas voltando ao descompasso entre as ações e a realidade econômica. O que acontece é que este é um fenômeno de longo prazo, que remete pelo menos a meados dos anos 2000.
Pensem em todas as coisas negativas que nós descobrimos sobre a economia contemporânea desde, digamos, 2007. Nós descobrimos que as economias desenvolvidas são muito menos estáveis, e muito mais sujeitas a crises periódicas, do que qualquer um de nós julgava ser possível. O crescimento da produtividade está despencando, mostrando que o crescimento movido a tecnologia da informação das décadas de 90 e início de 2000 foi um episódio isolado. O desempenho econômico geral tem sido muito pior do que a maioria dos analistas esperava por volta de 15 anos atrás.
As ações, todavia, têm se saído muito bem. Às vésperas da crise da covid-19, a relação de capitalização de mercado para o PIB – o critério favorito de Warren Buffett – estava bem abaixo do nível registrado em 2007, e um pouco acima do seu auge durante a bolha das pontocom. Por quê?
A resposta-chave, sem dúvida, é dar uma olhada na alternativa. Embora o desemprego nos EUA tenha se recuperado da Grande Depressão posteriormente, esta retomada aconteceu apenas por causa das taxas de juros historicamente baixas. A necessidade de taxas de juros baixas foi um indicativo de uma fraqueza econômica na base: As empresas pareciam relutantes em investir apesar dos lucros elevados, preferindo quase sempre recomprar suas próprias ações. Porém, os juros baixos foram bons para os preços das ações.
Eu já disse aqui que o mercado de ações não é a economia?
Não se deve entender nada disso como uma declaração de que as estimativas atuais do mercado estejam exatamente certas. Meu instinto é que os investidores estão muito ansiosos para se agarrar a boas notícias; mas a verdade é que eu não faço ideia de para onde vai o mercado.
O ponto, em vez disso, é que a resiliência do mercado de fato faz sentido apesar do noticiário econômico terrível – e pelo mesmo motivo essa resiliência não faz nada para tornar essa notícia menos terrível. Não prestem atenção no Dow; continuem de olho nos empregos que vêm desaparecendo.