Cuidado com a bolha do bitcoin
A volatilidade e seu culto fazem da criptomoeda uma bolha perigosa
Publicado em 6 de fevereiro de 2018 às, 08h48.
Outro dia meu barbeiro me perguntou se ele deveria gastar todo o dinheiro dele em bitcoins. E a verdade é que, se ele tivesse comprado bitcoins, digamos, há um ano, ele estaria se sentindo muito bem hoje em dia. Por outro lado, os especuladores holandeses que compraram bulbos de tulipas em 1635 também se sentiram muito bem durante um tempo, até que os preços das tulipas despencaram no começo de 1637.
Ou seja, o bitcoin é uma bolha gigante que vai acabar em lágrimas? Sim. Mas ele é uma bolha envelopada em tecnomisticismo, dentro de um casulo de ideologia libertária. Fora isso, há uma lição para se tirar dos tempos em que vivemos descascando este embrulho.
Se você esteve vivendo em uma caverna e não ouviu falar em bitcoin, ele é o maior e mais conhecido exemplo de uma criptomoeda, um ativo sem existência física, que consiste apenas de um registro digital armazenado em computadores. O que torna as criptomoedas diferentes das contas bancárias normais, que também não são nada além de registros digitais, é que elas não residem nos servidores de uma instituição financeira particular. Em vez disso, a existência de um bitcoin é documentada por registros distribuídos em vários locais.
Além disso, sua posse não é verificada provando (e, com isso, revelando) a sua identidade. Em vez disso, a propriedade de um bitcoin é verificada pela posse de uma senha secreta, a qual, usando técnicas que derivam da criptografia (a arte de escrever ou decifrar códigos), permite que você acesse aquela moeda virtual sem revelar qualquer informação que você não queira.
É um truque sofisticado. Mas para que isso serve?
Em princípio, você pode utilizar o bitcoin para pagar coisas eletronicamente. Mas você também pode usar cartões de débito, PayPal, Venmo etc para fazer isso, e o bitcoin se mostra uma forma de pagar desajeitada, lenta e cara. Na verdade, até mesmo as conferências de bitcoin às vezes se recusam a aceitar bitcoins dos participantes. Não existe realmente uma razão para usar bitcoin em transações, a menos que você não queira que nenhuma pessoa veja o que você está comprando ou vendendo, que é o motivo pelo qual muito do uso atual do bitcoin aparentemente envolve drogas, sexo e outros bens do mercado paralelo.
Ou seja: Bitcoins não são dinheiro digital de verdade. O que eles são, de certo modo, é o equivalente digital das notas de US$ 100.
Assim como os bitcoins, as notas de US$ 100 não servem muito para as transações ordinárias: A maioria dos estabelecimentos não as aceitam. Porém, essas notas são populares com ladrões, traficantes e sonegadores de impostos. E ainda que a maioria de nós consiga passar anos sem ver uma nota de US$ 100, há muitas por aí – no valor de mais de um trilhão de dólares, que representam 78% do valor do câmbio dos Estados Unidos em circulação.
Mas e aí, os bitcoins são uma alternativa superior às notas de US$ 100, já que te permitem fazer transações secretas sem arrastar malas cheias de dinheiro por aí? Na verdade não, porque eles não têm uma característica crucial: um lastro na realidade.
Embora o dólar contemporâneo seja uma moeda “por decreto” – não avalizada por outros bens, como ouro -, seu valor é no fim das contas respaldado pelo fato de que o governo vai aceitá-lo, e na verdade o exige, como pagamento por impostos. Seu poder de compra também é estabilizado pelo Federal Reserve, que diminuirá a oferta excedente de dólares se a inflação subir demais, ou aumentará esta oferta para prevenir a deflação. Além disso, uma nota de US$ 100 vale, sem dúvida, uma centena destes dólares amplamente estáveis.
O bitcoin, em comparação, não tem valor intrínseco algum. Combine esta ausência de lastro com o grau bastante limitado em que o bitcoin é usado para qualquer coisa, e você tem um ativo cujo preço é quase puramente especulativo, e portanto incrivelmente volátil. Os bitcoins perderam cerca de 40% de seu valor ao longo das últimas seis semanas; se o bitcoin fosse uma moeda de verdade, isso seria o equivalente a aproximadamente 8.000% de taxa de inflação anual.
Ah sim, além disso a natureza deslastreada do bitcoin também o torna altamente suscetível a manipulações de mercado. Em 2013, atividades fraudulentas cometidas por um único trader parecem ter causado uma alta de sete vezes no preço do bitcoin. Quem está determinando os preços agora? Ninguém sabe. Alguns observadores pensam que a Coreia do Norte pode estar envolvida. Mas e quanto ao fato de que aqueles que compraram bitcoins no início conseguiram obter grandes quantidades de dinheiro? Bem, as pessoas que fizeram investimentos com Bernie Madoff também fizeram bastante dinheiro, ou no mínimo assim parecia, durante um bom tempo.
Como destaca Robert Shiller, maior especialista do mundo em bolhas, as bolhas de ativos são como “esquemas de pirâmide que ocorrem naturalmente”. Os investidores iniciais em uma bolha fazem um bocado de dinheiro à medida em que novos investidores são atraídos, e estes ganhos puxam ainda mais pessoas. O processo pode se estender por anos antes que alguma coisa – um choque de realidade, ou simplesmente a exaustão da piscina de marcos potenciais – ponha um fim súbito e doloroso à festa.
Quando se trata de criptomoedas há um fator adicional: É uma bolha, mas também é algo na linha de um culto, em que os iniciados são suscetíveis a fantasias paranoicas sobre governos maldosos roubando todo o dinheiro deles (ao contrário de hackers privados, que tem roubado uma proporção extraordinariamente grande de tokens existentes de criptomoedas). Jornalistas que escrevem ceticamente sobre bitcoin me dizem que nenhum outro assunto gera mais e-mails de ódio.
Sendo assim, não, meu barbeiro não deveria comprar bitcoins. Isso vai acabar mal, e quanto antes isso acontecer, melhor.