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Conseguirão o Fed e seus amigos salvar a economia?

Antes do corte recente, o Federal Reserve tinha uma taxa de aproximadamente apenas 1,5%, deixando muito pouca margem de manobra.

FEDERAL RESERVE: o presidente do banco, Jerome Powell, anunciou o corte de 0,5% como meio de amortizar os impactos econômicos do coronavírus. / REUTERS/Kevin Lamarque
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Da Redação

Publicado em 10 de março de 2020 às 13h02.

Os mercados estavam em um estado de quase pânico, profundamente preocupados com as perspectivas econômicas. Aí chegou o Federal Reserve: o presidente divulgou um comunicado dando fortes indicativos de que iria cortar as taxas de juros. E o mercado experimentou uma grande onda de alívio.

Não, eu não estou falando do grande choque do mercado de 2 de março. Me refiro a 5 de dezembro de 2000, em meio ao que nós hoje lembramos como o momento em que a bolha das pontocom estourou. (Na verdade, me pergunto se alguns dos meus leitores são velhos o bastante até mesmo para se lembrar disso?) O presidente do Fed em questão era Alan Greenspan; as declarações dele fizeram o Nasdaq, altamente focado em tecnologia, disparar 10,5% em um único dia, enquanto os índices de ações mais amplas também subiram vários pontos.

O alívio, contudo, teve vida curta. As ações logo voltaram a cair; o Nasdaq não recuperaria o nível que atingiu no Dia G (de Greenspan) até… pausa dramática… 2012.

Não que eu esteja fazendo aqui uma previsão sobre o mercado de ações; isso é muito aquele golpe da bolinha debaixo da tampa (e em algumas ocasiões eu já apliquei esse golpe). Só estou tentando colocar a gritaria de 2 de março em perspectiva.

A questão é que, na prática, os mercados tinham mais motivos para botar fé em Alan Greenspan em 2000 do que têm para botar fé em Jerome Powell em 2020, porque Greenspan tinha muito mais munição. As taxas de juros de curto prazo que o Fed de fato controla estavam abaixo de 6% no fim de 2000, e o Fed acabou cortando as taxas em coisa de 5 pontos percentuais – o que, no fim das contas, ainda não foi o suficiente para prevenir uma grande queda das ações, além de uma recessão.

Antes do corte recente, o Fed tinha uma taxa de aproximadamente apenas 1,5%, deixando muito pouca margem de manobra. E os equivalentes do Fed fora dos Estados Unidos estavam em situação ainda pior: as taxas de juro de curto prazo na Europa na prática estavam negativas, de modo que o Banco Central Europeu basicamente não tem margem alguma para fazer mais cortes.

Ou seja, por que os mercados ficaram tão empolgados com a perspectiva de um incentivo dos bancos centrais? Levem em conta, além disso, que sempre foi tido como certo que o Fed cortaria taxas de juros se parecesse provável que o coronavírus fosse causar um estrago econômico sério. Ou seja, não havia nada de muito novo neste front.

O que provavelmente aconteceu, em vez disso, foi que o papo de alívio do Fed serviu como um conveniente cabide para se pendurar uma história que tinha muito a ver com comportamento de manada.

Minha visão dos mercados foi formada há muito tempo por uma análise clássica que Robert Schiller – que depois ganharia um merecido Prêmio Nobel – fez da enorme quebra da bolsa de valores em outubro de 1987, que aconteceu de um modo inesperado. Posteriormente, as pessoas tentaram sugerir várias explicações para o crash, mas Shiller conseguiu entrevistar um enorme número de operadores da bolsa em tempo real, no momento em que o colapso acontecia. Ele descobriu, basicamente, que os traders estavam vendendo porque outros traders estavam vendendo; era na essência um pânico de vendas que se autorreforçava.

O que aconteceu em 2 de março foi basicamente um pânico de compras autorreforçado.

Mas será que as enormes liquidações do fim de fevereiro foram igualmente irracionais? É provável. Houve algumas notícias reais sobre o coronavírus, mas provavelmente não o bastante para justificar a enorme escala da queda.

Ou seja, o que vem por aí? Em termos de mercados, não faço ideia. Mas quando se trata da estrutura econômica, nós sabemos duas coisas. A primeira, que o coronavírus está parecendo cada vez mais um duro golpe na economia. A segunda, como eu já destaquei, é que o Fed e seus equivalentes não têm muita margem para responder.

Já há algum tempo eu venho dizendo que não sei quando a economia toparia com algum obstáculo sério pelo caminho, mas sabia que nossos parachoques estavam um tanto arrebentados. Bom, aí vem esse obstáculo. Apertem os cintos.

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Os mercados estavam em um estado de quase pânico, profundamente preocupados com as perspectivas econômicas. Aí chegou o Federal Reserve: o presidente divulgou um comunicado dando fortes indicativos de que iria cortar as taxas de juros. E o mercado experimentou uma grande onda de alívio.

Não, eu não estou falando do grande choque do mercado de 2 de março. Me refiro a 5 de dezembro de 2000, em meio ao que nós hoje lembramos como o momento em que a bolha das pontocom estourou. (Na verdade, me pergunto se alguns dos meus leitores são velhos o bastante até mesmo para se lembrar disso?) O presidente do Fed em questão era Alan Greenspan; as declarações dele fizeram o Nasdaq, altamente focado em tecnologia, disparar 10,5% em um único dia, enquanto os índices de ações mais amplas também subiram vários pontos.

O alívio, contudo, teve vida curta. As ações logo voltaram a cair; o Nasdaq não recuperaria o nível que atingiu no Dia G (de Greenspan) até… pausa dramática… 2012.

Não que eu esteja fazendo aqui uma previsão sobre o mercado de ações; isso é muito aquele golpe da bolinha debaixo da tampa (e em algumas ocasiões eu já apliquei esse golpe). Só estou tentando colocar a gritaria de 2 de março em perspectiva.

A questão é que, na prática, os mercados tinham mais motivos para botar fé em Alan Greenspan em 2000 do que têm para botar fé em Jerome Powell em 2020, porque Greenspan tinha muito mais munição. As taxas de juros de curto prazo que o Fed de fato controla estavam abaixo de 6% no fim de 2000, e o Fed acabou cortando as taxas em coisa de 5 pontos percentuais – o que, no fim das contas, ainda não foi o suficiente para prevenir uma grande queda das ações, além de uma recessão.

Antes do corte recente, o Fed tinha uma taxa de aproximadamente apenas 1,5%, deixando muito pouca margem de manobra. E os equivalentes do Fed fora dos Estados Unidos estavam em situação ainda pior: as taxas de juro de curto prazo na Europa na prática estavam negativas, de modo que o Banco Central Europeu basicamente não tem margem alguma para fazer mais cortes.

Ou seja, por que os mercados ficaram tão empolgados com a perspectiva de um incentivo dos bancos centrais? Levem em conta, além disso, que sempre foi tido como certo que o Fed cortaria taxas de juros se parecesse provável que o coronavírus fosse causar um estrago econômico sério. Ou seja, não havia nada de muito novo neste front.

O que provavelmente aconteceu, em vez disso, foi que o papo de alívio do Fed serviu como um conveniente cabide para se pendurar uma história que tinha muito a ver com comportamento de manada.

Minha visão dos mercados foi formada há muito tempo por uma análise clássica que Robert Schiller – que depois ganharia um merecido Prêmio Nobel – fez da enorme quebra da bolsa de valores em outubro de 1987, que aconteceu de um modo inesperado. Posteriormente, as pessoas tentaram sugerir várias explicações para o crash, mas Shiller conseguiu entrevistar um enorme número de operadores da bolsa em tempo real, no momento em que o colapso acontecia. Ele descobriu, basicamente, que os traders estavam vendendo porque outros traders estavam vendendo; era na essência um pânico de vendas que se autorreforçava.

O que aconteceu em 2 de março foi basicamente um pânico de compras autorreforçado.

Mas será que as enormes liquidações do fim de fevereiro foram igualmente irracionais? É provável. Houve algumas notícias reais sobre o coronavírus, mas provavelmente não o bastante para justificar a enorme escala da queda.

Ou seja, o que vem por aí? Em termos de mercados, não faço ideia. Mas quando se trata da estrutura econômica, nós sabemos duas coisas. A primeira, que o coronavírus está parecendo cada vez mais um duro golpe na economia. A segunda, como eu já destaquei, é que o Fed e seus equivalentes não têm muita margem para responder.

Já há algum tempo eu venho dizendo que não sei quando a economia toparia com algum obstáculo sério pelo caminho, mas sabia que nossos parachoques estavam um tanto arrebentados. Bom, aí vem esse obstáculo. Apertem os cintos.

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