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Como vai a guerra comercial?

As tarifas de Trump têm elevado os preços ao consumidor em vez de diminuir os ganhos do exterior

DONALD TRUMP: “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar” / REUTERS/Jim Young (Jim Young/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 15 de março de 2019 às 17h29.

Podem dizer o que for de Donald Trump, mas ele nos presenteou com muitas declarações icônicas, que sem dúvida serão repetidas em histórias e livros didáticos durante várias décadas, ou até mesmo gerações. Infelizmente, elas serão repetidas por serem exemplos extremamente claros de ideias ruins.

Na economia, a frase que você mais escuta é a declaração do Sr. Trump de que “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”. Em segundo lugar vem a alegação dele “Sou um homem de impostos”, juntamente com sua afirmação de que os estrangeiros pagariam as tarifas que ele vem impondo.

Bem, esta última afirmação é algo que dá para testar. Ao longo de 2018 o Sr. Trump impôs tarifas em cerca de 12% do total de importações dos EUA, e muitas dessas taxas têm estado em vigor por tempo suficiente para nós fazermos uma primeira leitura das consequências delas.

Recentemente economistas de Columbia, Princeton e do Federal Reserve de Nova York divulgaram um artigo, “The Impact of the 2018 Trade War on U.S. Prices and Welfare” (“O Impacto da Guerra Comercial de 2018 nos Preços e Bem-estar Social dos EUA”, em tradução livre do inglês), que usou dados minuciosos de importações para avaliar o impacto das tarifas. (O artigo, por sinal, é um belo trabalho.) A conclusão: Em um primeiro momento, os estrangeiros não pagaram nada da taxa; as empresas e consumidores dos EUA pagaram por tudo. Além disso, as perdas aos consumidores dos EUA superaram a receita com as novas tarifas, de modo que as taxas tornaram a América como um todo mais pobre. (Leia o texto aqui: https://bit.ly/2HeIXrn.)

Como eles chegaram nesse resultado? O governo dos EUA coleta dados de preços e quantidades de muitas categorias de importados. Várias dessas categorias tiveram novos impostos, mas muitas outras não. Assim, você pode comparar o que aconteceu aos produtos tarifados com o grupo de controle de fato das importações intocadas; isso mostra a você o impacto das taxas.

Pela visão do Sr. Trump, na qual os forasteiros pagariam as taxas, o que se esperaria seria vermos os preços dos bens tributados em queda, compensando a tarifa, de modo que os preços ao consumidor não mudassem. O que efetivamente se observa, porém, são as taxas não tendo efeito visível algum sobre os preços dos importados. Ou seja, os fornecedores do exterior não parecem ter absorvido qualquer custo das taxas, que foram integralmente repassadas aos consumidores; os preços com taxas aumentaram até o máximo possível.

Esta alta de preços levou a mudanças significativas de comportamento. As importações de itens tributados caíram drasticamente, em parte porque os consumidores recorreram aos produtos nacionais, mas também em grande parte porque os importadores trocaram de fornecedor para países que não têm hoje as tarifas do Sr. Trump. Por exemplo, diversas empresas parecem estar comprando do Vietnã ou México bens que anteriormente costumavam comprar da China.

Essas mudanças no comportamento são a chave para a conclusão do artigo, de que as tarifas deixaram a América mais pobre.

Considere o seguinte exemplo: no período pré-tarifa, os EUA importam algum produto da China que custe US$ 100. Aí o governo Trump impõe uma tarifa de 25%, elevando o preço ao consumidor para US$ 125. Se nós continuarmos a importar aquele item da China, os consumidores perdem US$ 25 por unidade adquirida – mas o governo arrecada US$ 25 a mais em impostos, deixando a renda média nacional sem mudanças.

Suponha, porém, que os importadores migrem para um fornecedor mais caro que não esteja sujeito à tarifa; suponha, por exemplo, que eles possam comprar o mesmo produto do Vietnã por US$ 115. Nesse caso os consumidores perdem apenas US$ 15 – mas não há receita com tarifas, de modo que aqueles US$ 15 são uma perda para o país como um todo.

Mas digamos que aqueles consumidores se voltassem para um fornecedor doméstico, como uma empresa americana que venda o produto por US$ 120. Como isso muda a história?

Aqui, o ponto crucial é que produzir algo internamente tem um custo de oportunidade. Como os Estados Unidos estão próximos do emprego pleno, os US$ 120 em recursos usados para produzir aquele item poderiam e seriam usados para produzir alguma outra coisa, na falta de um imposto. Desviar esses recursos para produzir o que costumávamos importar significa uma perda líquida de US$ 20, sem compensação de receita.

Por sinal, na prática, qualquer emprego de manufatura criado pelos impostos de Trump é provavelmente compensado com as perdas de outros empregos no mesmo setor. Em parte isso se deve ao fato de que a maioria das tarifas são impostas aos bens intermediários – insumos para a produção, para que o ganho de empregos, digamos, no setor de aço sejam compensados pelas perdas de automóveis e outros setores mais abaixo da cadeia. Além disso, as tarifas provavelmente vêm contribuindo para um dólar em alta, o que torna as exportações dos EUA menos competitivas.

Tudo somado, as tarifas de Trump têm elevado os preços ao consumidor em vez de diminuir os ganhos do exterior. Alguma receita foi ganha, mas também vem acontecendo o equivalente a evasão fiscal, à medida que os consumidores se voltam para outros fornecedores que não pagam impostos pelo que nós costumávamos importar. Mas essa evasão fiscal por si só tem um custo, de modo que os Estados Unidos como um todo fica mais pobre.

Ok, os números não são assim tão grandes. O novo artigo coloca a perda líquida de previdência social em US$ 1,4 bilhão por mês, ou US$ 17 bilhões por ano; isso é menos que 0,1% do produto interno bruto dos EUA. Só não é nenhuma vitória. Além disso, os números podem ficar muito maiores se a guerra comercial se ampliar, digamos, com uma tarifa de “segurança nacional” sobre os carros europeus.

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Podem dizer o que for de Donald Trump, mas ele nos presenteou com muitas declarações icônicas, que sem dúvida serão repetidas em histórias e livros didáticos durante várias décadas, ou até mesmo gerações. Infelizmente, elas serão repetidas por serem exemplos extremamente claros de ideias ruins.

Na economia, a frase que você mais escuta é a declaração do Sr. Trump de que “guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar”. Em segundo lugar vem a alegação dele “Sou um homem de impostos”, juntamente com sua afirmação de que os estrangeiros pagariam as tarifas que ele vem impondo.

Bem, esta última afirmação é algo que dá para testar. Ao longo de 2018 o Sr. Trump impôs tarifas em cerca de 12% do total de importações dos EUA, e muitas dessas taxas têm estado em vigor por tempo suficiente para nós fazermos uma primeira leitura das consequências delas.

Recentemente economistas de Columbia, Princeton e do Federal Reserve de Nova York divulgaram um artigo, “The Impact of the 2018 Trade War on U.S. Prices and Welfare” (“O Impacto da Guerra Comercial de 2018 nos Preços e Bem-estar Social dos EUA”, em tradução livre do inglês), que usou dados minuciosos de importações para avaliar o impacto das tarifas. (O artigo, por sinal, é um belo trabalho.) A conclusão: Em um primeiro momento, os estrangeiros não pagaram nada da taxa; as empresas e consumidores dos EUA pagaram por tudo. Além disso, as perdas aos consumidores dos EUA superaram a receita com as novas tarifas, de modo que as taxas tornaram a América como um todo mais pobre. (Leia o texto aqui: https://bit.ly/2HeIXrn.)

Como eles chegaram nesse resultado? O governo dos EUA coleta dados de preços e quantidades de muitas categorias de importados. Várias dessas categorias tiveram novos impostos, mas muitas outras não. Assim, você pode comparar o que aconteceu aos produtos tarifados com o grupo de controle de fato das importações intocadas; isso mostra a você o impacto das taxas.

Pela visão do Sr. Trump, na qual os forasteiros pagariam as taxas, o que se esperaria seria vermos os preços dos bens tributados em queda, compensando a tarifa, de modo que os preços ao consumidor não mudassem. O que efetivamente se observa, porém, são as taxas não tendo efeito visível algum sobre os preços dos importados. Ou seja, os fornecedores do exterior não parecem ter absorvido qualquer custo das taxas, que foram integralmente repassadas aos consumidores; os preços com taxas aumentaram até o máximo possível.

Esta alta de preços levou a mudanças significativas de comportamento. As importações de itens tributados caíram drasticamente, em parte porque os consumidores recorreram aos produtos nacionais, mas também em grande parte porque os importadores trocaram de fornecedor para países que não têm hoje as tarifas do Sr. Trump. Por exemplo, diversas empresas parecem estar comprando do Vietnã ou México bens que anteriormente costumavam comprar da China.

Essas mudanças no comportamento são a chave para a conclusão do artigo, de que as tarifas deixaram a América mais pobre.

Considere o seguinte exemplo: no período pré-tarifa, os EUA importam algum produto da China que custe US$ 100. Aí o governo Trump impõe uma tarifa de 25%, elevando o preço ao consumidor para US$ 125. Se nós continuarmos a importar aquele item da China, os consumidores perdem US$ 25 por unidade adquirida – mas o governo arrecada US$ 25 a mais em impostos, deixando a renda média nacional sem mudanças.

Suponha, porém, que os importadores migrem para um fornecedor mais caro que não esteja sujeito à tarifa; suponha, por exemplo, que eles possam comprar o mesmo produto do Vietnã por US$ 115. Nesse caso os consumidores perdem apenas US$ 15 – mas não há receita com tarifas, de modo que aqueles US$ 15 são uma perda para o país como um todo.

Mas digamos que aqueles consumidores se voltassem para um fornecedor doméstico, como uma empresa americana que venda o produto por US$ 120. Como isso muda a história?

Aqui, o ponto crucial é que produzir algo internamente tem um custo de oportunidade. Como os Estados Unidos estão próximos do emprego pleno, os US$ 120 em recursos usados para produzir aquele item poderiam e seriam usados para produzir alguma outra coisa, na falta de um imposto. Desviar esses recursos para produzir o que costumávamos importar significa uma perda líquida de US$ 20, sem compensação de receita.

Por sinal, na prática, qualquer emprego de manufatura criado pelos impostos de Trump é provavelmente compensado com as perdas de outros empregos no mesmo setor. Em parte isso se deve ao fato de que a maioria das tarifas são impostas aos bens intermediários – insumos para a produção, para que o ganho de empregos, digamos, no setor de aço sejam compensados pelas perdas de automóveis e outros setores mais abaixo da cadeia. Além disso, as tarifas provavelmente vêm contribuindo para um dólar em alta, o que torna as exportações dos EUA menos competitivas.

Tudo somado, as tarifas de Trump têm elevado os preços ao consumidor em vez de diminuir os ganhos do exterior. Alguma receita foi ganha, mas também vem acontecendo o equivalente a evasão fiscal, à medida que os consumidores se voltam para outros fornecedores que não pagam impostos pelo que nós costumávamos importar. Mas essa evasão fiscal por si só tem um custo, de modo que os Estados Unidos como um todo fica mais pobre.

Ok, os números não são assim tão grandes. O novo artigo coloca a perda líquida de previdência social em US$ 1,4 bilhão por mês, ou US$ 17 bilhões por ano; isso é menos que 0,1% do produto interno bruto dos EUA. Só não é nenhuma vitória. Além disso, os números podem ficar muito maiores se a guerra comercial se ampliar, digamos, com uma tarifa de “segurança nacional” sobre os carros europeus.

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