A beligerância e a ignorância do "trumpismo"
Trump está, de fato, tanto violando a lei dos EUA quanto jogando fora o sistema de comércio global
Publicado em 21 de março de 2018 às, 11h37.
Última atualização em 22 de março de 2018 às, 11h44.
Há um consenso quase universal tanto entre economistas quanto entre líderes empresariais de que as tarifas de Donald Trump para o aço e o alumínio são uma ideia ruim, e que a guerra comercial mais ampla que estas taxas podem deflagrar poderia ser bastante destrutiva. Mas as chances de evitar este desastre de política são pequenas, porque ele é um exemplo quintessencial de Trump sendo Trump.
De fato, as taxas são indiscutivelmente a coisa mais trumpesca que o Sr. Trump fez até agora.
Afinal, o comércio (assim como a raça) é um tema sobre o qual o Sr. Trump tem sido amplamente consistente ao longo dos anos. Ele tem passado décadas insultando outros países que, diz ele, prejudicaram os Estados Unidos ao tomar vantagem de nossos mercados relativamente abertos. E se suas visões se baseiam em entendimento zero dos assuntos ou até mesmo dos fatos mais básicos, bom, o trumpismo tem tudo a ver com ignorância belicosa, em todos os sentidos.
Mas esperem, que tem mais. Existe uma razão para nós termos acordos internacionais de comércio, e não é para nos proteger de práticas injustas de outros países. O verdadeiro objetivo é para nos proteger de nós mesmos; para limitar a política de interesses especiais e corrupção descarada que antes imperava na política comercial.
Os trumpocratas, contudo, não veem corrupção ou o governo de interesses particulares como problemas. Você poderia argumentar que o sistema de comércio mundial é, em grande parte, projetado especialmente para impedir que pessoas como Trump tenham influência demais. É claro que ele quer acabar com isso.
Um pouco de contexto: ao contrário do que algumas pessoas parecem acreditar, a economia acadêmica não diz que o livre comércio é um jogo de ganha-ganha para todo mundo. Em vez disso, a política comercial envolve vários conflitos de interesse bastante reais, mas estes conflitos de interesse são majoritariamente entre grupos dentro de um mesmo país, em vez de serem entre países. Por exemplo, uma guerra comercial contra a União Europeia tornaria a América mais pobre como um todo, mesmo se a UE não retaliasse (algo que ela faria). Ela beneficiaria, entretanto, algumas indústrias que enfrentam forte competição europeia.
E aí é que está: Os pequenos grupos que se beneficiam do protecionismo geralmente têm mais influência política que os grupos muito mais amplos que são prejudicados. Por isso é que o Congresso costumava aprovar frequentemente projetos de leis comerciais destrutivos, o que culminou com a Lei de Tarifas Smoot-Hawley de 1930: Um número suficiente de integrantes do Congresso havia sido comprado, de uma maneira ou de outra, para aprovar uma legislação que quase todo mundo sabia que seria ruim para o país como um todo.
Em 1934, porém, Franklin Delano Roosevelt introduziu uma nova abordagem à política comercial: acordos recíprocos com outros países, nos quais nós trocávamos tarifas reduzidas nas exportações deles por tarifas reduzidas nas nossas. Esta abordagem gerou um novo grupo de interesses particulares, os exportadores, que conseguiam oferecer possibilidades de compensação contra a influência dos interesses particulares que buscavam proteção.
A abordagem de acordo recíproco de Roosevelet levou a uma rápida reversão do Smoot-Hawley, e depois da guerra ela evoluiu para uma série de acordos comerciais globais, criando um sistema mundial de comércio que hoje em dia é acompanhado pela Organização Mundial do Comércio. De fato, os Estados Unidos refizeram a política mundial de comércio à sua própria imagem. E deu certo: Os acordos globais que saíram da abordagem de taxas mútuas diminuíram amplamente as tarifas reduzidas ao redor do mundo, ao mesmo tempo em que estabeleceram as regras que limitam os países que queiram voltar atrás em seus compromissos.
O efeito geral da evolução do sistema mundial de comércio tem sido bastante salutar. A política tributária, que costumava ser um dos aspectos mais sujos e corruptos da política, fosse nos Estados Unidos ou em outro lugar, se tornou notavelmente, ainda que não perfeitamente, limpa.
Eu acrescentaria que os acordos comerciais mundiais são um exemplo marcante e encorajador de cooperação internacional eficiente. Neste sentido, eles dão uma real – ainda que difícil de medir – contribuição à governança democrática e à paz mundial.
Até que Trump apareceu.
De acordo com a lei comercial dos EUA, escrita para ser condizente com nossos acordos internacionais, um presidente pode impôr tarifas no caso de certas condições estritamente definidas. Mas as taxas de aço e alumínio, justificadas com um apelo obviamente falso à segurança nacional, claramente não passam no teste.
Ou seja, o Sr. Trump está, de fato, tanto violando a lei dos EUA quanto jogando fora o sistema de comércio global. E se isso crescer a ponto de se tornar uma guerra comercial em grande escala, nós estaremos de volta aos maus e velhos tempos. A política tributária vai mais uma vez ser conduzida por tráfico de influência e suborno, não importa qual seja o interesse nacional.
Não que isso vá incomodar o Sr. Trump. Afinal, nós hoje temos uma Agência de Proteção Ambiental basicamente trabalhando a favor dos poluidores, e um Departamento do Interior comandado por gente que quer saquear terras federais, além de um Departamento de Educação dirigido pela indústria das escolas particulares, e por aí vai. Por que com a política comercial deveria ser diferente?
É verdade que muitas grandes empresas e ideólogos do livre mercado, que imaginaram que Trump estivesse do lado deles, estão horrorizados com as movimentações dele na questão comercial. Mas o que essas pessoas esperavam? Nunca houve uma boa razão para imaginar que a política comercial estivesse a salvo das depredações do Sr. Trump.