Bárbaros do lado de dentro
parece que uma invasão bárbara vai botar tudo a perder nos Estados Unidos. E a parte triste é que os bárbaros não estão nos portões – eles estão do lado de dentro, no Salão Oval
Da Redação
Publicado em 28 de junho de 2018 às 14h14.
Por algum motivo eu tenho sentido a necessidade de escrever muito nos últimos dias. Acabo de terminar um artigo enorme sobre a guerra comercial, mas continuo com coceira de escrever, desta vez sobre a história romana, relevantes aos eventos atuais.
Só isso acima já deveria ser um sinal amarelo. Qualquer pessoa que diga enxergar lições modernas na história da Antiguidade, em particular na história romana, deveria ser considerado preguiçoso até que se prove inocente. O economista Brad DeLong tem corretamente feito escárnio online de Niall Ferguson, que está regurgitando roteiros de filmes de Cecil B. DeMille como se fossem subsídios, afirmando que luxúria e orgias puseram abaixo a República de Roma. Homem tolo: Ele não sabe que foram as más estatísticas, que a taxa real de inflação estava em 10%?
Porém, eu tenho me flagrado pensando não sobre a queda da República, mas sobre a Pax Romana que veio depois – os mais de dois séculos de estabilidade que se seguiram a Augusto. Acredite ou não, eu creio que este período tem algumas lições para nós; isto pode ser um sinal de debilidade mental, mas eu vou falar tudo de uma vez.
Há não muito tempo, eu teria dito que muito pouca coisa do Império Romano era relevante a qualquer coisa moderna. O império pode ter fascinado os primeiros europeus contemporâneos como Edward Gibbon, mas no fim ele era uma sociedade pré-industrial, incrivelmente pobre para os padrões modernos, e que compartilhava muito poucos valores modernos. É verdade que o Império Romano era maior do que a maioria dos impérios pré-industriais, e que durou um pouco mais. Mas ele era realmente diferente em qualquer maneira importante, digamos, da Assíria?
Porém, eu leio um bocado de história no meu tempo livre, e até onde eu posso dizer a pesquisa moderna nos ensina que Roma foi realmente algo especial.
O que eu aprendi primeiramente com o economista Peter Temin, e em profundidade muito maior com o historiador Kyle Harper, foi que Roma não era sua economia pré-industrial padrão. Sem dúvida ela não teve uma disparada tecnológica; mas a paz, o comércio interregional e um sistema de negócios e financeiro sofisticado a tornaram surpreendentemente produtiva, com um padrão de vida geral provavelmente não igualado até a república holandesa do século XVII. Harper nota que Roma foi detida de algumas maneiras pelo pesado fardo da doença, um subproduto involuntário da urbanização e do comércio que uma sociedade desprovida de uma teoria dos germes não tinha como aliviar. Mas, ainda assim, os romanos de fato conquistaram coisas notáveis no front econômico.
Eles também conseguiram coisas notáveis no campo político. Os romanos não eram caras legais; eles também não eram cavaleiros da era eduardiana em togas. Eles não tinham dúvidas sobre escravidão, eram quase sempre cruéis e não tinham escrúpulo algum quanto a usar a força extrema para abater qualquer desafio ao domínio imperial. Mas embora a ameaça de violência sempre estivesse à espreita, o Império Romano não se manteve de pé graças a um reinado de terror. Na maior parte do tempo, a Pax Romana era mantida por meio da cooperação voluntária das elites locais.
Como Roma conseguiu fazer isso? O segredo, pelo que eu li na literatura recente, é que ela exercia efetivamente um bocado de soft power. Às elites locais era oferecida uma boa vida, com valores cívicos romanos atraentes – Anfiteatros! Casas de Banho! Vinho! Ratazanas empalhadas! – e o sistema imperial era aberto o suficiente para que provincianos particularmente aptos e ambiciosos pudessem ter aspirações de se mover para o centro das coisas. Além disso, aquela economia próspera e independente recompensava os que adotassem valores romanos e se integrassem ao sistema romano.
Ou posto de outra maneira, Roma se saiu tão bem por tanto tempo não sendo gananciosa demais, limitando a exploração míope de seu poder em nome da construção de um sistema de longo prazo.
Obviamente algumas pessoas, como meus próprios ancestrais cabeça-dura, se recusaram a ser assimilados e tiveram de ser sacrificados; e, como eu disse, os romanos não tinham problema algum em ser maldosos quando isso servia à causa deles. Mesmo durante os períodos de paz mais longos da Pax Romana, sempre havia uma guerra em algum lugar. Mas a moderação geral, além de um conjunto de valores que atraía muitos de seus súditos, produziu uma longa temporada de paz e prosperidade nunca vistas antes.
Você provavelmente consegue ver aonde eu quero chegar com isso. A Pax Americana, as três gerações de relativa paz e prosperidade que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, foi diferente em todos os aspectos do Principado Romano. Não só nós estamos muito mais ricos do que Roma jamais teria imaginado, nós também somos muito mais simpáticos: A América tem feito algumas coisas terríveis e vergonhosas, mas nada parecido com o que os romanos faziam quando ficavam irritados.
Ainda assim, nosso tipo de império, como o de Roma, tem sido mantido principalmente pelo soft power em vez da violência. Mesmo quando a América era uma economia majoritariamente dominante e uma potência militar, ela em geral exercia moderação, convencendo os aliados dela a aderir ao nosso sistema em vez de recorrer à compulsão natural.
E funcionou muito bem. Não foi perfeito, é claro, mas nós demos ao mundo, e a nós mesmos, uma era que foi incrivelmente benigna comparada à moderna Guerra dos Trinta Anos que veio antes dela.
Mas, agora, parece provável que uma invasão bárbara vá botar tudo a perder. E a parte triste é que os bárbaros que rejeitam os valores que fizeram a América verdadeiramente grande não estão nos portões – eles estão do lado de dentro, no Salão Oval na verdade, porque são basicamente de origem caseira (com a ajuda da Rússia, sem dúvida).
É uma história terrível. Nós construímos algo maravilhoso, e estamos jogando tudo isso fora sem nenhum bom motivo.
Por algum motivo eu tenho sentido a necessidade de escrever muito nos últimos dias. Acabo de terminar um artigo enorme sobre a guerra comercial, mas continuo com coceira de escrever, desta vez sobre a história romana, relevantes aos eventos atuais.
Só isso acima já deveria ser um sinal amarelo. Qualquer pessoa que diga enxergar lições modernas na história da Antiguidade, em particular na história romana, deveria ser considerado preguiçoso até que se prove inocente. O economista Brad DeLong tem corretamente feito escárnio online de Niall Ferguson, que está regurgitando roteiros de filmes de Cecil B. DeMille como se fossem subsídios, afirmando que luxúria e orgias puseram abaixo a República de Roma. Homem tolo: Ele não sabe que foram as más estatísticas, que a taxa real de inflação estava em 10%?
Porém, eu tenho me flagrado pensando não sobre a queda da República, mas sobre a Pax Romana que veio depois – os mais de dois séculos de estabilidade que se seguiram a Augusto. Acredite ou não, eu creio que este período tem algumas lições para nós; isto pode ser um sinal de debilidade mental, mas eu vou falar tudo de uma vez.
Há não muito tempo, eu teria dito que muito pouca coisa do Império Romano era relevante a qualquer coisa moderna. O império pode ter fascinado os primeiros europeus contemporâneos como Edward Gibbon, mas no fim ele era uma sociedade pré-industrial, incrivelmente pobre para os padrões modernos, e que compartilhava muito poucos valores modernos. É verdade que o Império Romano era maior do que a maioria dos impérios pré-industriais, e que durou um pouco mais. Mas ele era realmente diferente em qualquer maneira importante, digamos, da Assíria?
Porém, eu leio um bocado de história no meu tempo livre, e até onde eu posso dizer a pesquisa moderna nos ensina que Roma foi realmente algo especial.
O que eu aprendi primeiramente com o economista Peter Temin, e em profundidade muito maior com o historiador Kyle Harper, foi que Roma não era sua economia pré-industrial padrão. Sem dúvida ela não teve uma disparada tecnológica; mas a paz, o comércio interregional e um sistema de negócios e financeiro sofisticado a tornaram surpreendentemente produtiva, com um padrão de vida geral provavelmente não igualado até a república holandesa do século XVII. Harper nota que Roma foi detida de algumas maneiras pelo pesado fardo da doença, um subproduto involuntário da urbanização e do comércio que uma sociedade desprovida de uma teoria dos germes não tinha como aliviar. Mas, ainda assim, os romanos de fato conquistaram coisas notáveis no front econômico.
Eles também conseguiram coisas notáveis no campo político. Os romanos não eram caras legais; eles também não eram cavaleiros da era eduardiana em togas. Eles não tinham dúvidas sobre escravidão, eram quase sempre cruéis e não tinham escrúpulo algum quanto a usar a força extrema para abater qualquer desafio ao domínio imperial. Mas embora a ameaça de violência sempre estivesse à espreita, o Império Romano não se manteve de pé graças a um reinado de terror. Na maior parte do tempo, a Pax Romana era mantida por meio da cooperação voluntária das elites locais.
Como Roma conseguiu fazer isso? O segredo, pelo que eu li na literatura recente, é que ela exercia efetivamente um bocado de soft power. Às elites locais era oferecida uma boa vida, com valores cívicos romanos atraentes – Anfiteatros! Casas de Banho! Vinho! Ratazanas empalhadas! – e o sistema imperial era aberto o suficiente para que provincianos particularmente aptos e ambiciosos pudessem ter aspirações de se mover para o centro das coisas. Além disso, aquela economia próspera e independente recompensava os que adotassem valores romanos e se integrassem ao sistema romano.
Ou posto de outra maneira, Roma se saiu tão bem por tanto tempo não sendo gananciosa demais, limitando a exploração míope de seu poder em nome da construção de um sistema de longo prazo.
Obviamente algumas pessoas, como meus próprios ancestrais cabeça-dura, se recusaram a ser assimilados e tiveram de ser sacrificados; e, como eu disse, os romanos não tinham problema algum em ser maldosos quando isso servia à causa deles. Mesmo durante os períodos de paz mais longos da Pax Romana, sempre havia uma guerra em algum lugar. Mas a moderação geral, além de um conjunto de valores que atraía muitos de seus súditos, produziu uma longa temporada de paz e prosperidade nunca vistas antes.
Você provavelmente consegue ver aonde eu quero chegar com isso. A Pax Americana, as três gerações de relativa paz e prosperidade que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, foi diferente em todos os aspectos do Principado Romano. Não só nós estamos muito mais ricos do que Roma jamais teria imaginado, nós também somos muito mais simpáticos: A América tem feito algumas coisas terríveis e vergonhosas, mas nada parecido com o que os romanos faziam quando ficavam irritados.
Ainda assim, nosso tipo de império, como o de Roma, tem sido mantido principalmente pelo soft power em vez da violência. Mesmo quando a América era uma economia majoritariamente dominante e uma potência militar, ela em geral exercia moderação, convencendo os aliados dela a aderir ao nosso sistema em vez de recorrer à compulsão natural.
E funcionou muito bem. Não foi perfeito, é claro, mas nós demos ao mundo, e a nós mesmos, uma era que foi incrivelmente benigna comparada à moderna Guerra dos Trinta Anos que veio antes dela.
Mas, agora, parece provável que uma invasão bárbara vá botar tudo a perder. E a parte triste é que os bárbaros que rejeitam os valores que fizeram a América verdadeiramente grande não estão nos portões – eles estão do lado de dentro, no Salão Oval na verdade, porque são basicamente de origem caseira (com a ajuda da Rússia, sem dúvida).
É uma história terrível. Nós construímos algo maravilhoso, e estamos jogando tudo isso fora sem nenhum bom motivo.