As baratas do armário de Donald Trump
O déficit de 2019 ficou aproximadamente US$ 300 bilhões maior do que o Departamento Orçamentário do Congresso previa no verão de 2017, antes do corte de impostos de Trump
Publicado em 17 de fevereiro de 2020 às, 12h04.
Recentemente eu falei sobre ideias zumbi, expressão que não inventei mas que, acredito, eu ajudei a popularizar mais do que ninguém. Como eu já expliquei, uma ideia zumbi é aquela que deveria ter sido morta pelas evidências mas que continua a se arrastar por aí, devorando os miolos das pessoas; os dois maiores zumbis na política americana são a crença no poder mágico dos cortes de impostos e a negação do aquecimento global.
Tenho quase certeza, porém, que eu inventei o termo “ideias-barata”, que são falsas ideias das quais você consegue se livrar por um certo tempo, mas que teimam em voltar. E me ocorreu que o atual estado da economia americana nos oferece uma oportunidade de pensar nas baratas do passado.
Sem dúvida, estamos passando por um período de desemprego baixo. Não tem segredo sobre como chegamos até aqui: o presidente Trump se meteu em um déficit orçamentário sem precedentes para uma economia com um desemprego tão baixo. O déficit de 2019 ficou aproximadamente US$ 300 bilhões maior do que o Departamento Orçamentário do Congresso previa no verão de 2017, antes do corte de impostos de Trump. É bastante incentivo fiscal, mesmo que tenha sido mal planejado. Na verdade, é próximo do pico de alta do déficit criado pelos incentivos de 2010 de Obama.
A verdadeira surpresa é como nós parecemos ser capazes de tocar a economia da América sem pressões inflacionárias. Mesmo eu teria esperado ver alguma aceleração da inflação com um desemprego de 3,5%. Mas as pessoas que deviam estar de fato surpresas, além de se perguntando como conseguiram errar tanto, são as muitas, várias Pessoas Bastante Sérias que insistiram depois da crise financeira em dizer que o desemprego alto era “estrutural”.
Leia-se, elas rejeitaram a ideia de que milhões de americanos estavam desempregados por causa da demanda inadequada, um problema que poderia ser resolvido aumentando-se os gastos, digamos, com investimentos na infraestrutura da América. Em vez disso, essas pessoas declararam que a tecnologia estava eliminando empregos, ou que os americanos não tinham as qualificações produtivas da economia contemporânea, ou que o Obamacare estava destruindo incentivos para trabalhar e desencorajando as contratações no setor privado.
Ninguém mais ouve esses argumentos hoje em dia, ainda que Andrew Yang tenha de alguma maneira construído uma campanha presidencial baseada no tema de que o crescimento descontrolado da produtividade vem destruindo empregos, mesmo que o crescimento da produtividade esteja hoje no menor ponto já visto há gerações.
Por que, seis ou sete anos atrás, as afirmações de um desemprego estrutural em massa eram tão populares? Parte da resposta, eu desconfio, é que também neste período a sabedoria convencional decidiu que o déficit orçamentário, e não o desemprego em massa, era nosso maior problema – e que era inconveniente aceitar a ideia de que a austeridade fiscal manteria o desemprego elevado. Ou seja, afirmar que o desemprego era estrutural foi um jeito de evitar encarar os custos da obsessão pelo déficit.
Porém, não foi só isso: algumas pessoas sempre acharam perturbadora a ideia de que o desemprego seja basicamente um problema de demanda, facilmente resolvido aumentando-se gastos públicos e imprimindo-se mais dinheiro. Para essas pessoas, a impressão é que grandes problemas devem ter grandes causas, e não podem ter soluções fáceis.
Assim, cada vez que nós passamos por um período de desemprego em alta nos Estados Unidos, afirmações de que é um imprevisto estrutural são levadas muito a sério. Aconteceu na década de 30, quando muitas pessoas zombaram da ideia de que só gastar mais poderia recuperar o emprego pleno. Então surgiu um enorme programa de estímulo fiscal, popularmente conhecido como Segunda Guerra Mundial, e de uma hora para outra todos aqueles americanos sem qualificações estavam plena e produtivamente empregados.
De qualquer forma, o ponto importante é que o desemprego alto nunca foi estrutural, e o fato de nós termos permitido que ele persistisse tanto tempo foi uma grande tragédia – pela qual os camelôs de ideias-barata têm lá sua responsabilidade.