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A turbulência na Turquia

Quando grandes choques econômicos acontecem, a qualidade da liderança de uma hora para outra passa a importar muito. É o que vemos agora na Turquia

TURQUIA: O que está havendo na Turquia é uma clássica crise cambial e de endividamento / REUTERS/Umit Bektas (Umit Bektas/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 4 de junho de 2018 às 13h01.

Um líder anti-establishment assume o poder após uma eleição controversa. O governo dele rapidamente prova ser notavelmente corrupto; mas ele subverte o sistema legal e consegue não apenas impedir investigações sobre sua corrupção – seus apoiadores denunciam a coisa toda como uma “caça às bruxas” -, como também consolidar seu domínio e minar as instituições (o “estado subterrâneo”) que poderiam ter limitado seu poder.

Estou falando de Donald Trump? Eu poderia estar. Mas a pessoa que eu tenho em mente, na verdade, é Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, cujo sucesso em se safar com uma corrupção óbvia ao politizar a lei dá uma ideia perturbadora de como o Sr. Trump pode se tornar o ditador autoritário que ele claramente quer ser. Para surpresa de ninguém, o Sr. Trump, que basicamente parece gostar de ditadores em geral, expressou admiração pelo Sr. Erdogan e pelo governo dele.

Instintos autoritários e desdém pelo estado de direito não são as únicas coisas que os Srs. Erdogan e Trump têm em comum. Ambos têm também desprezo pela experiência. Em particular, os dois se cercaram de pessoas notáveis tanto por sua ignorância quanto por seus pontos de vista bizarros. O Sr. Erdogan tem assessores que acreditam que ele esteja sofrendo um ataque psíquico; o Sr. Trump tem assessores que berram obscenidades uns aos outros quando estão em viagens de negócios.

Mas isso importa? Na América, as ações estão em alta e a economia continua a se virar. O Sr. Erdogan tem governado em meio a uma expansão econômica. Os investidores e mercados não parecem se preocupar com a loucura no topo. O fato de legisladores econômicos não terem ideia do que estão falando não parece fazer diferença alguma.

Até que faz.

A verdade é que, na maior parte do tempo, a qualidade da liderança econômica importa muito menos do que a maioria das pessoas – inclusive as lideranças econômicas – acredita. Políticas realmente destrutivas, como aquelas levando a Venezuela para o buraco, são uma coisa. Agora, políticas ordinárias como mudanças na lei tributária, mesmo que sejam muito grandes e claramente irresponsáveis, raramente têm efeitos dramáticos.

No ano passado, por exemplo, o Sr. Trump e seus aliados no Congresso impuseram um corte de impostos de quase US$ 2 trilhões. É um número bastante elevado, até mesmo para uma economia tão grande como a nossa. Porém, fora estimular uma onda sem precedentes de recompra de ações, o corte tributário está tendo poucos efeitos notáveis, tanto bons quanto ruins. Não há sinal da explosão de investimentos que os defensores da medida prometeram, mas também não há sinais de que os investidores estejam perdendo a fé na solvência da América.

Basicamente, desde que a economia não esteja sendo atingida por grandes choques, é raro que encenações políticas importem. Alguém que observasse o crescimento do produto interno bruto ou o emprego ao longo dos últimos anos sem saber que nós teríamos eleições em 2016 não veria motivos para suspeitar que qualquer coisa de importante houvesse mudado no Estados Unidos.

Contudo, quando os grandes choques acontecem, a qualidade da liderança de uma hora para outra passa a importar muito. Que é o que nós estamos vendo agora na Turquia.

Um parênteses: Ainda que a qualidade da liderança econômica importe muito só durante as crises, você talvez imaginasse que os mercados pensariam à frente e incorporariam o risco de crises futuras serem mal administradas aos preços das ações e dos títulos. De alguma maneira, entretanto, isso quase nunca acontece.

O que nós vemos em vez disso são longos períodos de complacência seguidos de pânico súbito. Estudantes de macroeconomia internacional gostam de citar a “Lei de Dornbusch” (que leva o nome do meu falecido professor Rudiger Dornbusch): “As crises demoram mais para chegar do que você possivelmente consegue imaginar, mas, quando vêm, elas acontecem mais depressa do que você possivelmente consegue imaginar”.

O que está havendo na Turquia é uma clássica crise cambial e de endividamento, do tipo que nós vimos muitas vezes na Ásia e na América Latina. Primeiro, um país se torna popular com investidores internacionais e se depara com uma dívida externa significativa – no caso da Turquia, em grande parte um débito das empresas nacionais.

Depois o país começa, seja lá por qual motivo, a perder seu brilho: agora mesmo, os mercados emergentes de modo geral estão sobrecarregados por um dólar em ascensão e taxas de juros crescentes nos Estados Unidos. E é a essa altura que uma crise que se “autorreforça” se torna possível: Fatores externos causam uma perda de confiança, o que faz o câmbio do país cair, só que o câmbio em queda provoca uma explosão no valor interno destas dívidas externas, piorando a economia, levando a reduções ainda maiores na confiança e por aí vai.

Em um momento assim, a qualidade da liderança política subitamente passa a importar bastante. Você precisa de autoridades que entendam o que está acontecendo, consigam bolar uma resposta e tenham credibilidade o suficiente para que os mercados deem a ela o benefício da dúvida. Alguns mercados emergentes têm estas coisas, e eles estão saindo da turbulência razoavelmente bem. O governo Erdogan não tem nada disso.

Ou seja, será que a turbulência na Turquia é uma prévia do que irá acontecer no governo do Sr. Trump? Não nos detalhes: Ainda que a América empreste bastante no exterior, ela faz empréstimos em sua própria moeda, o que significa que ela não está vulnerável a uma crise clássica dos mercados emergentes.

Mas há muitos modos pelas quais as coisas podem dar errado, desde crises de política externa – aquele Prêmio Nobel da Paz não parece tão plausível agora, certo? – a guerras comerciais, e parece seguro dizer que a equipe de Trump não está preparada para qualquer uma destas possibilidades. Talvez ela não precise lidar com nenhum desafio realmente sério. Mas e se precisar?

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Um líder anti-establishment assume o poder após uma eleição controversa. O governo dele rapidamente prova ser notavelmente corrupto; mas ele subverte o sistema legal e consegue não apenas impedir investigações sobre sua corrupção – seus apoiadores denunciam a coisa toda como uma “caça às bruxas” -, como também consolidar seu domínio e minar as instituições (o “estado subterrâneo”) que poderiam ter limitado seu poder.

Estou falando de Donald Trump? Eu poderia estar. Mas a pessoa que eu tenho em mente, na verdade, é Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, cujo sucesso em se safar com uma corrupção óbvia ao politizar a lei dá uma ideia perturbadora de como o Sr. Trump pode se tornar o ditador autoritário que ele claramente quer ser. Para surpresa de ninguém, o Sr. Trump, que basicamente parece gostar de ditadores em geral, expressou admiração pelo Sr. Erdogan e pelo governo dele.

Instintos autoritários e desdém pelo estado de direito não são as únicas coisas que os Srs. Erdogan e Trump têm em comum. Ambos têm também desprezo pela experiência. Em particular, os dois se cercaram de pessoas notáveis tanto por sua ignorância quanto por seus pontos de vista bizarros. O Sr. Erdogan tem assessores que acreditam que ele esteja sofrendo um ataque psíquico; o Sr. Trump tem assessores que berram obscenidades uns aos outros quando estão em viagens de negócios.

Mas isso importa? Na América, as ações estão em alta e a economia continua a se virar. O Sr. Erdogan tem governado em meio a uma expansão econômica. Os investidores e mercados não parecem se preocupar com a loucura no topo. O fato de legisladores econômicos não terem ideia do que estão falando não parece fazer diferença alguma.

Até que faz.

A verdade é que, na maior parte do tempo, a qualidade da liderança econômica importa muito menos do que a maioria das pessoas – inclusive as lideranças econômicas – acredita. Políticas realmente destrutivas, como aquelas levando a Venezuela para o buraco, são uma coisa. Agora, políticas ordinárias como mudanças na lei tributária, mesmo que sejam muito grandes e claramente irresponsáveis, raramente têm efeitos dramáticos.

No ano passado, por exemplo, o Sr. Trump e seus aliados no Congresso impuseram um corte de impostos de quase US$ 2 trilhões. É um número bastante elevado, até mesmo para uma economia tão grande como a nossa. Porém, fora estimular uma onda sem precedentes de recompra de ações, o corte tributário está tendo poucos efeitos notáveis, tanto bons quanto ruins. Não há sinal da explosão de investimentos que os defensores da medida prometeram, mas também não há sinais de que os investidores estejam perdendo a fé na solvência da América.

Basicamente, desde que a economia não esteja sendo atingida por grandes choques, é raro que encenações políticas importem. Alguém que observasse o crescimento do produto interno bruto ou o emprego ao longo dos últimos anos sem saber que nós teríamos eleições em 2016 não veria motivos para suspeitar que qualquer coisa de importante houvesse mudado no Estados Unidos.

Contudo, quando os grandes choques acontecem, a qualidade da liderança de uma hora para outra passa a importar muito. Que é o que nós estamos vendo agora na Turquia.

Um parênteses: Ainda que a qualidade da liderança econômica importe muito só durante as crises, você talvez imaginasse que os mercados pensariam à frente e incorporariam o risco de crises futuras serem mal administradas aos preços das ações e dos títulos. De alguma maneira, entretanto, isso quase nunca acontece.

O que nós vemos em vez disso são longos períodos de complacência seguidos de pânico súbito. Estudantes de macroeconomia internacional gostam de citar a “Lei de Dornbusch” (que leva o nome do meu falecido professor Rudiger Dornbusch): “As crises demoram mais para chegar do que você possivelmente consegue imaginar, mas, quando vêm, elas acontecem mais depressa do que você possivelmente consegue imaginar”.

O que está havendo na Turquia é uma clássica crise cambial e de endividamento, do tipo que nós vimos muitas vezes na Ásia e na América Latina. Primeiro, um país se torna popular com investidores internacionais e se depara com uma dívida externa significativa – no caso da Turquia, em grande parte um débito das empresas nacionais.

Depois o país começa, seja lá por qual motivo, a perder seu brilho: agora mesmo, os mercados emergentes de modo geral estão sobrecarregados por um dólar em ascensão e taxas de juros crescentes nos Estados Unidos. E é a essa altura que uma crise que se “autorreforça” se torna possível: Fatores externos causam uma perda de confiança, o que faz o câmbio do país cair, só que o câmbio em queda provoca uma explosão no valor interno destas dívidas externas, piorando a economia, levando a reduções ainda maiores na confiança e por aí vai.

Em um momento assim, a qualidade da liderança política subitamente passa a importar bastante. Você precisa de autoridades que entendam o que está acontecendo, consigam bolar uma resposta e tenham credibilidade o suficiente para que os mercados deem a ela o benefício da dúvida. Alguns mercados emergentes têm estas coisas, e eles estão saindo da turbulência razoavelmente bem. O governo Erdogan não tem nada disso.

Ou seja, será que a turbulência na Turquia é uma prévia do que irá acontecer no governo do Sr. Trump? Não nos detalhes: Ainda que a América empreste bastante no exterior, ela faz empréstimos em sua própria moeda, o que significa que ela não está vulnerável a uma crise clássica dos mercados emergentes.

Mas há muitos modos pelas quais as coisas podem dar errado, desde crises de política externa – aquele Prêmio Nobel da Paz não parece tão plausível agora, certo? – a guerras comerciais, e parece seguro dizer que a equipe de Trump não está preparada para qualquer uma destas possibilidades. Talvez ela não precise lidar com nenhum desafio realmente sério. Mas e se precisar?

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