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A problemática visão de infraestrutura de Trump

Trumpistas recentemente têm ventilado a ideia de uma grande obra de infraestrutura nos Estados Unidos, e alguns democratas estão fazendo ruídos conciliadores sobre trabalhar com o novo regime neste segmento. Mas lembre-se de com quem vocês estão lidando: Se você investir qualquer coisa em Donald Trump, seja dinheiro ou reputação, você corre um grande risco […]

PONTE EM CONSTRUÇÃO NO ESTADO DE NOVA YORK: Trump quer acelerar os investimentos em infraestrutura  / Karsten Moran for the New York TImes
PONTE EM CONSTRUÇÃO NO ESTADO DE NOVA YORK: Trump quer acelerar os investimentos em infraestrutura / Karsten Moran for the New York TImes
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Paul Krugman

Publicado em 29 de novembro de 2016 às, 11h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h12.

Trumpistas recentemente têm ventilado a ideia de uma grande obra de infraestrutura nos Estados Unidos, e alguns democratas estão fazendo ruídos conciliadores sobre trabalhar com o novo regime neste segmento. Mas lembre-se de com quem vocês estão lidando: Se você investir qualquer coisa em Donald Trump, seja dinheiro ou reputação, você corre um grande risco de ser enganado.

Então, o que é que nós sabemos sobre o plano de infraestrutura de Trump, do jeito que ele está hoje?

Crucialmente, não é um plano para emprestar US$ 1 trilhão e gastá-lo em projetos muito necessários – o que seria a coisa mais direta e óbvia a se fazer. Ele é, em vez disso, algo que deve envolver investidores privados tanto no trabalho de levantar dinheiro quanto de tocar as obras – com a ajuda de um grande crédito fiscal que devolve a eles 82% do capital próprio que eles botarem ali. Para compensar a pequena lasca de capital adicional e os juros do empréstimo deles, os investidores privados têm então de obter lucro de algum modo nos ativos que eles passam a possuir.

Você deveria imediatamente fazer três perguntas sobre tudo isso.

Primeira, por que envolver investidores privados para começo de conversa? Não é como se o governo federal estivesse com dificuldades de levantar dinheiro – na verdade, uma grande parte da justificativa para o investimento em infraestrutura é precisamente que o governo consegue empréstimos muito baratos. Ou seja, por que é que nós precisamos de capital privado?

Uma resposta pode ser que, dessa maneira, você evita contrair dívidas públicas adicionais. Mas isso é só uma confusão contábil. Imagine que você esteja construindo uma estrada com pedágio. Se o governo construir a estrada, acaba pagando juros mas obtém a receita futura das cabines de pedágio. Se ele entrega o projeto para investidores privados, ele evita o custo dos juros – mas também perde a receita futura com o pedágio. O fluxo de caixa futuro do governo não está melhor do que estaria se ele tivesse feito um empréstimo direto, e estará pior se fizer um acordo ruim porque, digamos, os investidores têm conexões políticas.

Segunda pergunta, como este tipo de esquema vai financiar projetos de infraestrutura que não geram fontes de receita? Cabines de pedágio não são a única coisa de que precisamos agora. E quanto aos sistemas de esgoto, para compensar a manutenção não realizada, e por aí vai? Você pode atrair investidores privados garantindo a eles dinheiro futuro do governo – como, por exemplo, pagando aluguel em perpetuidade pelo uso de um sistema de água construído por um consórcio privado. Mas isso, ainda mais do que ter alguma outra pessoa recolhendo pedágio, seria simplesmente o governo emprestando às escuras – com muito menos transparência e, portanto, mais oportunidades de premiar negócios favorecidos.

Terceira pergunta, quanto do investimento financiado assim seria na verdade investimento que teria acontecido de qualquer outra maneira?

Isto é, quanta “suplementaridade” há aqui? Imagine que há um túnel planejado, que claramente será construído. Mas agora ele é renomeado Túnel Trump, a obra e o financiamento são geridos por empresas privadas e os futuros pedágio e/ou aluguel pagos pelo governo vão para estes negócios privados. Neste caso, nós não promovemos investimento algum, apenas privatizamos um bem público – e demos aos compradores 82% do preço da compra na forma de crédito fiscal.

De novo, todas essas questões poderiam ser evitadas fazendo-se as coisas do jeito simples: Se você acha que nós devemos ampliar a infraestrutura, então amplie a infraestrutura e não se preocupe com as complicações do lucro privado/crédito fiscal. Você poderia tentar aparecer com alguma justificativa para a complexidade do esquema, mas uma resposta simples seria que isso não tem realmente a ver com investimento – e sim com esfolar os contribuintes. Isso é tão implausível assim, em se tratando de quem nós estamos falando?

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