A obsessão nociva da Alemanha com a austeridade
Eu quero retomar a discussão sobre um post recente no blog de Brad Setser, um pesquisador-sênior do Conselho de Relações Exteriores, sobre o superávit fiscal da Alemanha. Neste momento, o que estamos notando nos círculos da elite é uma percepção bastante tardia – ainda que bem-vinda – de que a política monetária precisa desesperadamente de […]
Publicado em 7 de setembro de 2016 às, 11h54.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 17h52.
Eu quero retomar a discussão sobre um post recente no blog de Brad Setser, um pesquisador-sênior do Conselho de Relações Exteriores, sobre o superávit fiscal da Alemanha.
Neste momento, o que estamos notando nos círculos da elite é uma percepção bastante tardia – ainda que bem-vinda – de que a política monetária precisa desesperadamente de uma ajuda da expansão fiscal.
Se encarar este soco duplo como um “aviãozinho de dinheiro” faz as pessoas se sentirem melhores, tudo bem; mas o que importa é o empurrão fiscal-monetário.
Há uma dupla de obstáculos grandes que impedem este projeto de ser levado adiante. Um deles é o Partido Republicano dos Estados Unidos, que já se prepara para seguir uma política de terra arrasada de obstruir tudo em caso de uma presidência de Hillary Clinton. O outro problema é germânico: a obsessão da Alemanha com a probidade fiscal, fundamentada no fato de que, quando se trata de macroeconomia, a Alemanha vive em um universo intelectual diferente do de qualquer outro país.
E as circunstâncias têm dado a esta obsessão um impacto muito maior do que as más idéias normalmente recebem.
Considere a natureza do problema da Europa. Na verdade, ele é um problema duplo, ou talvez duplo-e-meio.
Primeiro, a zona do euro tem sofrido pelo menos os primeiros estágios da estagnação secular, na qual a região está entrando com uma taxa de inflação que é metade da meta do Banco Central Europeu e ainda mais abaixo de onde deveria estar a meta. Sair deste problema de “desinflação” de fato exige um impulso fiscal.
Em segundo lugar, os preços relativos e os custos trabalhistas ainda estão desajustados na Europa, com o Sul da Europa ainda precisando de uma desvalorização interna que seria muito mais fácil se a Alemanha estivesse crescendo e experimentando uma inflação maior.
Em segundo lugar e meio: este ainda é um problema bancário que certamente requer novas injeções de recursos públicos.
Mas a Alemanha quer atingir excedentes e deseja que todo mundo também faça a mesma coisa. A política fiscal rigorosa do país contribui diretamente para um enfraquecimento da demanda global em toda a Europa, e a escassez de falcões (líderes que assumem uma postura dura diante do risco de alta da inflação) entre seus líderes é uma razão importante para explicar por que outros países europeus com custos baixos de empréstimos ainda perseguem a austeridade.
Além disso, o aperto fiscal alemão significa que o processo de expansão e inflação que deve propiciar a desvalorização interna no Sul – que, por sinal, seria a contrapartida ao processo de expansão e inflação do Sul entre 2000 e 2007, que tirou a Alemanha de seu marasmo no fim da década de 90 – não está acontecendo. E isto força uma austeridade contínua ao Sul da Europa.
Finalmente, do modo como eu entendo a questão, a Alemanha está basicamente exigindo um resgate dos credores privados quando o assunto é a salvação de bancos, em grande parte para impedir ainda mais novos empréstimos do governo, o que às vezes é uma boa idéia, mas no momento está perpetuando a já fervente crise bancária.
Ou seja, a obsessão fiscal da Alemanha tem uma espécie de efeito multiplicador sobre a Europa e, indiretamente, sobre o mundo, que é desproporcional até para a estatura econômica da Alemanha. E isso me leva a pensar se toda a mudança radical na opinião da elite que temos visto vai acabar bem, uma vez que o governo que mais precisa mudar suas políticas não está escutando.
© 2016 The New York Times