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A mídia vai pra cima de Clinton, mas dá um desconto para Trump

O último mês foi uma época desgraçada para as empresas de mídia, com chamada em cima de chamada, e relatório atrás de relatório, sobre os supostos escândalos de Clinton que, obviamente, eram um X-Nada. Tudo isso criou uma “aura de escândalo” ao redor de Hillary Clinton, ainda que, como Greg Sargent do Washington Post notou […]

 (Reuters/Reuters)
(Reuters/Reuters)
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Paul Krugman

Publicado em 19 de setembro de 2016 às, 14h12.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h42.

O último mês foi uma época desgraçada para as empresas de mídia, com chamada em cima de chamada, e relatório atrás de relatório, sobre os supostos escândalos de Clinton que, obviamente, eram um X-Nada. Tudo isso criou uma “aura de escândalo” ao redor de Hillary Clinton, ainda que, como Greg Sargent do Washington Post notou recentemente, os eleitores não conseguissem citar casos específicos quando questionados.

Enquanto isso, a mídia continuou com seu inacreditável registro de minimizar o extremismo de Donald Trump e seus muitos escândalos de verdade.

Meu palpite é que isso aconteceria mesmo que a Sra. Clinton não tivesse usado um servidor privado para o e-mail dela no Departamento de Estado. Por um lado, o escândalo dos e-mails sempre foi uma história obviamente – obviamente! – banal, de maneira que a esmagadora pressão da mídia refletiu um desejo de ir para cima da Sra. Clinton, e não algo objetivo. E o modo como a Fundação Clinton – aquela que, você sabe, salva vidas de crianças – foi retratada negativamente mostra que, se não fosse pelos e-mails, a imprensa teria achado alguma outra coisa para fingir que era um escândalo.

A boa notícia, eu acho, é que nós talvez tenhamos chegado a alguma espécie de hora da virada.

Matt Lauer pode ter feito a todos nós um favor com sua performance catastroficamente ruim moderando o recente encontro entre os candidatos em Nova York. Por um lado, ao dedicar tanto tempo aos e-mails da Sra. Clinton e se apressar durante os comentários dela sobre o Estado Islâmico, enquanto por outro deixava a mentira do Sr. Trump sobre a guerra do Iraque passar incontestável, o Sr. Lauer deu uma demonstração tão visível dos dois pesos e duas medidas que foi difícil ignorá-la.

Mas não foi só o Sr. Lauer: Eu acredito que o acúmulo de exemplos realmente ruins possa ter finalmente chegado a uma massa crítica.

Ou seja, talvez isto marque um momento decisivo. Não estou dizendo que a Sra. Clinton será, ou deveria ser, isenta de críticas. Tudo de que ela e o país precisam são jornalistas que descrevam as coisas como elas são de fato, e que não finjam que a falibilidade humana dela é tão mau ou pior que o histórico péssimo comportamento do Sr. Trump e de sua promessa de que há mais por vir.

Por outro lado, talvez nada tenha sido aprendido. Pode ser que o primeiro debate presidencial seja repleto de perguntas sobre os e-mails, enquanto o Sr. Trump terá permissão para mentir livremente. Se for assim, lamentemos pela América.

Por que a mídia é tão objetivamente pró-Trump?

Não tem nem a ver com falsa equivalência: Compare o volume da atenção dada à Fundação Clinton, apesar da ausência de qualquer prova de irregularidades, com a atenção dada à Fundação Trump, que se envolveu em um certo tipo de suborno aberto, mas mal chamou a atenção no noticiário.

A Sra. Clinton também foi incessantemente assediada quanto a seu fracasso em realizar coletivas de imprensa, mesmo que estivesse concedendo diversas entrevistas. O Sr. Trump violou décadas de tradição ao se recusar a divulgar sua declaração de imposto de renda em meio a uma forte suspeita de que está escondendo alguma coisa, mas a imprensa simplesmente abandonou o assunto.

Brian Beutler, do The New Republic, recentemente argumentou que no fundo a questão tem a ver com a imprensa protegendo seus próprios interesses – a saber, acesso. Mas eu não acho que acabe aí. Isso não explica por que os e-mails de Clinton se tornaram uma história sem fim, enquanto o desaparecimento de milhões de e-mails do Presidente George W. Bush não. Além disso, a revelação de que Colin Powell, o ex-secretário de Estado, efetivamente deu conselhos à Sra. Clinton sobre como usar um e-mail particular do modo como fez não foi sequer noticiada por alguns dos principais veículos de comunicação.

Além disso, não vejo de que maneira a grita sobre a Fundação Clinton – que “levantou questões”, embora a mídia estivesse completamente indisposta a aceitar as respostas que encontrou – se encaixa de algum modo no argumento do Sr. Beutler.

Não. É algo específico sobre as Regras de Clinton. Eu não entendo mesmo, mas passa a sensação de uma turma de colégio fazendo bullying com um colega de classe nerd porque é a coisa legal a se fazer.

Como eu temia, parece que as pessoas que fizeram alarde sobre os não-escândalos agora estão empenhadas em um esforço extremo para escavar ou inventar sujeiras que justifiquem sua hostilidade anterior a Clinton.

Difícil acreditar que tal mesquinharia possa ter consequências aterradoras. Mas eu estou bem assustado.

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