A ilusão dos desequilíbrios comerciais
Além de o tuíte recente do presidente Trump sobre o comércio entre a Alemanha e os Estados Unidos ser injusto foi, desnecessário dizer, profundamente estúpido e destrutivo. Ele obviamente não entende como funciona a União Europeia – é uma associação alfandegária, portanto, não existe algo como uma política de comércio bilateral. Ele também acha que […]
Publicado em 13 de junho de 2017 às, 12h24.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h00.
Além de o tuíte recente do presidente Trump sobre o comércio entre a Alemanha e os Estados Unidos ser injusto foi, desnecessário dizer, profundamente estúpido e destrutivo. Ele obviamente não entende como funciona a União Europeia – é uma associação alfandegária, portanto, não existe algo como uma política de comércio bilateral.
Ele também acha que balanças comerciais bilaterais são um teste de imparcialidade, o que também é errado. De um modo um tanto irritante, existe um problema real espreitando por trás disso tudo: o exagerado excedente geral da Alemanha, o resultado de gastos inadequados e deflação na sequência da crise do euro. Porém, insultar um aliado-chave com base em argumentos falaciosos não é jeito de ajudar com essa questão.
Mas deixem pra lá tudo isso. Eu me vi pensando sobre os motivos do fato implícito: a Alemanha efetivamente tem um enorme excedente bilateral com os Estados Unidos, exportando cerca de duas vezes e meia para nós tanto quanto nós vendemos em troca. Por quê?
É um pouco surpreendente, mas não há muita literatura econômica sobre as causas dos desequilíbrios comerciais bilaterais. Donald Davis e David Weinstein, economistas da Universidade de Columbia, publicaram uma bela análise empírica em 2002, que concluiu que as explicações padrão não esclareciam muita coisa, e que em geral havia muito mais desequilíbrio no mundo do que “deveria” existir (leia o trabalho deles aqui). Ainda assim, eu considero interessante (embora talvez não seja importante) perguntar o que nós podemos dizer sobre as razões desse desequilíbrio particular.
Como dizem os Srs. Davis e Weinstein, uma hipótese para os desequilíbrios é macroeconômica: Países que economizam mais do que investem vão administrar excedentes, e países que investem mais do que economizam vão comandar déficits. Ou seja, quando um grande poupador negocia com um grande gastador, é de se esperar que haja grandes desequilíbrios. E isso é certamente parte da história.
Mas não é tudo. Em geral, a Alemanha exporta cerca de 25% mais do que importa, enquanto a América importa cerca de 50% mais do que exporta. O desequilíbrio bilateral é muito maior do que qualquer um desses.
A outra história que os Srs. Davis e Weinstein contam é sobre o “comércio triangular”. Aqui vai minha versão: Imagine um mundo que contenha três países – Moderópolis, Austéria e Petrostão. Os dois primeiros vendem principalmente bens manufaturados, que são produtos diferenciados, de modo que há bastante comércio de duas vias. Contudo, Moderópolis também produz um bocado de matéria-prima (por meio de fracking, por exemplo), o que a torna relativamente menos dependente de importações.
O que nós esperaríamos ver aqui, mesmo que o comércio geral de cada país estivesse equilibrado, seria um padrão de desequilíbrios bilaterais: Austéria administrando um déficit com o Petrostão; Moderópolis criando um excedente com o Petrostão; porém, a Austéria gerando um excedente com Moderópolis. Agora pense neste efeito sobreposto aos desequilíbrios macroeconômicos, e você tem algo que se parece mais com a história bilateral EUA-Alemanha propriamente dita.
Mas calma, tem mais. Eu desconfio que parte do desequilíbrio bilateral seja uma ilusão de ótica, provocada pelo transbordamento. Se você examinar com um pouco mais de atenção os dados comerciais americanos, vai descobrir que nós realizamos um tremendo volume de negócios com a Holanda, e nós administramos um grande excedente nesta negociação. Nós temos um grande excedente com a Bélgica também. Certamente isso representa exportações que são desembarcadas em Roterdã ou na Antuérpia, e então despachadas para outros destinos na União Europeia, inclusive a Alemanha. Não tenho certeza do porquê de as exportações alemãs nos EUA não percorrerem o mesmo trajeto; perspectivas de pessoas do meio são bem-vindas.
De novo, a relevância política é basicamente nula. Mas pode ser uma boa ideia ter mais pesquisas sobre desequilíbrios comerciais bilaterais, no mínimo para tornar o trabalho de xingar os tuítes do Sr. Trump ainda mais fácil.