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A confiança das empresas se desintegrou?

A queda na confiança começou no fim do ano passado, quando ficou claro que Trump estava falando sério sobre lançar uma guerra comercial com a China

DONALD TRUMP: a verdade é que mesmo os pessimistas esperavam que o corte de impostos trouxesse algo bom  (Carlos Barria/Reuters)
DONALD TRUMP: a verdade é que mesmo os pessimistas esperavam que o corte de impostos trouxesse algo bom (Carlos Barria/Reuters)
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Paul Krugman

Publicado em 6 de novembro de 2019 às, 18h27.

Última atualização em 6 de novembro de 2019 às, 18h47.

Na última primavera o presidente Trump e a as pessoas ao redor dele provavelmente acharam que tivessem um caminho relativamente livre para a reeleição em 2020.

Por um lado, parecia que Trump tinha vencido a ameaça de um escândalo politicamente fatal. O tão esperado relatório Mueller sobre a intervenção russa na eleição caiu com um ruído oco; os detalhes eram condenatórios, mas na essência o documento não teve impacto político algum.

Ao mesmo tempo, Trump estava convencido de que poderia concorrer sustentado por uma economia americana em crescimento. Não importa que as declaração dele sobre ter obtido o melhor resultado econômico da história da humanidade fossem facilmente refutadas; a realidade parecia boa o bastante para vendê-la como uma grande história de sucesso.

Quanta diferença alguns meses fazem.

Todo mundo está acompanhando a história do impeachment, e eu não tenho muito mais a acrescentar a não ser um aviso: Em todas as etapas do processo, os republicanos se mostraram dispostos a adotar um comportamento incrivelmente ruim. Será que alguém poderia prever a recente tentativa de interromper fisicamente o inquérito da Câmara? O ponto é que, à medida que o cerco se fecha, é provável que a resposta do Partido Republicano seja mais feia do que qualquer um consegue imaginar.

O que vem recebendo menos atenção, e é até compreensível, é o modo como a narrativa econômica de Trump está desmoronando.

Para ser justo, o estado geral da economia americana ainda é bastante bom. O desemprego está muito baixo e o crescimento de empregos é contínuo. E embora em algum momento vá haver uma recessão nacional – ainda não aboliram o ciclo econômico -, não está de todo claro se nós teremos uma antes da eleição do ano que vem.

Contudo, partes importantes da economia estão ficando para trás. A produção industrial está em queda comparada aos números do ano passado; combinada à fraqueza no setor de transportes e ao período bastante difícil do setor agrícola, cerca de um quinto da economia está de fato em recessão. Em especial, o emprego na indústria vem caindo em Michigan, Wisconsin e Pennsylvania, estados que escolheram Trump por pequenas margens em 2016, dando a ele a vitória no colégio eleitoral apesar dele ter perdido no voto popular.

Além disso, o crescimento geral, ainda que positivo, está definitivamente diminuindo: os “nowcasts” (neologismo que combina as palavras “previsão” e “agora”, em inglês; em português, seria algo como “já-visão”), que usam dados parciais para estimar o que os dados econômicos vão mostrar quando forem divulgados oficialmente, sugerem uma economia crescendo a um ritmo anual nada impressionante de menos de 2%. Como as eleições dependem mais de fatores como o índice de crescimento da economia do que de coisas como o nível do desemprego – que ainda estava acima de 7% quando o presidente Ronald Reagan ganhou de lavada em 1984 -, esta não é uma boa notícia para os republicanos.

E, talvez algo ainda mais significativo, está havendo uma queda dramática, quase uma desintegração, da confiança das empresas.

Pode-se ver essa ruína de várias maneiras. Uma delas é por meio das pesquisas com executivos de negócios, que passaram os dois primeiros anos de Trump se posicionando de modo bastante agressivo, e que agora têm se mostrado notavelmente pessimistas.

Também pode-se ver a queda no mercado de títulos, um indicador muito melhor das expectativas econômicas do que o mercado de ações. As taxas de juros de longo prazo tendem a ser maiores quando os investidores esperam uma economia em ascensão, em que a diretoria do Federal Reserve vá segurar o dinheiro para impedir a inflação; elas tendem a ser baixas quando os investidores esperam uma fraqueza econômica prolongada, além de notarem dinheiro fácil até onde a vista alcança.

Fora que as taxas dos títulos de 10 anos deram um mergulho, de mais de 3% no ano passado para 1,75% enquanto escrevo isto. A última vez que vimos esse tipo de baixa foi entre 2010 e 2011, quando os investidores enfim entenderam que a recuperação da Grande Recessão seria lenta e dolorosa, e não uma reprise de “Morning in America” (título do jingle da campanha presidencial de Ronald Reagan em 1984).

Então, o que aconteceu com a explosão de Trump? A queda na confiança começou no fim do ano passado, quando ficou claro que Trump estava falando sério sobre lançar uma guerra comercial com a China; continuou à medida que mais evidências se juntaram à impressão de que o corte de impostos de 2017 foi um grande traque, que basicamente nada fez para estimular os investimentos das empresas e no melhor dos casos trouxe apenas um breve pico de insulina para o crescimento geral.

Porém, a verdade é que mesmo os pessimistas esperavam que o corte de impostos trouxesse algo bom, e a guerra comercial menos mal, do que os dois eventos de fato causaram. Por que as coisas acabaram tão mal? Uma resposta, em que eu tendo a acreditar, é que além dos efeitos diretos nas exportações americanas e nas empresas que dependem de fornecedores chineses, a guerra comercial está criando uma incerteza destrutiva. As empresas que dependem de uma cadeia global de fornecedores não vão investir por medo de que a guerra comercial piore ainda mais; por outro lado, as empresas que poderiam se posicionar para substituir importações também não vão investir, por receio de que Trump vá recuar em algum momento.

Eu suspeito de que ainda haja mais nessa história. Os interesses empresariais passaram um bom tempo em negação, mas agora até mesmo eles estão encarando a realidade de que Trump e sua equipe são pessoas muito esquisitas que não têm a menor noção do que estão fazendo – além da incerteza sobre o que uma realidade dessas pode significar.

O que quero dizer é que, quando se considera que um embate comercial com a China é o principal ponto da política econômica de Trump, não é nada tranquilizante descobrir que o czar da guerra comercial de Trump, Peter Navarro, tem um amigo imaginário – uma fonte chamada “Ron Vara”, a quem ele tem citado repetidas vezes em seus livros mas que não existe, e cujo nome é na verdade apenas um anagrama de “Navarro”.

A eleição do ano que vem deveria ser sobre a traição de Trump a seu juramento de posse. Em termos realistas, porém, também deve fazer toda diferença a economia provavelmente não estar do lado dele.

Uma versão deste artigo foi publicada no dia 25 de outubro de 2019.