Por que a eleição americana é tão importante para o mundo?
Para Maria Claudia Guimarães da BRAINVEST, a economia americana ainda comanda o mundo
Publicado em 4 de março de 2024 às, 16h52.
Por Maria Claudia Guimarães*
Quando Biden, em sua recente negociação com o Congresso por mais recursos para reforço militar nas guerras da Ucrânia e Israel, fez a argumentação de que esses recursos eram positivos para os Estados Unidos porque a maior produção bélica em território americano geraria empregos e aqueceria a economia do país, fiquei surpresa com tamanha transparência, virtude tão rara no ambiente dos politicamente corretos. Custo a crer que o processo eleitoral venha com o mesmo nível de transparência. Vamos durante o ano assistir a um espetáculo eleitoral sangrento e dissimulado. Muita coisa está em jogo, o jogo do poder, que pouco se importa com a vida cotidiana dos americanos.
E por que precisamos acompanhar? Simplesmente porque, apesar do crescimento explosivo da China e de tudo que se fala da força do Império do Meio e seu caminho em direção à liderança global, a economia americana ainda comanda o mundo, um mundo hoje muito mais globalizado que no passado.
O resultado da eleição americana deste ano, a exemplo do que vivemos aqui em 2022, tende a eleger o candidato com menor rejeição em um contexto de polarização extrema, contexto este nada positivo para a democracia americana - referência para as demais democracias do mundo. O próprio processo eleitoral que assistiremos durante este ano vai chacoalhar o mundo algumas vezes. Discursos inflamados, agressivos, com anúncios, promessas e ameaças que talvez nunca se materializem, mas que reforçam a polarização na busca insana pelo poder, serão ameaça constante à nossa paz.
Adoraria que os Estados Unidos revivessem algumas de suas experiências democráticas históricas nas quais Republicanos e Democratas se uniram em prol da federação. Mas, desta vez, infelizmente, isso parece muito improvável. Enquanto um lado quer priorizar questões sociais prementes, o outro está focado na necessidade de arrumar as finanças do país que estão esgarçadas de forma insustentável. É claro que esses pontos se conversam. Afinal, finanças organizadas são condição precedente para uma atuação social mais forte. Mas, o diálogo não interessa ao processo acirrado de disputa pelo poder.
São muitas as questões que estão em jogo: atuação dos Estados Unidos na guerra da Ucrânia e consequente posicionamento em relação à Rússia; atuação na guerra entre judeus e palestinos; evolução da guerra comercial e tecnológica com a China; posicionamento em relação a Taiwan; encaminhamento de alianças e rupturas no oriente médio; convivência com o ciclo de expansão indiano; suporte aos países europeus; posicionamento em relação aos BRICS, à NATO, dentre muitos outros aspectos da geopolítica global. Somam-se a isso as questões internas que não são poucas. A desigualdade de renda, o aumento da imigração, a violência urbana, a precariedade do sistema de saúde, a desatualização da infraestrutura, a transição energética e por aí vai. Toda e qualquer decisão do presidente eleito sobre esses temas terá reflexo nas contas governamentais e, portanto, na situação fiscal americana.
Hoje, a dívida total dos Estados Unidos (governo, empresas e pessoas físicas) está em 281% do PIB, a inflação está em 3,09% e o núcleo em 3,9%, a taxa de juros está em 5,375% e o PIB deve crescer 1,5% em 2024. Portanto, a situação do governo americano com uma dívida de USD 35 Trilhões é delicada. Para que essa dívida reduza, é importante que o crescimento do PIB seja superior aos juros reais, ou seja, o PIB deve crescer no mínimo 2,4% - isso assumindo déficit zero e tudo o mais constante. Entretanto, se assumirmos a pressão por mais despesas e a resistência para o aumento de receitas, o PIB americano precisaria crescer bem mais para viabilizar a redução da dívida.
Tentando olhar o copo meio cheio, a economia americana tem historicamente sido capaz de se reinventar. Apesar de todo o aumento do juro americano (de 0,125% para 5,375%), a economia cresceu 3,3% em 2023 e a recessão, há 1 ano esperada, ainda não apareceu. A inteligência artificial está vindo com força e tende a ter um impacto elevado na produtividade americana derivando em mais crescimento nos próximos anos. Tomara que, apesar de toda a pressão para gastos, os Estados Unidos consigam efetivamente reduzir a dívida e defender do dólar, reserva de valor dos investidores. Afinal, esse tem sido o porto-seguro para os poupadores do mundo. Não vejo outra moeda que possa substituir o dólar como reserva de valor no horizonte previsível. Não podemos esquecer que a China tem seus muitos problemas também e sua dívida total está em 271% do PIB. Falar em Renminbi como reserva de valor? Vou repetir aqui o que disse em minha última pílula semanal a nossos investidores: “imagine aquele jogo em que você pode ficar trocando de moedas o tempo todo enquanto a música toca mas quando ela para, acabou o jogo e cada um fica com as moedas que tem, e só vai conseguir acessar bens e serviços do país emissor dessa moeda. Melhor ainda, se imagine morando nesse país.”
*Maria Claudia Guimarães é sócia da BRAINVEST Wealth Management e fundadora da Baobá Investimentos, além de Conselheira do Banco Patria Spac. Anteriormente, atuou como membro do Conselho da Petrobras, membro do Comitê de Auditoria da Petrobras, presidente do Comitê de Sustentabilidade da Petrobras, membro do Conselho da Constellation Oil Services em Luxemburgo, diretora administrativo do Bank of America Merrill Lynch Investment Banking e ocupou outros cargos seniores no ING, BankBoston e ABN AMRO.
Experiência de 36 anos no mercado financeiro, atuou também em Mercado de Capitais de Ações e Dívidas, M&A, Private Equity, Finanças Corporativas, Gestão de Riscos, Reestruturação de Dívidas, Financiamento Estruturado, Project Finance e Gestão de Patrimônios.
Possui certificação CGA da ANBIMA; MBA pela COPPEAD – Universidade Federal do Rio de Janeiro; Formada em Engenharia na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro