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Meu investimento ou captação de recursos não respeita a lei e eu não sabia. O que fazer?

Seu processo de captação de recursos junto a “quaisquer” investidores respeita a lei? Entenda sobre o Teste Howey e os CIC

 (Getty Images/Reprodução)
(Getty Images/Reprodução)

Por Jair Lemes*

Para que seja considerado um “contrato de investimento” com base no Teste Howey, assume-se que existe um contrato de investimento em uma empresa com uma expectativa razoável de que os lucros sejam derivados dos esforços de outros.

O teste aplica-se a qualquer contrato ou transação. O Teste Howey é importante para analisar projetos em tokens digitais ou de outros segmentos, a exemplo do setor imobiliário. Certas criptomoedas, Ofertas Iniciais de Moedas (ICOs) e veículos de captação de recursos para mercado imobiliário podem atender à definição de um "contrato de investimento" sob o teste Howey.

Principais características do teste:

  • O Teste Howey determina o que se qualifica como um "contrato de investimento", que por sua vez, é sujeito às regras dos mercados de valores mobiliários, ou seja, regulamentado;
  • Existe um contrato de investimento há investimento em uma empresa com uma expectativa razoável de que os lucros sejam derivados dos esforços de outros;
  • Certas criptomoedas, ofertas iniciais de moedas (ICOs) e empreendimentos imobiliários podem atender à definição de um "contrato de investimento" sob o Teste Howey.

Um contrato de investimento é:

  1. Um investimento de dinheiro;
  2. Em uma empresa;
  3. Com a expectativa de lucro;
  4. Que derivado dos esforços de terceiros.

Perguntas frequentes sobre o teste Howey

Como você determina se algo é um título de valor mobiliário?

Nos EUA, a Suprema Corte usa o Teste Howey para determinar se certas transações qualificam-se como "contratos de investimento". Se as transações qualificam-se como "contratos de investimento", sob a Lei de Valores Mobiliários, essas transações são consideradas valores mobiliários.

O Teste Howey tenta determinar se há um "investimento de dinheiro em uma empresa com uma expectativa razoável de que os lucros sejam derivados dos esforços de outros". Em caso afirmativo, a transação está sujeita a requisitos de divulgação e registro sob a Lei de Valores Mobiliários dos EUA.

Como a SEC – “Security and Exchanges Comission” (equivalente a CVM dos EUA) define um TVM (Título de Valor Mobiliário)?

Os “Títulos de Valores Imobiliários” são instrumentos financeiros fungíveis e transacionáveis usados para levantar capital nos mercados público e privado. A distribuição (venda) de valores mobiliários é regulamentada pela SEC.

No Brasil:

O teste Howey também é realizado por nosso órgão regulador, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários.

Coloco algumas análises “entre aspas”, que encontrei através de pesquisas, e são importantes para avançarmos no conceito ao longo do artigo.

“Novas tecnologias são meios e não fins em si mesmas. Em muitos casos, a novidade consiste em uma nova roupagem para algo que, em essência, já existia no mercado. Esse fato não desmerece a tecnologia – que, dentre outros benefícios, indiscutivelmente ampliou o acesso dos investidores a produtos e permitiu que muitos serviços passassem a ser prestados de modo melhor ou menos custoso – mas recomenda cautela ao regulador. Muitos dos conceitos-chave da regulação do mercado de capitais foram concebidos de modo propositadamente aberto e, por isso, servem, também, para os produtos e serviços que surgem junto com as novas tecnologias.”

Fonte: PAS CVM no 19957.000592/2019-15, j. em 02.07.2020, Dir. Rel. Gustavo Gonzalez A Lei no 6.385/1976, depois de alterada no fim da década de 90, passa a se valer de uma dupla estratégia sendo a primeira a Lista dos TVMs típicos e a segunda o Conceito Aberto).

Lista com alguns dos valores mobiliários (TVMs típicos):

  • Ações;
  • Debêntures;
  • Bônus de subscrição;
  • Cotas de fundos de investimento em valores mobiliários;
  • Cotas de clubes de investimento;
  • Notas comerciais;
  • Contratos derivativos;
  • Outros TVMs.

Também devemos levar em consideração o conceito aberto:

Contratos quando ofertados publicamente ou quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advém do esforço do empreendedor ou de terceiros serão considerados oferta de valores mobiliários sob o conceito aberto.

“Esse conceito (contrato de investimento coletivo - CIC) representou verdadeira revolução na regulação do mercado de valores mobiliários - muito embora não se tenha atentado para toda a sua extensão, pois significa o abandono de uma concepção fechada de valor mobiliário, para a adoção de uma concepção funcional-instrumental do que seria valor mobiliário, acabando por alargar sobremaneira sua definição, bem como a competência da CVM. Incorporou-se, então, na realidade brasileira substancialmente o conceito de ‘security’ do direito norte-americano, sem maiores inovações, o que não significa nenhuma crítica, neste particular.”

PA CVM no RJ2003/0499, j. em 28.08.2003, Dir. Rel. Luiz Antonio Sampaio Campos

Alguns exemplos de CIC (Contrato de Investimento coletivo):

  • Participação em direitos de jogadores de futebol (PA CVM n RJ2014/11253);
  • Empreendimentos condo-hoteleiros (PA CVM no 19957.004122/2015-99);
  • Investimento em frações de tempo em empreendimento imobiliário estruturado sob o modelo de multipropriedade - time sharing (Processo Administrativo CVM);
  • Investimento em estacionamento/ Vagas de garagem (PAS CVM no
  • 006343/2017-63, Dir. Rel. Carlos Alberto Rebello Sobrinho, j. em 07.05.2019;
  • Eco empreendedorismo em modelo de marketing multinível (PAS CVM no voto vencedor Dir. Gustavo Gonzalez).

O conceito de Contrato de Investimento Coletivo pode abarcar negócios com diversos formatos nos mais variados setores. Com efeito, a diversidade de ativos e projetos nos quais os recursos captados mediante ofertas de contratos de investimento coletivo foram investidos no passado, é prova eloquente de que a destinação dos recursos, isoladamente considerada, é fator de pouca ou nenhuma relevância para a análise acerca da existência de um CIC. Os jogadores de futebol certamente não são valores mobiliários, assim como não são quartos de hotel e vagas de garagem, para ficar apenas em alguns dos exemplos mais típicos no Brasil.

Do mesmo modo, o local onde o empreendimento será́ desenvolvido tende a ser irrelevante para o exame. As oportunidades de investimento ofertadas em Howey continuariam a ser valores mobiliários, caso os jogadores não estivessem na Europa, mas em São Paulo, assim como a busca da poupança brasileira para um investimento coletivo na engorda de boi pode configurar um contrato de investimento coletivo. PAS CVM no 19957.007994/2018-51, j. em 09.06.2020, Dir. Rel. Gustavo Machado independentemente do local em que o gado irá pastar.

Pode haver contrato de investimento coletivo mesmo quando a totalidade dos recursos captados é aplicada em outro país na criação, desenvolvimento ou aquisição de ativos ou atividades que não estão sujeitos à disciplina da CVM.

Afinal de contas, o conceito tem natureza instrumental e o regime mobiliário não busca proteger jogadores, quartos de hotéis, bois ou “criptoativos”, mas a poupança brasileira.”

Fonte: PAS CVM no 19957.007994/2018-51, j. em 09.06.2020, Dir. Rel. Gustavo Machado

Proteger a poupança brasileira significa proteger os investidores em geral.

“A caracterização de determinado produto como um contrato de investimento coletivo não depende de previa manifestação da CVM, mas da sua subsunção aos requisitos do chamado Howey Test.”

Fonte: PAS CVM no 19957.006343/2017-63, j. em 07.05.2019, voto vencedor Dir. Gustavo Gonzales

A participação do investidor não descaracteriza o contrato de investimento coletivo, desde que os esforços do empreendedor ou de terceiros sejam predominantes.

Para saber mais sobre como fazer captação de recursos ou se o seu investimento respeita as regras do mercado de capitais, por vídeos e explicações deste que vos escreve, acesse aqui.

*Jair Lemes (CFA) é Diretor de Gestão e CEO da Brava Capital, apresentador do quadro Capital Inteligente e Professor de Finanças na CFA Society Brasil. É administrador com MBA pela FIA / USP e Mestrado Profissionalizante em Gestão e Economia pela (ESA) IAE Université Pierre Mendès da França. Iniciou sua carreira em seguros na empresa espanhola Mapfre. Trabalhou em países como Japão e Reino Unido no setor de telecomunicações e tecnologia. Trabalhou no Citibank nas áreas Operacional e de Produtos enquanto ao mesmo tempo lecionava em universidade.