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Cyril Ramaphosa conseguirá pôr a África do Sul no caminho do crescimento?

Apesar de o partido do líder sul-africano ter vencido as eleições parlamentares com folga, será difícil para o governo promover a recuperação econômica

ÁFRICA DO SUL: Uma década de renda estagnada, desemprego crescente e uma série de revelações sobre irregularidades comerciais e corrupção alimentaram o descontentamento público nas eleições do país (Rogan Ward/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 27 de maio de 2019 às 13h45.

Última atualização em 28 de maio de 2019 às 06h57.

Cidade do Cabo – O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, levou seu partido, o ANC (Congresso Nacional Africano a uma confortável vitória nas eleições parlamentares do país no início deste mês. Porém, arquitetar a recuperação econômica de que a África do Sul precisa é algo muito mais difícil.

É verdade que os bancos do país resistiram às tensões da recessão de 2008-2009 e o Banco da Reserva da África do Sul manteve a inflação dentro ou perto de uma meta de 3-6% nos últimos 20 anos. Mas uma década de renda estagnada, desemprego crescente e uma série de revelações sobre irregularidades comerciais e corrupção oficial alimentaram um generalizado descontentamento público. Não é de se admirar, portanto, que a parcela de votos do ANC e seu principal rival da oposição, a Aliança Democrática (DA), tenha caído em meio a um declínio acentuado no comparecimento eleitoral e aumento do apoio aos partidos nacionalistas de esquerda e de direita.

Além disso, o novo governo liderado pelo ANC terá pouco espaço para oferecer incentivos fiscais. A dívida do governo está subindo em comparação ao PIB, as notas de crédito do país estão sob escrutínio crítico e enormes déficits nos balanços das empresas estatais estão pressionando as finanças públicas.

O plano de crescimento do governo deve, portanto, ir além da ideologia partidária do ANC e das estreitas ortodoxias. Deve enfatizar o investimento do setor privado, juntamente com reformas políticas consistentes e confiáveis, bem como objetivar a redistribuição de renda. E um acordo sobre os principais elementos desse plano entre uma ampla gama de líderes políticos e outras partes interessadas será crucial para o sucesso.

Um programa de pesquisa financiado pelo governo sobre emprego e crescimento inclusivo, gerenciado pela Universidade da Cidade do Cabo da África do Sul por sua Unidade de Pesquisa de Desenvolvimento do Trabalho, recentemente delineou várias prioridades possíveis. A ideia central, segundo Ravi Kanbur, da Universidade de Cornell, é uma “ grande barganha ” que equilibre, a curto prazo, a criação de empregos e o crescimento com profundas  reformas estruturais a longo prazo.

O investimento em infraestrutura urbana e o desenvolvimento da cidade devem ser prioridades imediatas, porque a pesquisa sugere que estes representam uma importante fonte de mobilidade ascendente e aumento do padrão de vida. Melhorar a infraestrutura básica e os serviços exigirá uma combinação de financiamento público e privado, bem como aprimorada recuperação de custos para serviços urbanos. Mas com um governo nacional liderado pelo ANC, e três das principais cidades da África do Sul sob o comando da AD ou da coalizão, o jogo político pode atrasar o progresso.

Acelerar o investimento na habitação também é vital. Os esquemas habitacionais patrocinados pelo governo e a modernização dos assentamentos informais devem continuar, mas o principal potencial de crescimento está na flexibilização das barreiras ao investimento em habitação privada e ao desenvolvimento cofinanciado. Habitação urbana, propriedade de terra e o crescimento associado de pequenas empresas são caminhos importantes para melhorar a distribuição da riqueza familiar e os padrões de vida. Isso tudo exige iniciativas conjuntas do governo, autoridades municipais, instituições financeiras e desenvolvedores.

Com a taxa de desemprego da África do Sul atualmente acima de 25%, o governo deve tornar a criação de empregos um elemento central de suas políticas industriais e de desenvolvimento urbano. Agricultura, turismo, serviços de reparo e manutenção e mais indústrias de mão de obra intensiva, todos têm potencial de crescimento. Mas, como Jim O’Neill e Raghuram Rajan argumentaram recentemente, os investimentos em áreas geográficas e em desenvolvimento comunitário têm maior probabilidade de gerar produtividade duradoura e ganhos empresariais do que o apoio setorial direcionado de forma restrita.

O novo governo também deve considerar mudanças regulatórias e permitir medidas para apoiar o emprego informal e o crescimento de pequenas empresas, e também deve reforçar a política de concorrência para combater o poder de mercado dos operadores históricos. O próprio Ramaphosa, por sua vez, endossou com razão uma iniciativa de “serviço de emprego juvenil” liderada pelo empresariado: isso precisa ser expandido rapidamente como uma parceria público-privada.

Ao abordar estas prioridades imediatas, o novo governo também deve avançar com reformas destinadas a fortalecer a economia a longo prazo. Três medidas se destacam.

Primeiro, o maior desafio da África do Sul é restaurar a saúde financeira da Eskom, seu monopólio de eletricidade verticalmente integrado. Os longos atrasos na reestruturação do setor energético, funcionários em demasia, custos excessivos, especificações técnicas equivocadas na construção de novas usinas termoelétricas a carvão e falhas sistêmicas de governança levaram a concessionária estatal à beira da falência. O refinanciamento em larga escala deve ser negociado, juntamente com uma reorganização empresarial que traga concorrência e incentivos de mercado para o setor de geração de energia. As tarifas de eletricidade devem aumentar, e as deficiências na cobrança das receitas municipais precisam ser resolvidas.

A reestruturação necessária será complexa, dispendiosa e contenciosa. Mas, se for bem-sucedida, será um longo caminho para restaurar a confiança no governo e nas perspectivas econômicas da África do Sul.

Em segundo lugar, o novo governo planeja iniciar as reformas do seguro social com o objetivo de fornecer abrangente segurança de renda e cobertura universal de saúde. Essas mudanças incluem alterações no equilíbrio entre poupança privada e planos de seguro saúde e o financiamento obrigatório dos benefícios compulsórios legais. Elas também envolvem alterações substanciais na maneira como a redistribuição fiscal funciona. A África do Sul passaria do financiamento –“orçado” de apoio à renda em função da comprovação dos recursos orçamentários, para os pobres e provisão pública de serviços de saúde para os não segurados – a programas universais de proteção de renda e acesso a cuidados com a saúde.

Essas reformas de longo prazo são necessárias para reforçar a solidariedade e reduzir a desigualdade, como também para complementar a urbanização e a modernização. Mas o fortalecimento institucional requerido é enorme e o sequenciamento das reformas requer análise e consideração cuidadosas.

Finalmente, o novo governo precisa revitalizar a educação, o treinamento e o desenvolvimento de habilidades. Muito do que deve ser feito está bem compreendido. As habilidades básicas de leitura precisam ser ensinadas adequadamente nos primeiros anos, a gestão escolar deve ser melhorada e o setorialmente organizado sistema de treinamento, baseado em arrecadação compulsória deveria ser substituído por entidades de desenvolvimento vinculadas mantidas pelas câmaras de negócios e empregadores locais. Serão necessários padrões e currículos de orientação central, juntamente com uma maior descentralização da gestão para promover a responsabilidade e adaptação às necessidades locais.

Ramaphosa tem uma extensa agenda de reformas econômicas e uma população impaciente por resultados. Sua recente decisão de reativar uma unidade de coordenação de políticas especializadas no gabinete do presidente é um sinal encorajador. Mas ele precisará de habilidade e destreza política para superar a corrupção e a inércia burocrática que atrasam a economia da África do Sul.

Andrew Donaldson, ex-vice-diretor-geral do Tesouro Nacional da África do Sul, é atualmente pesquisador associado sênior na Unidade de Pesquisa sobre Desenvolvimento e Trabalho na África Austral, na Universidade da Cidade do Cabo

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Cidade do Cabo – O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, levou seu partido, o ANC (Congresso Nacional Africano a uma confortável vitória nas eleições parlamentares do país no início deste mês. Porém, arquitetar a recuperação econômica de que a África do Sul precisa é algo muito mais difícil.

É verdade que os bancos do país resistiram às tensões da recessão de 2008-2009 e o Banco da Reserva da África do Sul manteve a inflação dentro ou perto de uma meta de 3-6% nos últimos 20 anos. Mas uma década de renda estagnada, desemprego crescente e uma série de revelações sobre irregularidades comerciais e corrupção oficial alimentaram um generalizado descontentamento público. Não é de se admirar, portanto, que a parcela de votos do ANC e seu principal rival da oposição, a Aliança Democrática (DA), tenha caído em meio a um declínio acentuado no comparecimento eleitoral e aumento do apoio aos partidos nacionalistas de esquerda e de direita.

Além disso, o novo governo liderado pelo ANC terá pouco espaço para oferecer incentivos fiscais. A dívida do governo está subindo em comparação ao PIB, as notas de crédito do país estão sob escrutínio crítico e enormes déficits nos balanços das empresas estatais estão pressionando as finanças públicas.

O plano de crescimento do governo deve, portanto, ir além da ideologia partidária do ANC e das estreitas ortodoxias. Deve enfatizar o investimento do setor privado, juntamente com reformas políticas consistentes e confiáveis, bem como objetivar a redistribuição de renda. E um acordo sobre os principais elementos desse plano entre uma ampla gama de líderes políticos e outras partes interessadas será crucial para o sucesso.

Um programa de pesquisa financiado pelo governo sobre emprego e crescimento inclusivo, gerenciado pela Universidade da Cidade do Cabo da África do Sul por sua Unidade de Pesquisa de Desenvolvimento do Trabalho, recentemente delineou várias prioridades possíveis. A ideia central, segundo Ravi Kanbur, da Universidade de Cornell, é uma “ grande barganha ” que equilibre, a curto prazo, a criação de empregos e o crescimento com profundas  reformas estruturais a longo prazo.

O investimento em infraestrutura urbana e o desenvolvimento da cidade devem ser prioridades imediatas, porque a pesquisa sugere que estes representam uma importante fonte de mobilidade ascendente e aumento do padrão de vida. Melhorar a infraestrutura básica e os serviços exigirá uma combinação de financiamento público e privado, bem como aprimorada recuperação de custos para serviços urbanos. Mas com um governo nacional liderado pelo ANC, e três das principais cidades da África do Sul sob o comando da AD ou da coalizão, o jogo político pode atrasar o progresso.

Acelerar o investimento na habitação também é vital. Os esquemas habitacionais patrocinados pelo governo e a modernização dos assentamentos informais devem continuar, mas o principal potencial de crescimento está na flexibilização das barreiras ao investimento em habitação privada e ao desenvolvimento cofinanciado. Habitação urbana, propriedade de terra e o crescimento associado de pequenas empresas são caminhos importantes para melhorar a distribuição da riqueza familiar e os padrões de vida. Isso tudo exige iniciativas conjuntas do governo, autoridades municipais, instituições financeiras e desenvolvedores.

Com a taxa de desemprego da África do Sul atualmente acima de 25%, o governo deve tornar a criação de empregos um elemento central de suas políticas industriais e de desenvolvimento urbano. Agricultura, turismo, serviços de reparo e manutenção e mais indústrias de mão de obra intensiva, todos têm potencial de crescimento. Mas, como Jim O’Neill e Raghuram Rajan argumentaram recentemente, os investimentos em áreas geográficas e em desenvolvimento comunitário têm maior probabilidade de gerar produtividade duradoura e ganhos empresariais do que o apoio setorial direcionado de forma restrita.

O novo governo também deve considerar mudanças regulatórias e permitir medidas para apoiar o emprego informal e o crescimento de pequenas empresas, e também deve reforçar a política de concorrência para combater o poder de mercado dos operadores históricos. O próprio Ramaphosa, por sua vez, endossou com razão uma iniciativa de “serviço de emprego juvenil” liderada pelo empresariado: isso precisa ser expandido rapidamente como uma parceria público-privada.

Ao abordar estas prioridades imediatas, o novo governo também deve avançar com reformas destinadas a fortalecer a economia a longo prazo. Três medidas se destacam.

Primeiro, o maior desafio da África do Sul é restaurar a saúde financeira da Eskom, seu monopólio de eletricidade verticalmente integrado. Os longos atrasos na reestruturação do setor energético, funcionários em demasia, custos excessivos, especificações técnicas equivocadas na construção de novas usinas termoelétricas a carvão e falhas sistêmicas de governança levaram a concessionária estatal à beira da falência. O refinanciamento em larga escala deve ser negociado, juntamente com uma reorganização empresarial que traga concorrência e incentivos de mercado para o setor de geração de energia. As tarifas de eletricidade devem aumentar, e as deficiências na cobrança das receitas municipais precisam ser resolvidas.

A reestruturação necessária será complexa, dispendiosa e contenciosa. Mas, se for bem-sucedida, será um longo caminho para restaurar a confiança no governo e nas perspectivas econômicas da África do Sul.

Em segundo lugar, o novo governo planeja iniciar as reformas do seguro social com o objetivo de fornecer abrangente segurança de renda e cobertura universal de saúde. Essas mudanças incluem alterações no equilíbrio entre poupança privada e planos de seguro saúde e o financiamento obrigatório dos benefícios compulsórios legais. Elas também envolvem alterações substanciais na maneira como a redistribuição fiscal funciona. A África do Sul passaria do financiamento –“orçado” de apoio à renda em função da comprovação dos recursos orçamentários, para os pobres e provisão pública de serviços de saúde para os não segurados – a programas universais de proteção de renda e acesso a cuidados com a saúde.

Essas reformas de longo prazo são necessárias para reforçar a solidariedade e reduzir a desigualdade, como também para complementar a urbanização e a modernização. Mas o fortalecimento institucional requerido é enorme e o sequenciamento das reformas requer análise e consideração cuidadosas.

Finalmente, o novo governo precisa revitalizar a educação, o treinamento e o desenvolvimento de habilidades. Muito do que deve ser feito está bem compreendido. As habilidades básicas de leitura precisam ser ensinadas adequadamente nos primeiros anos, a gestão escolar deve ser melhorada e o setorialmente organizado sistema de treinamento, baseado em arrecadação compulsória deveria ser substituído por entidades de desenvolvimento vinculadas mantidas pelas câmaras de negócios e empregadores locais. Serão necessários padrões e currículos de orientação central, juntamente com uma maior descentralização da gestão para promover a responsabilidade e adaptação às necessidades locais.

Ramaphosa tem uma extensa agenda de reformas econômicas e uma população impaciente por resultados. Sua recente decisão de reativar uma unidade de coordenação de políticas especializadas no gabinete do presidente é um sinal encorajador. Mas ele precisará de habilidade e destreza política para superar a corrupção e a inércia burocrática que atrasam a economia da África do Sul.

Andrew Donaldson, ex-vice-diretor-geral do Tesouro Nacional da África do Sul, é atualmente pesquisador associado sênior na Unidade de Pesquisa sobre Desenvolvimento e Trabalho na África Austral, na Universidade da Cidade do Cabo

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