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Os museus brasileiros e uma reflexão necessária

Desafios para manutenção do patrimônio nacional demandam cada vez mais atenção à necessidade de se criar parâmetros mais modernos para a gestão pública

MUSEU NACIONAL, RIO DE JANEIRO: há muita dificuldade para obter dados oficiais atualizados sobre a situação dos mais de 3,8 mil museus no Brasil (Fernando Frazão/Agência Brasil)
DR

Da Redação

Publicado em 23 de setembro de 2019 às 15h01.

Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 15h39.

Há um ano, o prédio bicentenário do Museu Nacional era consumido num incêndio. E, neste setembro histórico para o Brasil, outro patrimônio ganha destaque: o Museu do Ipiranga, que após seis anos do seu fechamento deve começar a ser reformado. Mas a população só terá acesso ao espaço em 2022, se tudo correr bem. No final das contas, lá se vai quase uma década perdida, por problemas causados pela falta de manutenção de suas estruturas. São exemplos que revelam o retrato mais triste das enormes dificuldades que o poder público enfrenta, em todas suas instâncias, para dar um mínimo de eficiência à gestão de seu patrimônio e à prestação de serviços à sociedade.

São obstáculos comuns em frentes que vão da saúde à segurança; da educação à gestão de parques ou equipamentos culturais e esportivos; de aeroportos a rodovias, entre outros. E há razões para isso.

A começar pela falta de racionalidade com que realiza a alocação de seus recursos. A despeito de uma das maiores cargas tributária do mundo, os orçamentos parecem curtos demais para dar conta dos investimentos e manutenção dos equipamentos e serviços sob a administração do Estado.

Por um lado, pelas próprias regras orçamentárias do setor público, que tendem a favorecer o investimento em detrimento ao custeio, no qual entram as despesas de manutenção, algo que se agrava diante de um cenário de contingenciamento de recursos, como o atual. Por outro, pelo pragmatismo eleitoral, que privilegia a perspectiva de curto prazo e o desenvolvimento de iniciativas com apelo midiático, como a inauguração de novas obras, ao invés da manutenção do que já existe, nem sempre se pautando pela melhor relação custo-benefício para a sociedade.

No caso dos museus, o retrato dessa realidade se revela na própria dificuldade para se obter dados oficiais atualizados sobre a situação das mais de 3,8 mil instituições dessa natureza no Brasil. O próprio Conselho Federal de Museologia reconhece que itens como a conservação e a segurança, a despeito de sua fundamental importância, não raramente, são preteridas pelas instituições responsáveis no momento da liberação das verbas públicas para os museus. Como resultado, muitos desses equipamentos acabam sendo fechados ou subaproveitados, tendo sua atuação restringida a atividades de pesquisa.

A gestão pública também convive com uma espécie de camisa de força em razão do excesso de regulamentação e controle, que cria dificuldades para a contratação de serviços e equipes especializadas muitas vezes essenciais a sua própria operação. Mais uma vez, os museus – e não são exceções – nos oferecem um triste exemplo da força deletéria de tais barreiras, com as dificuldades burocráticas para realizar reparos no edifício, inclusive em itens corriqueiros como a rede elétrica e o sistema hidráulico. Vide o Museu do Ipiranga, danificado pela infiltração de água nos forros de algumas salas e, diante do risco de desabamento, fechado à visitação para remoção de quase todo o acervo para um lugar seguro, longe do público.

Nesse ponto, cabe também destacar a necessidade de se aprimorar a atuação dos órgãos de controle, como os tribunais de contas. Suas atribuições devem ser claras, precisas e respeitadas, de forma a não abrir espaço para iniciativas voluntaristas que os desviem das funções definidas pela legislação. Não são raros os casos em que os órgãos responsáveis por esse monitoramento rompem tais limites, sem, em contrapartida, arcarem com a responsabilidade por possíveis ônus decorrentes do atraso na implementação de políticas públicas.

É claro que não deve haver qualquer tolerância com desvios de conduta, favorecimentos ou atos de corrupção, mas possíveis excessos por parte das estruturas de fiscalização e controle fomentam decisões excessivamente conservadoras dos gestores públicos, que repetem modelos já amplamente aceitos, mesmo quando já indicam sinais de esgotamento. Assim, se perpetua um ambiente desfavorável à inovação. E também não se evita, por outro lado, os desmandos no uso dos recursos públicos, como atestam as cotidianas denúncias de corrupção dos últimos anos.

Uma situação, muitas vezes, reforçada ainda por visões ideológicas baseadas em conceitos cristalizados e que, da mesma forma, acabam por bloquear o caminho para a modernização do Estado. Nesse sentido, há certa resistência, por exemplo, a modelos de gestão que têm se revelado em muitas situações mais eficientes, como o maior envolvimento da iniciativa privada na implementação de políticas públicas.

No que tange aos museus, a National Gallery, em Londres demonstra como se pode trabalhar proativamente para diversificar parcerias, fontes de financiamento e realizar um monitoramento eficiente na gestão das finanças, baseado em parâmetros objetivos de mensuração de desempenho. Apenas um exemplo dentre outros que poderiam ser mencionados de medidas que contribuem para levar mais fluidez e efetividade à atividade dos entes públicos.

Que este mês emblemático, portanto, sirva para reflexão sobre temas nacionais que só vêm à tona quando já é tarde demais e possa criar um ambiente favorável à discussão de novos meios para solucionar nossos velhos problemas. Temos uma oportunidade real de estabelecer parâmetros mais modernos para a gestão pública, menos sujeitos às ideologias, com mais responsabilidade e responsabilização das partes envolvidas, permitindo que o Estado cumpra com seu papel livre de travas burocráticas.

Caso contrário, o atendimento de tantas e inúmeras demandas dos brasileiros poderá mais uma vez ser sufocado pela ineficiência e paralisia do poder público, assim como o Museu Nacional foi tragicamente consumido pelo fogo, assim como o Museu do Ipiranga foi fechado por uma infiltração.

* Fernando Pieroni é presidente do Instituto Semeia e membro do comitê executivo do movimento Infra2038

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Há um ano, o prédio bicentenário do Museu Nacional era consumido num incêndio. E, neste setembro histórico para o Brasil, outro patrimônio ganha destaque: o Museu do Ipiranga, que após seis anos do seu fechamento deve começar a ser reformado. Mas a população só terá acesso ao espaço em 2022, se tudo correr bem. No final das contas, lá se vai quase uma década perdida, por problemas causados pela falta de manutenção de suas estruturas. São exemplos que revelam o retrato mais triste das enormes dificuldades que o poder público enfrenta, em todas suas instâncias, para dar um mínimo de eficiência à gestão de seu patrimônio e à prestação de serviços à sociedade.

São obstáculos comuns em frentes que vão da saúde à segurança; da educação à gestão de parques ou equipamentos culturais e esportivos; de aeroportos a rodovias, entre outros. E há razões para isso.

A começar pela falta de racionalidade com que realiza a alocação de seus recursos. A despeito de uma das maiores cargas tributária do mundo, os orçamentos parecem curtos demais para dar conta dos investimentos e manutenção dos equipamentos e serviços sob a administração do Estado.

Por um lado, pelas próprias regras orçamentárias do setor público, que tendem a favorecer o investimento em detrimento ao custeio, no qual entram as despesas de manutenção, algo que se agrava diante de um cenário de contingenciamento de recursos, como o atual. Por outro, pelo pragmatismo eleitoral, que privilegia a perspectiva de curto prazo e o desenvolvimento de iniciativas com apelo midiático, como a inauguração de novas obras, ao invés da manutenção do que já existe, nem sempre se pautando pela melhor relação custo-benefício para a sociedade.

No caso dos museus, o retrato dessa realidade se revela na própria dificuldade para se obter dados oficiais atualizados sobre a situação das mais de 3,8 mil instituições dessa natureza no Brasil. O próprio Conselho Federal de Museologia reconhece que itens como a conservação e a segurança, a despeito de sua fundamental importância, não raramente, são preteridas pelas instituições responsáveis no momento da liberação das verbas públicas para os museus. Como resultado, muitos desses equipamentos acabam sendo fechados ou subaproveitados, tendo sua atuação restringida a atividades de pesquisa.

A gestão pública também convive com uma espécie de camisa de força em razão do excesso de regulamentação e controle, que cria dificuldades para a contratação de serviços e equipes especializadas muitas vezes essenciais a sua própria operação. Mais uma vez, os museus – e não são exceções – nos oferecem um triste exemplo da força deletéria de tais barreiras, com as dificuldades burocráticas para realizar reparos no edifício, inclusive em itens corriqueiros como a rede elétrica e o sistema hidráulico. Vide o Museu do Ipiranga, danificado pela infiltração de água nos forros de algumas salas e, diante do risco de desabamento, fechado à visitação para remoção de quase todo o acervo para um lugar seguro, longe do público.

Nesse ponto, cabe também destacar a necessidade de se aprimorar a atuação dos órgãos de controle, como os tribunais de contas. Suas atribuições devem ser claras, precisas e respeitadas, de forma a não abrir espaço para iniciativas voluntaristas que os desviem das funções definidas pela legislação. Não são raros os casos em que os órgãos responsáveis por esse monitoramento rompem tais limites, sem, em contrapartida, arcarem com a responsabilidade por possíveis ônus decorrentes do atraso na implementação de políticas públicas.

É claro que não deve haver qualquer tolerância com desvios de conduta, favorecimentos ou atos de corrupção, mas possíveis excessos por parte das estruturas de fiscalização e controle fomentam decisões excessivamente conservadoras dos gestores públicos, que repetem modelos já amplamente aceitos, mesmo quando já indicam sinais de esgotamento. Assim, se perpetua um ambiente desfavorável à inovação. E também não se evita, por outro lado, os desmandos no uso dos recursos públicos, como atestam as cotidianas denúncias de corrupção dos últimos anos.

Uma situação, muitas vezes, reforçada ainda por visões ideológicas baseadas em conceitos cristalizados e que, da mesma forma, acabam por bloquear o caminho para a modernização do Estado. Nesse sentido, há certa resistência, por exemplo, a modelos de gestão que têm se revelado em muitas situações mais eficientes, como o maior envolvimento da iniciativa privada na implementação de políticas públicas.

No que tange aos museus, a National Gallery, em Londres demonstra como se pode trabalhar proativamente para diversificar parcerias, fontes de financiamento e realizar um monitoramento eficiente na gestão das finanças, baseado em parâmetros objetivos de mensuração de desempenho. Apenas um exemplo dentre outros que poderiam ser mencionados de medidas que contribuem para levar mais fluidez e efetividade à atividade dos entes públicos.

Que este mês emblemático, portanto, sirva para reflexão sobre temas nacionais que só vêm à tona quando já é tarde demais e possa criar um ambiente favorável à discussão de novos meios para solucionar nossos velhos problemas. Temos uma oportunidade real de estabelecer parâmetros mais modernos para a gestão pública, menos sujeitos às ideologias, com mais responsabilidade e responsabilização das partes envolvidas, permitindo que o Estado cumpra com seu papel livre de travas burocráticas.

Caso contrário, o atendimento de tantas e inúmeras demandas dos brasileiros poderá mais uma vez ser sufocado pela ineficiência e paralisia do poder público, assim como o Museu Nacional foi tragicamente consumido pelo fogo, assim como o Museu do Ipiranga foi fechado por uma infiltração.

* Fernando Pieroni é presidente do Instituto Semeia e membro do comitê executivo do movimento Infra2038
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