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O teste do estresse pandêmico

Se existe um lado positivo na pandemia, esse lado é a possibilidade de uma redefinição do diálogo público que concentra a atenção nos mais vulneráveis ​​da sociedade

ESPANHA: na última semana, o país adotou quarentena e proibiu seus cidadãos de saírem às ruas. / REUTERS/Eloy Alonso (Eloy Alonso/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 19 de março de 2020 às 12h32.

CHICAGO – A pandemia do coronavírus pegou o mundo de surpresa e agora irá expor as fraquezas econômicas ocultas onde quer que estejam. Mas a crise também nos lembra que vivemos em um mundo profundamente interconectado. Se existe um lado positivo na pandemia é a possibilidade de uma redefinição muito necessária do diálogo público que concentra a atenção nos mais vulneráveis ​​da sociedade, na necessidade de cooperação global e na importância de liderança e de conhecimento profissional.

Além do impacto direto na saúde pública, uma crise dessa magnitude pode desencadear pelo menos dois tipos diretos de choque econômico. O primeiro é um choque na produção, devido à ruptura das cadeias globais de suprimentos. Suspender a produção de produtos químicos farmacêuticos básicos na China interrompe a produção de medicamentos genéricos na Índia, o que, por sua vez, reduz o fornecimento de medicamentos para os Estados Unidos. O segundo choque é na demanda: à medida que pessoas e governos tomam medidas para retardar a disseminação do coronavírus, os gastos em restaurantes, shopping centers e destinos turísticos entram em colapso.

Mas há também o potencial de tremores secundários indiretos, como a recente queda nos preços do petróleo após o fracasso de Rússia e Arábia Saudita em concordar com cortes coordenados na produção. À medida que esses e outros choques se propagam, as empresas de pequeno e médio porte já estressadas podem ser forçadas a fechar, levando a demissões, perda da confiança do consumidor e reduções adicionais no consumo e na demanda agregada.

Além disso, rebaixamentos para ou incumprimentos por parte de entidades altamente alavancadas (produtores de energia de xisto nos EUA; países em desenvolvimento dependentes de commodities) podem levar a perdas maiores no sistema financeiro global. Isso reduziria a liquidez e o crédito e desencadearia um aperto dramático nas condições financeiras que até agora tinham sido muito favoráveis ​​ao crescimento.

O show de horrores poderia ir além. O ponto mais crucial a ser lembrado é que a economia mundial nunca se recuperou totalmente da crise financeira global de 2008, nem os inerentes problemas conjunturais que produziram esse desastre foram corretamente abordados. Pelo contrário, governos, empresas e famílias em todo o mundo acumularam mais dívidas e os formuladores de políticas minaram a confiança no sistema global de comércio e investimento.

Mas mesmo que o mundo tenha começado mal, nossa resposta à crise do COVID-19 deveria ser muito melhor do que tem sido. A tarefa imediata é limitar a propagação do vírus por meio de testes amplamente aplicados, quarentenas rigorosas e distanciamento social. A maioria dos países desenvolvidos deve estar bem posicionada para implementar tais medidas; no entanto, a Itália foi dominada pela epidemia e a resposta dos EUA não tem exatamente inspirado confiança.

Olhando para o futuro, a menos que o coronavírus seja erradicado globalmente, ele sempre pode retornar ou até se tornar uma ocorrência sazonal. Se um tratamento efetivo não for descoberto em breve (o Remdesivir, antiviral da Gilead, proporciona alguma esperança), todos os países enfrentarão uma escolha entre se isolar completamente e fazer pressão por um esforço global para erradicar o vírus. Dado que o primeiro é uma impossibilidade, o último parece a escolha natural. Mas isso exigiria um grau de liderança e cooperação globais que não existem. A presidência do G20 é atualmente ocupada pela Arábia Saudita, que está envolvida em disputas internas e externas; e o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, vem repudiando ações multilaterais desde o início.

Não obstante, alguns países importantes poderiam realizar muito se promovessem uma resposta global, inclusive no convencimento de mais países sobre o valor da cooperação. Por exemplo, países que tiveram relativamente sucesso no gerenciamento da epidemia, como China e Coréia do Sul, poderiam compartilhar as melhores práticas. E, à medida que países individuais controlam o coronavírus dentro de suas próprias fronteiras, eles poderiam enviar recursos extras para países que precisam de equipe médica mais experiente, respiradores, kits de testes, máscaras e similares.

Além disso, a China e os EUA podem finalmente ser convencidos a reverter recentes aumentos de tarifas e dispensar ameaças de novos (como sobre veículos). Embora uma redução temporária nas tarifas faça pouco para aumentar o investimento transfronteiriço, ela ofereceria pelo menos um pequeno impulso ao comércio. Além disso, um acordo poderia aumentar o sentimento empresarial sobre a recuperação pós-pandemia.

Dentro dos países, a ação imediata – após a implementação de medidas para conter o vírus – é apoiar aqueles da economia informal ou autônomos cujos meios de subsistência serão interrompidos por quarentenas e distanciamento social. Aqueles que são mais vulneráveis ​​economicamente também tendem a ser aqueles que menos têm acesso a cuidados médicos. Portanto, no mínimo, os governos devem oferecer bolsas emergenciais a esses indivíduos – ou a todos, se for difícil identificar populações vulneráveis – bem como a cobertura de despesas médicas relacionadas ao vírus. Da mesma forma, uma moratória em alguns pagamentos de impostos pode vir a ser necessária para ajudar pequenas e médias empresas, assim como garantias parciais de empréstimos e outras medidas para manter o fluxo do crédito.

Nos países desenvolvidos, em especial, a pandemia em breve revelará quantas pessoas se juntaram às fileiras do precariado nos últimos anos. Essa massa desvirtua jovens e inclui muitos daqueles que vivem em lugares “abandonados”. Por definição, os membros da precariado não possuem as habilidades ou a educação necessária para garantir empregos estáveis ​​com benefícios e, portanto, têm pouca representação no “sistema”. As bolsas emergenciais enviariam uma mensagem de que o sistema ainda se importa. Mas, é claro, será necessário fazer muito mais para expandir a rede de segurança social e ampliar novas oportunidades aos economicamente marginalizados.

Partidos e líderes populistas têm capitalizado politicamente a situação dos pobres, mas não cumpriram suas promessas – mesmo onde ainda detêm o poder. A pandemia pode ter um aspecto positivo aqui também. Os governos que solaparam as agências instituídas para a prevenção de desastres e os protocolos de alerta precoce agora estão descobrindo que precisam dos profissionais e especialistas, no fim das contas. O COVID-19 foi rápido em expor o amadorismo e a incompetência. Se os profissionais puderem trabalhar, eles podem restaurar parte da confiança perdida do público no sistema.

Na arena política, um sistema profissional mais acreditado terá a oportunidade de promover políticas sensatas que abordem os problemas que os pobres enfrentam sem dar início à guerra de classes. Mas essas aberturas não durarão para sempre. Se os profissionais falharem em capitalizá-los, a pandemia não oferecerá oportunidades – apenas mais pavor, mais divisão, mais caos e mais miséria.

Raghuram G. Rajan , ex-governador do Reserve Bank da Índia, é Professor de finanças da Booth School of Business da Universidade de Chicago e, mais recentemente, autor do livroO terceiro pilar: como os mercados e o Estado deixam a comunidade para trás.

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CHICAGO – A pandemia do coronavírus pegou o mundo de surpresa e agora irá expor as fraquezas econômicas ocultas onde quer que estejam. Mas a crise também nos lembra que vivemos em um mundo profundamente interconectado. Se existe um lado positivo na pandemia é a possibilidade de uma redefinição muito necessária do diálogo público que concentra a atenção nos mais vulneráveis ​​da sociedade, na necessidade de cooperação global e na importância de liderança e de conhecimento profissional.

Além do impacto direto na saúde pública, uma crise dessa magnitude pode desencadear pelo menos dois tipos diretos de choque econômico. O primeiro é um choque na produção, devido à ruptura das cadeias globais de suprimentos. Suspender a produção de produtos químicos farmacêuticos básicos na China interrompe a produção de medicamentos genéricos na Índia, o que, por sua vez, reduz o fornecimento de medicamentos para os Estados Unidos. O segundo choque é na demanda: à medida que pessoas e governos tomam medidas para retardar a disseminação do coronavírus, os gastos em restaurantes, shopping centers e destinos turísticos entram em colapso.

Mas há também o potencial de tremores secundários indiretos, como a recente queda nos preços do petróleo após o fracasso de Rússia e Arábia Saudita em concordar com cortes coordenados na produção. À medida que esses e outros choques se propagam, as empresas de pequeno e médio porte já estressadas podem ser forçadas a fechar, levando a demissões, perda da confiança do consumidor e reduções adicionais no consumo e na demanda agregada.

Além disso, rebaixamentos para ou incumprimentos por parte de entidades altamente alavancadas (produtores de energia de xisto nos EUA; países em desenvolvimento dependentes de commodities) podem levar a perdas maiores no sistema financeiro global. Isso reduziria a liquidez e o crédito e desencadearia um aperto dramático nas condições financeiras que até agora tinham sido muito favoráveis ​​ao crescimento.

O show de horrores poderia ir além. O ponto mais crucial a ser lembrado é que a economia mundial nunca se recuperou totalmente da crise financeira global de 2008, nem os inerentes problemas conjunturais que produziram esse desastre foram corretamente abordados. Pelo contrário, governos, empresas e famílias em todo o mundo acumularam mais dívidas e os formuladores de políticas minaram a confiança no sistema global de comércio e investimento.

Mas mesmo que o mundo tenha começado mal, nossa resposta à crise do COVID-19 deveria ser muito melhor do que tem sido. A tarefa imediata é limitar a propagação do vírus por meio de testes amplamente aplicados, quarentenas rigorosas e distanciamento social. A maioria dos países desenvolvidos deve estar bem posicionada para implementar tais medidas; no entanto, a Itália foi dominada pela epidemia e a resposta dos EUA não tem exatamente inspirado confiança.

Olhando para o futuro, a menos que o coronavírus seja erradicado globalmente, ele sempre pode retornar ou até se tornar uma ocorrência sazonal. Se um tratamento efetivo não for descoberto em breve (o Remdesivir, antiviral da Gilead, proporciona alguma esperança), todos os países enfrentarão uma escolha entre se isolar completamente e fazer pressão por um esforço global para erradicar o vírus. Dado que o primeiro é uma impossibilidade, o último parece a escolha natural. Mas isso exigiria um grau de liderança e cooperação globais que não existem. A presidência do G20 é atualmente ocupada pela Arábia Saudita, que está envolvida em disputas internas e externas; e o governo do presidente dos EUA, Donald Trump, vem repudiando ações multilaterais desde o início.

Não obstante, alguns países importantes poderiam realizar muito se promovessem uma resposta global, inclusive no convencimento de mais países sobre o valor da cooperação. Por exemplo, países que tiveram relativamente sucesso no gerenciamento da epidemia, como China e Coréia do Sul, poderiam compartilhar as melhores práticas. E, à medida que países individuais controlam o coronavírus dentro de suas próprias fronteiras, eles poderiam enviar recursos extras para países que precisam de equipe médica mais experiente, respiradores, kits de testes, máscaras e similares.

Além disso, a China e os EUA podem finalmente ser convencidos a reverter recentes aumentos de tarifas e dispensar ameaças de novos (como sobre veículos). Embora uma redução temporária nas tarifas faça pouco para aumentar o investimento transfronteiriço, ela ofereceria pelo menos um pequeno impulso ao comércio. Além disso, um acordo poderia aumentar o sentimento empresarial sobre a recuperação pós-pandemia.

Dentro dos países, a ação imediata – após a implementação de medidas para conter o vírus – é apoiar aqueles da economia informal ou autônomos cujos meios de subsistência serão interrompidos por quarentenas e distanciamento social. Aqueles que são mais vulneráveis ​​economicamente também tendem a ser aqueles que menos têm acesso a cuidados médicos. Portanto, no mínimo, os governos devem oferecer bolsas emergenciais a esses indivíduos – ou a todos, se for difícil identificar populações vulneráveis – bem como a cobertura de despesas médicas relacionadas ao vírus. Da mesma forma, uma moratória em alguns pagamentos de impostos pode vir a ser necessária para ajudar pequenas e médias empresas, assim como garantias parciais de empréstimos e outras medidas para manter o fluxo do crédito.

Nos países desenvolvidos, em especial, a pandemia em breve revelará quantas pessoas se juntaram às fileiras do precariado nos últimos anos. Essa massa desvirtua jovens e inclui muitos daqueles que vivem em lugares “abandonados”. Por definição, os membros da precariado não possuem as habilidades ou a educação necessária para garantir empregos estáveis ​​com benefícios e, portanto, têm pouca representação no “sistema”. As bolsas emergenciais enviariam uma mensagem de que o sistema ainda se importa. Mas, é claro, será necessário fazer muito mais para expandir a rede de segurança social e ampliar novas oportunidades aos economicamente marginalizados.

Partidos e líderes populistas têm capitalizado politicamente a situação dos pobres, mas não cumpriram suas promessas – mesmo onde ainda detêm o poder. A pandemia pode ter um aspecto positivo aqui também. Os governos que solaparam as agências instituídas para a prevenção de desastres e os protocolos de alerta precoce agora estão descobrindo que precisam dos profissionais e especialistas, no fim das contas. O COVID-19 foi rápido em expor o amadorismo e a incompetência. Se os profissionais puderem trabalhar, eles podem restaurar parte da confiança perdida do público no sistema.

Na arena política, um sistema profissional mais acreditado terá a oportunidade de promover políticas sensatas que abordem os problemas que os pobres enfrentam sem dar início à guerra de classes. Mas essas aberturas não durarão para sempre. Se os profissionais falharem em capitalizá-los, a pandemia não oferecerá oportunidades – apenas mais pavor, mais divisão, mais caos e mais miséria.

Raghuram G. Rajan , ex-governador do Reserve Bank da Índia, é Professor de finanças da Booth School of Business da Universidade de Chicago e, mais recentemente, autor do livroO terceiro pilar: como os mercados e o Estado deixam a comunidade para trás.

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