O incontrolável João Doria
Não se pode acusar o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), de não ser inovador. Em suas primeiras semanas no cargo, o empresário que virou político vestiu-se de gari, marcou presença constante nas redes sociais, implementou atendimento expresso em postos de saúde, pintou paredes de cinza e não buscou entendimento com o grupo político […]
Publicado em 18 de fevereiro de 2017 às, 07h48.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h42.
Não se pode acusar o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), de não ser inovador. Em suas primeiras semanas no cargo, o empresário que virou político vestiu-se de gari, marcou presença constante nas redes sociais, implementou atendimento expresso em postos de saúde, pintou paredes de cinza e não buscou entendimento com o grupo político que atropelou nas prévias tucanas ano passado.
A maior inovação de Doria é sua relação com empresários. Assim como o ex-prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, Doria conseguiu o mais alto posto na cidade sem ter feito carreira política. Bloomberg é uma clara inspiração para o tucano paulista. Nosso prefeito está se gabando de oferecer oportunidades para empresas realizarem benefícios sem custos para a cidade. Como marketing, é ótimo. Mas Doria está ferindo a lei. Pior do que isso: está dificultando a vida dos responsáveis por fiscalizá-lo.
Por que Doria fere a lei? Dois exemplos são interessantes. O primeiro é sobre a recente viagem que o prefeito fez aos Emirados Árabes (paga pelos interessados!) para palestrar sobre as oportunidades de investimentos que São Paulo oferece. O problema é que não há dois Dorias, um empresário e outro político. Ele é uma pessoa só: prefeito. E um agente público não pode viajar às custas de interessados em fazer negócios com os governos.
O ex-governador carioca, Sérgio Cabral (PMDB), notabilizou-se por viajar para sua casa de praia em Mangaratiba com o helicóptero do empresário Eike Batista. Ambos estão presos. Doria poderia argumentar que não foi ao exterior a passeio, mas para fazer negócios para a cidade. Ora, por que a prefeitura não pagou suas despesas, então? Não há diferença entre o comportamento de Doria e, por exemplo, de um funcionário da Agência Nacional de Aviação Civil que viaja de graça por uma empresa aérea. Há um claro conflito de interesses.
O segundo exemplo, ainda mais grave, é o da Ultrafarma. Doria é amigo de Sidney Oliveira, o dono da empresa. Oliveira doou 600.000 reais para a prefeitura comprar remédios para postos de saúde. Poucos dias depois de anunciar isso, o prefeito gravou um vídeo fazendo merchandising de vitaminas comercializadas pela Ultrafarma. A empresa postou o vídeo, com link para o site de compras, em sua página no Facebook.
Para Doria, pareceu ser brincadeira. Mas é um fato gravíssimo. A Ultrafarma já anunciou interesse de construir um novo empreendimento no bairro da Saúde, zona sul de São Paulo. Para isso, precisa de aprovação da prefeitura. Hum, será que esse cheque ajudará? Mal não fará para o empresário, mas para cidade fará, sim, muito mal. Quando política se dá através de relações pessoais com empresários, as coisas ficam bem nebulosas.
Em Nova York, Michael Bloomberg teve o problema contrário. Em vez de se alinhas às empresas, comprou brigas com algumas – especialmente as do setor de fast food. Quis diminuir a venda de bebidas nocivas para a saúde e atacar o problema da obesidade, gravíssimo nos Estados Unidos. Fez um governo elogiado, foi reeleito, e até pouco tempo atrás era considerado um possível candidato à presidência norte-americana. Sua campanha foi semelhante à de Doria e de Trump: financiada largamente com recursos próprios em vez de partidários e empresariais.
Ano passado, os paulistanos massacraram o prefeito Fernando Haddad (PT). Doria venceu facilmente no primeiro turno, de modo inesperado. Difícil saber se o tucano foi eleito simplesmente por não ser petista ou se o fato de ser um outsider da política foi determinante. Provavelmente os dois fatores foram relevantes. Mas uma das consequências ruins de não ser político profissional é desconhecer – ou ignorar de propósito – regras formais e informais do campo político.
Umas das regras informais que regem relações entre políticos e empresários é que relações pessoais são malvistas. Um prefeito tem que tratar negócios para a cidade de modo institucional. Marcar horário. Divulgar em sua agenda pública. Tirar foto no gabinete. Dar a qualquer empresário a oportunidade de apresentar ideias. Dar à sociedade civil, e aos demais políticos eleitos na cidade, a prerrogativa de opinar sobre quais são as prioridades para a cidade. Caso não faça isso – e não tem feito até agora -, Doria não estará cometendo ilegalidade alguma, mas estará mostrando que respeito aos outros atores políticos está longe de ser seu forte.
Mais preocupante é que o prefeito ignore, ou lute contra, regras formais do setor público. A primeira é a Lei de Licitações, a famosa Lei 8.666/1993. A lei estabelece que relações entre o setor privado e o setor público devem ser definidas, entre outros, pelo critério de impessoalidade. Se Doria quer reforma nas marginais da cidade, ótimo. Que faça uma licitação conforme manda a lei, de preferência conseguindo atrair diversos concorrentes para a cidade pagar um bom preço pelo serviço. Ah, mas não é melhor o prefeito obter o serviço de graça? Não, porque empresa não é ONG. Qualquer empresa irá querer favor político em troca de uma obra ou serviço não contratada formalmente. Leis existem para isso: desincentivar que políticos e burocratas façam ações políticas com base em relações pessoais. Leis não impedem atos ilícitos, mas os definem.
Finalmente, João Doria esvaziou a Controladoria-Geral do Município (CGM), implementada por Fernando Haddad. Este é o ponto mais preocupante de todos. Controladorias funcionam como “patrulhas policiais” para checar se políticos são confiáveis. Por que patrulhas? Porque checam, de modo aleatório ou específico, se as ações de políticos (especialmente o prefeito e burocratas da prefeitura, no caso da CGM) têm indícios de corrupção. São órgãos de monitoramento constante. Também têm a função de aconselhar os governantes sobre como seus atos implicam (ou não) o descumprimento de leis.
Mas Doria optou por tirar autonomia da CGM e colocá-la dentro da Secretaria Municipal de Justiça. Ainda não foi nomeado um coordenador da área de auditoria do órgão, a mais relevante. Diversos funcionários que fizeram um bom trabalho nos últimos anos foram transferidos para a Procuradoria-Geral do Município. Talvez Doria esteja bem protegido politicamente, pois vereadores paulistanos não costumam investigar prefeitos. Mas a cidade perde, e muito, com seu comportamento.