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O caminho para a iluminação sobre a covid-19

Nosso conhecimento sobre a doença está aumentando rapidamente, mas ainda é totalmente insuficiente

Pessoas de máscaras em metrô no Brasil: número de casos no mundo já passa dos 10 milhões (Rodrigo Paiva/Getty Images)
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felipegiacomelli

Publicado em 1 de julho de 2020 às 14h49.

Última atualização em 1 de julho de 2020 às 15h24.

CAMBRIDGE - A certeza é como um arco-íris: maravilhoso, mas relativamente raro. Na maioria das vezes, sabemos que não sabemos. Podemos procurar remediar isso conversando com pessoas que podem saber aquilo que queremos saber. Mas como sabemos que elas sabem? Se não podemos determinar se elas realmente sabem, precisamos confiar nelas.

Historicamente, temos depositado nossa confiança na ciência, na experiência ou na inspiração divina. Mas e se o conhecimento que buscamos ainda não existe, e até a ciência sabe que não sabe o que lhe perguntam?

Essa é a situação em que nos encontramos atualmente com a covid-19 e o vírus sars-CoV-2 que o causa. Nosso conhecimento do novo coronavírus está aumentando rapidamente, mas é totalmente insuficiente. Ainda não aprendemos muito sobre como tratar os infectados, muito menos descobrimos como fazer uma vacina eficaz. Nem sabemos como controlar a pandemia de maneira confiável por meio de medidas de distanciamento social.

É verdade que alguns países tiveram um sucesso extraordinário na redução de casos de COVID-19 e mortes por picos terríveis. Os quatro países que até agora registraram o maior número de mortes por milhão de habitantes em uma única semana são Bélgica, Espanha, França e Irlanda. Agora, novos casos nesses países caíram mais de 95,5% em relação aos seus respectivos picos (e 99,1% no caso da Irlanda), sugerindo que seus bloqueios realmente funcionaram.

E, no entanto, embora outros países que introduziram bloqueios legalmente mais rigorosos (como medidos pela Escola Blavatnik da Universidade de Oxford) e reduziram mais a mobilidade (conforme medido pelo Google) evitam picos mortais iniciais, os casos continuam a crescer exponencialmente. Os países nessa categoria incluem Índia, Chile, Peru, Colômbia, El Salvador, Kuwait, África do Sul e Arábia Saudita. E outro grupo, incluindo Israel e Albânia, experimentou uma retomada do crescimento exponencial após a suspensão de bem-sucedidos lockdowns.

Não é preciso muito para se conceber muitas hipóteses – do prosaico ao especulativo - para explicar essas diferenças. E, obviamente, identificar as melhores explicações para o variável sucesso dos países no controle da pandemia é extremamente valioso ao elaborar estratégias de saúde pública com consequências potencialmente enormes.

Por exemplo, famílias grandes podem facilitar a transmissão intrafamiliar do vírus, enquanto a falta de geladeiras em alguns países pode forçar as pessoas a irem ao mercado com frequência. A indisponibilidade de água corrente pode impedir a lavagem frequente das mãos. A disposição do público em usar máscaras pode variar. O tamanho da economia informal de um país, a capacidade financeira das famílias para cumprir as medidas de bloqueio e a generosidade das transferências sociais podem ser fatores contribuintes. A seriedade com que as medidas de bloqueio são aplicadas, o nível de confiança no governo e até mesmo os traços do caráter nacional de um país também parecem relevantes.

Mas o conhecimento não avança apenas formulando hipóteses plausíveis. Precisamos descobrir quais retêm água. E podemos encurtar a lista aplicando o ditado do cientista britânico do século 19, Thomas Huxley, de que "muitas teorias bonitas foram destruídas pela feia realidade ".

Para fazer isso, precisamos coletar mais dados e disponibilizá-los para análise. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 40% das mortes por COVID-19 até o momento parecem estar associadas a casas de repouso. Da mesma forma, um recente estudo de mais de 30 países europeus realizado por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv encontrou uma relação entre a capacidade instalada em lares de idosos e as mortes por COVID-19.

Essas análises não são difíceis. De fato, se é que há alguma coisa, elas são extremamente grosseiras, porque usam dados nacionais em vez de áreas de códigos postais. Além disso, esses estudos apareceram apenas depois que dezenas de milhares de pessoas já haviam morrido do COVID-19.

Em vez de serem um conquista científica, portanto, essas descobertas ilustram como foram as políticas não científicas de saúde pública para combater o vírus. Se tivéssemos assumido, desde o início da pandemia, que sabemos que nada sabemos, teríamos criado rápidos ciclos de feedback para aprender o mais depressa possível com a experiência.

Especificamente, teríamos focado na simples coleta de dados sobre cada caso de COVID-19 – a  data em que a infecção foi confirmada, idade do paciente, sexo, endereço de casa e trabalho, meio de transporte e contatos – e complementado com dados adicionais sobre hospitalização e desfechos à medida que a doença progredia. Esses dados podem já existir em muitos casos, mas estão ocultos da sociedade e, muitas vezes, de funcionários de ministérios de saúde preocupados com o território ou com excesso de zelo e não estão sendo disponibilizados para muitos analistas treinados que poderiam contribuir para a formulação de políticas. E, como sugeriu a OCDE , os governos também podem adotar abordagens que usem dados individuais de celulares, pesquisas na Internet e pesquisas rápidas por telefone, levando em consideração as preocupações com a privacidade.

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Muitos governos acreditam que esse tipo de estratégia orientada a dados para combater a pandemia está além de sua capacidade e decidem pegar carona no que outros países aprenderam adotando as melhores práticas. Esta é a abordagem errada. O efeito da pandemia nos países difere de maneiras que atualmente não entendemos e precisamos descobrir. As pessoas que vivem no Peru em residências sem geladeiras têm mais chances de serem infectadas, por exemplo?

Além disso, cada regime de lockdown e de distanciamento social é diferente, refletindo os muitos graus de liberdade em sua elaboração. Agora, descobrir o que funciona e o que não funciona em bases diárias é fundamental, principalmente porque tentamos encontrar maneiras de abrir economias, controlando as taxas de infecção.

A luta contra o COVID-19 ainda está em seus estágios iniciais e nunca é tarde para iniciar esse esforço. Afinal, Sócrates disse que saber que nada se sabe é um paradoxo. Portanto, tornemos o conhecimento de nossa ignorância sobre o vírus e de nossa capacidade de superá-lo, uma fonte de força. Vamos nos preparar para aprender.

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CAMBRIDGE - A certeza é como um arco-íris: maravilhoso, mas relativamente raro. Na maioria das vezes, sabemos que não sabemos. Podemos procurar remediar isso conversando com pessoas que podem saber aquilo que queremos saber. Mas como sabemos que elas sabem? Se não podemos determinar se elas realmente sabem, precisamos confiar nelas.

Historicamente, temos depositado nossa confiança na ciência, na experiência ou na inspiração divina. Mas e se o conhecimento que buscamos ainda não existe, e até a ciência sabe que não sabe o que lhe perguntam?

Essa é a situação em que nos encontramos atualmente com a covid-19 e o vírus sars-CoV-2 que o causa. Nosso conhecimento do novo coronavírus está aumentando rapidamente, mas é totalmente insuficiente. Ainda não aprendemos muito sobre como tratar os infectados, muito menos descobrimos como fazer uma vacina eficaz. Nem sabemos como controlar a pandemia de maneira confiável por meio de medidas de distanciamento social.

É verdade que alguns países tiveram um sucesso extraordinário na redução de casos de COVID-19 e mortes por picos terríveis. Os quatro países que até agora registraram o maior número de mortes por milhão de habitantes em uma única semana são Bélgica, Espanha, França e Irlanda. Agora, novos casos nesses países caíram mais de 95,5% em relação aos seus respectivos picos (e 99,1% no caso da Irlanda), sugerindo que seus bloqueios realmente funcionaram.

E, no entanto, embora outros países que introduziram bloqueios legalmente mais rigorosos (como medidos pela Escola Blavatnik da Universidade de Oxford) e reduziram mais a mobilidade (conforme medido pelo Google) evitam picos mortais iniciais, os casos continuam a crescer exponencialmente. Os países nessa categoria incluem Índia, Chile, Peru, Colômbia, El Salvador, Kuwait, África do Sul e Arábia Saudita. E outro grupo, incluindo Israel e Albânia, experimentou uma retomada do crescimento exponencial após a suspensão de bem-sucedidos lockdowns.

Não é preciso muito para se conceber muitas hipóteses – do prosaico ao especulativo - para explicar essas diferenças. E, obviamente, identificar as melhores explicações para o variável sucesso dos países no controle da pandemia é extremamente valioso ao elaborar estratégias de saúde pública com consequências potencialmente enormes.

Por exemplo, famílias grandes podem facilitar a transmissão intrafamiliar do vírus, enquanto a falta de geladeiras em alguns países pode forçar as pessoas a irem ao mercado com frequência. A indisponibilidade de água corrente pode impedir a lavagem frequente das mãos. A disposição do público em usar máscaras pode variar. O tamanho da economia informal de um país, a capacidade financeira das famílias para cumprir as medidas de bloqueio e a generosidade das transferências sociais podem ser fatores contribuintes. A seriedade com que as medidas de bloqueio são aplicadas, o nível de confiança no governo e até mesmo os traços do caráter nacional de um país também parecem relevantes.

Mas o conhecimento não avança apenas formulando hipóteses plausíveis. Precisamos descobrir quais retêm água. E podemos encurtar a lista aplicando o ditado do cientista britânico do século 19, Thomas Huxley, de que "muitas teorias bonitas foram destruídas pela feia realidade ".

Para fazer isso, precisamos coletar mais dados e disponibilizá-los para análise. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 40% das mortes por COVID-19 até o momento parecem estar associadas a casas de repouso. Da mesma forma, um recente estudo de mais de 30 países europeus realizado por pesquisadores da Universidade de Tel Aviv encontrou uma relação entre a capacidade instalada em lares de idosos e as mortes por COVID-19.

Essas análises não são difíceis. De fato, se é que há alguma coisa, elas são extremamente grosseiras, porque usam dados nacionais em vez de áreas de códigos postais. Além disso, esses estudos apareceram apenas depois que dezenas de milhares de pessoas já haviam morrido do COVID-19.

Em vez de serem um conquista científica, portanto, essas descobertas ilustram como foram as políticas não científicas de saúde pública para combater o vírus. Se tivéssemos assumido, desde o início da pandemia, que sabemos que nada sabemos, teríamos criado rápidos ciclos de feedback para aprender o mais depressa possível com a experiência.

Especificamente, teríamos focado na simples coleta de dados sobre cada caso de COVID-19 – a  data em que a infecção foi confirmada, idade do paciente, sexo, endereço de casa e trabalho, meio de transporte e contatos – e complementado com dados adicionais sobre hospitalização e desfechos à medida que a doença progredia. Esses dados podem já existir em muitos casos, mas estão ocultos da sociedade e, muitas vezes, de funcionários de ministérios de saúde preocupados com o território ou com excesso de zelo e não estão sendo disponibilizados para muitos analistas treinados que poderiam contribuir para a formulação de políticas. E, como sugeriu a OCDE , os governos também podem adotar abordagens que usem dados individuais de celulares, pesquisas na Internet e pesquisas rápidas por telefone, levando em consideração as preocupações com a privacidade.

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Muitos governos acreditam que esse tipo de estratégia orientada a dados para combater a pandemia está além de sua capacidade e decidem pegar carona no que outros países aprenderam adotando as melhores práticas. Esta é a abordagem errada. O efeito da pandemia nos países difere de maneiras que atualmente não entendemos e precisamos descobrir. As pessoas que vivem no Peru em residências sem geladeiras têm mais chances de serem infectadas, por exemplo?

Além disso, cada regime de lockdown e de distanciamento social é diferente, refletindo os muitos graus de liberdade em sua elaboração. Agora, descobrir o que funciona e o que não funciona em bases diárias é fundamental, principalmente porque tentamos encontrar maneiras de abrir economias, controlando as taxas de infecção.

A luta contra o COVID-19 ainda está em seus estágios iniciais e nunca é tarde para iniciar esse esforço. Afinal, Sócrates disse que saber que nada se sabe é um paradoxo. Portanto, tornemos o conhecimento de nossa ignorância sobre o vírus e de nossa capacidade de superá-lo, uma fonte de força. Vamos nos preparar para aprender.

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