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O 3G se sustenta no longo prazo?

Roger Martin*  A oferta abortada de 143 bilhões de dólares do fundo brasileiro 3G capital pela gigante anglo-holandesa Unilever foi recebida com grandes quantidades tanto de alegria quanto de horror. No campo da alegria, estavam aqueles que, por pensarem que as maiores corporações do mundo são bestas infladas e arrastadas, acolheram o esforço do 3G […]

HEINZ: já que o 3G só existe desde 2004 e fez sua primeira grande aquisição fora o mercado de bebidas em 2010, seu jogo ainda não foi jogado por tempo suficiente para sabermos as consequências de suas ações / Oli Scarff/Getty Images
DR

Da Redação

Publicado em 24 de fevereiro de 2017 às 17h22.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

Roger Martin*

A oferta abortada de 143 bilhões de dólares do fundo brasileiro 3G capital pela gigante anglo-holandesa Unilever foi recebida com grandes quantidades tanto de alegria quanto de horror.

No campo da alegria, estavam aqueles que, por pensarem que as maiores corporações do mundo são bestas infladas e arrastadas, acolheram o esforço do 3G Capital, uma companhia com um histórico comprovado de reduzir custos e melhorar a performance com metas agressivas e cortes de gastos excessivos.

No campo do horror, estavam aqueles que veem a Unilever talvez como o melhor exemplar global de uma corporação pensando no longo prazo e assumindo seriamente suas responsabilidades sociais e previram que tudo isso seria destruído pelo 3G. Infelizmente, não é possível ser definitivo sobre qual é a visão mais legítima nesse momento.

É comprovadamente verdade que a grande corporação moderna tem uma tendência de acumular custos que não deveria realmente gastar e tornar-se menos ágil ao longo do tempo. Então, a oportunidade existe para que uma organização como o 3G possa entrar com novos olhos e cortar custos que não deveriam existir.

No entanto, é igualmente verdade que os consumidores das grandes corporações modernas – particularmente aquelas com fortes marcas de consumo – são movidos por seus hábitos e são, portanto, grudentos. Como consequência, eles só vão parar de usar seu produto de escolha de sempre se a companhia permitir que a qualidade do produto se deteriore e/ou se anunciar sua mensagem de forma menos poderosa – e suas ações só vão acontecer no longo prazo.

Nas companhias com grandes marcas de consumo de alimentos e bebidas que o 3G mira, essas duas características formam uma combinação propícia – pelo menos no curto prazo. Isso é dizer que o 3G consegue assumir o controle desses alvos e cortar fora grandes cadeias de custo sem causar um abandono por parte do consumidor – pelo menos no curto prazo.

Já que o 3G só existe desde 2004 e fez sua primeira grande aquisição fora o mercado de bebidas em 2010, seu jogo ainda não foi jogado por tempo suficiente para sabermos se suas ações: a) fazem seus alvos mais competitivos em termos de custo e, portanto, ajuda-os a melhor servir seus consumidores no longo prazo; ou b) levam seus alvos num longo declínio secular, irreparavelmente prejudicando sua competitividade e viabilidade.

Qualquer um que argumente em fevereiro de 2017 que ou a opção a) ou a opção b) é claramente a correta está delirando, porque os dados simplesmente ainda não são definitivos, apesar do sucesso do 3G em gerar lucros para os seus acionistas.

O debate é complicado e acalorado porque se a resposta acabar sendo b), no momento em que isso ficar claro, já vai ser tarde demais para salvar essas grandes companhias. Então, por enquanto, o 3G é uma aposta gigantesca na resposta a).

Ao longo das últimas três décadas, eu consultei empresas suficientes que demoraram décadas ou mesmo séculos para construir suas marcas para ficar nervoso com o que eu vejo o 3G fazer de certa distância. Há uma expressão antiga na publicidade que metade de todos os dólares em publicidade são desperdiçados – é apenas impossível descobrir antes qual das metades.

Tudo da Interbrew, Ambev, Anheuser-Busch, Burger King, Tim Hortons, Heinz, Kraft e Unilever foi construído com base em massivos investimentos de longo prazo em publicidade de construção da marca. Se a administração do 3G corta todos os custos cujas justificativas analíticas não podem ser produzidas antecipadamente, o tipo de comportamento administrativo que fez de seus alvos grandes companhias não vai ser levado adiante ou repetido. Apesar de várias escolas de negócios ensinarem administradores modernos a ser analiticamente rigorosos, vários investimentos não podem ser justificados ex ante com uma análise rigorosa. São apostas. Qualquer empresa que não fizer apostas nunca será grande.

Isso não significa que uma companhia possa gastar todos os seus recursos em apostas. Ela precisa ser rigorosa e analítica onde puder e ser ousada quando ser ousada é a única opção. Se o 3G equilibrar essas coisas com cuidado e não só cortar os custos, mas também fizer apostas inteligentes, há uma chance bem maior de o resultado ser a). Se for desequilibrado em análise e corte de gastos, o resultado será b).

Apenas o futuro poderá nos contar qual vai ser. No meio tempo, continuará a existir iguais quantidades de alegria e horror.

*Roger Martin é diretor da escola de negócios Rotman, da Universidade de Toronto e autor de Jogar para Vencer, da editora HSM

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Roger Martin*

A oferta abortada de 143 bilhões de dólares do fundo brasileiro 3G capital pela gigante anglo-holandesa Unilever foi recebida com grandes quantidades tanto de alegria quanto de horror.

No campo da alegria, estavam aqueles que, por pensarem que as maiores corporações do mundo são bestas infladas e arrastadas, acolheram o esforço do 3G Capital, uma companhia com um histórico comprovado de reduzir custos e melhorar a performance com metas agressivas e cortes de gastos excessivos.

No campo do horror, estavam aqueles que veem a Unilever talvez como o melhor exemplar global de uma corporação pensando no longo prazo e assumindo seriamente suas responsabilidades sociais e previram que tudo isso seria destruído pelo 3G. Infelizmente, não é possível ser definitivo sobre qual é a visão mais legítima nesse momento.

É comprovadamente verdade que a grande corporação moderna tem uma tendência de acumular custos que não deveria realmente gastar e tornar-se menos ágil ao longo do tempo. Então, a oportunidade existe para que uma organização como o 3G possa entrar com novos olhos e cortar custos que não deveriam existir.

No entanto, é igualmente verdade que os consumidores das grandes corporações modernas – particularmente aquelas com fortes marcas de consumo – são movidos por seus hábitos e são, portanto, grudentos. Como consequência, eles só vão parar de usar seu produto de escolha de sempre se a companhia permitir que a qualidade do produto se deteriore e/ou se anunciar sua mensagem de forma menos poderosa – e suas ações só vão acontecer no longo prazo.

Nas companhias com grandes marcas de consumo de alimentos e bebidas que o 3G mira, essas duas características formam uma combinação propícia – pelo menos no curto prazo. Isso é dizer que o 3G consegue assumir o controle desses alvos e cortar fora grandes cadeias de custo sem causar um abandono por parte do consumidor – pelo menos no curto prazo.

Já que o 3G só existe desde 2004 e fez sua primeira grande aquisição fora o mercado de bebidas em 2010, seu jogo ainda não foi jogado por tempo suficiente para sabermos se suas ações: a) fazem seus alvos mais competitivos em termos de custo e, portanto, ajuda-os a melhor servir seus consumidores no longo prazo; ou b) levam seus alvos num longo declínio secular, irreparavelmente prejudicando sua competitividade e viabilidade.

Qualquer um que argumente em fevereiro de 2017 que ou a opção a) ou a opção b) é claramente a correta está delirando, porque os dados simplesmente ainda não são definitivos, apesar do sucesso do 3G em gerar lucros para os seus acionistas.

O debate é complicado e acalorado porque se a resposta acabar sendo b), no momento em que isso ficar claro, já vai ser tarde demais para salvar essas grandes companhias. Então, por enquanto, o 3G é uma aposta gigantesca na resposta a).

Ao longo das últimas três décadas, eu consultei empresas suficientes que demoraram décadas ou mesmo séculos para construir suas marcas para ficar nervoso com o que eu vejo o 3G fazer de certa distância. Há uma expressão antiga na publicidade que metade de todos os dólares em publicidade são desperdiçados – é apenas impossível descobrir antes qual das metades.

Tudo da Interbrew, Ambev, Anheuser-Busch, Burger King, Tim Hortons, Heinz, Kraft e Unilever foi construído com base em massivos investimentos de longo prazo em publicidade de construção da marca. Se a administração do 3G corta todos os custos cujas justificativas analíticas não podem ser produzidas antecipadamente, o tipo de comportamento administrativo que fez de seus alvos grandes companhias não vai ser levado adiante ou repetido. Apesar de várias escolas de negócios ensinarem administradores modernos a ser analiticamente rigorosos, vários investimentos não podem ser justificados ex ante com uma análise rigorosa. São apostas. Qualquer empresa que não fizer apostas nunca será grande.

Isso não significa que uma companhia possa gastar todos os seus recursos em apostas. Ela precisa ser rigorosa e analítica onde puder e ser ousada quando ser ousada é a única opção. Se o 3G equilibrar essas coisas com cuidado e não só cortar os custos, mas também fizer apostas inteligentes, há uma chance bem maior de o resultado ser a). Se for desequilibrado em análise e corte de gastos, o resultado será b).

Apenas o futuro poderá nos contar qual vai ser. No meio tempo, continuará a existir iguais quantidades de alegria e horror.

*Roger Martin é diretor da escola de negócios Rotman, da Universidade de Toronto e autor de Jogar para Vencer, da editora HSM

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