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Momento para uma grande reconfiguração

O mundo precisa agir de maneira conjunta para reformular todos os aspetos das nossas sociedades e economias pró-pandemia

Coronavírus: a Europa pretende começar reabrir suas fronteiras em julho (Manuel Silvestri/Reuters)
Coronavírus: a Europa pretende começar reabrir suas fronteiras em julho (Manuel Silvestri/Reuters)
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Opinião

Publicado em 12 de junho de 2020 às, 16h49.

O confinamento por causa da pandemia do COVID-19 pode estar gradualmente diminuindo, mas a ansiedade sobre as perspectivas sociais e econômicas do mundo ainda está se intensificando. Há boas razões para preocupação: uma acentuada crise econômica já começou e podemos estar diante da pior depressão desde a década de 1930. Mas, embora esse resultado seja provável, não é inevitável.

Para alcançar um melhor resultado, o mundo precisa agir de maneira conjunta e rápida de modo a reformular todos os aspetos das nossas sociedades e economias, da educação aos contratos sociais e às condições de trabalho. Todos os países, dos Estados Unidos à China, devem participar, e todos os setores, do petróleo e gás à tecnologia, devem ser transformados. Em suma, precisamos de uma “Grande Reconfiguração” do capitalismo.

Existem muitas razões para buscar uma Grande Reconfiguração, porém a mais urgente é o COVID19, que já causou centenas de milhares de mortes e  representa uma das piores crises de saúde pública da história recente. E, com o número de mortes ainda aumentando em muitas partes do mundo, a pandemia está longe de terminar.

Isso terá sérias consequências a longo prazo para o crescimento econômico, a dívida pública, o emprego e o bem-estar humano. Segundo o Financial Times , a dívida global dos governos já atingiu seu nível mais alto em tempos de paz. Além disso, o desemprego está subindo rapidamente em muitos países: nos EUA, por exemplo, um em cada quatro trabalhadores já entrou com pedido de auxílio desemprego desde meados de março, com novas reivindicações semanais muito acima das altas históricas. O Fundo Monetário Internacional espera que a economia mundial encolha 3% este ano – um rebaixamento de 6,3 pontos percentuais em apenas quatro meses.

Tudo isso agravará as crises climáticas e sociais que já estavam acontecendo. Alguns países já utilizaram a crise do COVID-19 como desculpa para relaxar a proteção e  execução da legislação ambiental. E as frustrações relativas aos problemas sociais, tais como o aumento da desigualdade – a riqueza combinada dos bilionários norte-americanos aumentou durante a crise – estão se intensificando.

Caso não sejam resolvidas, essas crises, juntamente com o COVID-19, irão se aprofundar e deixarão o mundo ainda menos sustentável, menos igualitário e mais frágil. Medidas incrementais e correções pontuais não serão suficientes para evitar este cenário. Devemos construir fundações inteiramente novas para os nossos sistemas econômicos e sociais.

O nível de cooperação e ambição que isso implica é sem precedentes. Mas não é um sonho impossível. De fato, uma das principais vantagens da pandemia é que ela mostrou a rapidez com que podemos fazer mudanças radicais em nosso estilo de vida. Quase instantaneamente, a crise forçou empresas e indivíduos a abandonar práticas há muito consideradas essenciais, como frequentes viagens aéreas a trabalho, bem como trabalho exclusivo em um escritório.

Além disso, as populações demonstraram uma impressionante disposição para fazer sacrifícios em prol dos profissionais da saúde e de outros trabalhadores essenciais, bem como de populações vulneráveis, como os idosos. E muitas empresas intensificaram seus esforços para apoiar seus funcionários, clientes e comunidades locais, numa mudança para o tipo de capitalismo de stakeholders com o qual só tinham anteriormente se comprometido da boca para fora.

Está claro que existe a vontade de construir uma sociedade melhor. Devemos utilizá-la para garantir a Grande Reconfiguração de que tanto necessitamos. Isso exigirá governos mais fortes e eficazes, embora não implique um empurrão ideológico para os que que já são grandes. E exigirá o envolvimento do setor privado a cada etapa do processo.

A agenda da Grande Reconfiguração seria constituída por três componentes principais. O primeiro direcionaria o mercado para resultados mais equitativos. Para isso, os governos deveriam melhorar a coordenação (por exemplo, políticas tributária, regulatória e fiscal), atualizar os acordos comerciais e criar as condições para uma “economia de stakeholders”. Em um momento em que se verifica uma diminuição da base tributária e um aumento da dívida pública, os governos têm um poderoso incentivo para seguir por esse caminho.

Além disso, os governos devem implementar reformas há muito aguardadas que promovam resultados mais equitativos. Dependendo do país, isso poderia incluir alterações nos impostos sobre a riqueza, a retirada de subsídios aos combustíveis fósseis e novas regras para regular a propriedade intelectual, o comércio e a concorrência.

O segundo componente de uma agenda da Grande Reconfiguração garantiria que os investimentos promovessem objetivos comuns, como igualdade e sustentabilidade. Aqui, os programas de investimentos em larga escala que muitos governos estão implementando representam uma grande oportunidade de avanço. A Comissão Europeia, por exemplo, divulgou planos para um fundo de recuperação de 750 bilhões de euros (US$ 838 bilhões). EUA, China e Japão também têm ambiciosos planos de estímulo econômico.

Em vez de usar esses fundos, bem como investimentos de entidades privadas e fundos de pensão, para preencher falhas no sistema antigo, deveríamos usá-los para criar um novo sistema que seja mais resiliente, equitativo e sustentável a longo prazo. Isso significa, por exemplo, construir infraestrutura urbana “verde” e criar incentivos para que as indústrias melhorem seu histórico em indicadores ambientais, sociais e de governança.

A terceira e última prioridade de uma agenda da Grande Reconfiguração é aproveitar as inovações da Quarta Revolução Industrial para apoiar o bem público, especialmente abordando os desafios sociais e de saúde. Durante a crise do COVID-19, empresas, universidades e outras entidades uniram-se para desenvolver diagnósticos, técnicas terapêuticas e possíveis vacinas; estabelecer centros de teste; criar mecanismos destinados a rastrear infeções; e para prestar consultas através da telemedicina. Imagine-se o que seria possível se semelhantes esforços conjuntos fossem feitos em todos os setores.

A crise do COVID-19 está afetando todos os aspectos da vida das pessoas em todos os cantos do mundo. Mas tragédia não precisa ser seu único legado. Pelo contrário, a pandemia representa uma rara mas estreita janela de oportunidade para refletir, reimaginar e reconfigurar nosso mundo para criar um futuro mais saudável, mais equitativo e mais próspero.

Klaus Schwab é fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial.