Lulinha “Paz e Amor” e a galinha caipira dos ovos de ouro
"Agora, passada as eleições, exigir que o perdedor se desculpe não reaproxima o país da paz. Desqualificar uma parcela da população não cria coesão social"
Publicado em 11 de novembro de 2022 às, 15h33.
Por Fabio Astrauskas*
Durante seu primeiro discurso pós resultado das urnas, uma das palavras mais utilizadas por Lula, eleito presidente para o mandato 2023-2026, foi pacificação. Nitidamente, o candidato vencedor resgatou o slogan da campanha vitoriosa de 2002, criada pelo marketeiro Duda Mendonça: Lulinha Paz e Amor. Menos de duas semanas depois, no seu primeiro discurso aos membros da equipe de transição de governos, Lula não mais pareceu tão disposto a pacificar a nação. Lula optou por seguir num discurso de campanha, mesmo após encerradas as eleições.
Os discursos de campanha de ambos os candidatos apenas tornaram a polarização mais aguda e o clima mais beligerante. Agora, passada as eleições, exigir que o perdedor se desculpe não reaproxima o país da paz. Desqualificar uma parcela importante da população que discorda das manobras jurídicas que permitiram a recondução do candidato Lula ao poder não reaproxima cidadãos brasileiros e não cria coesão social. Há muitas diferenças entre pacificar e subjugar. Pacificar implica em substituir o tom revanchista pelo tom conciliador. Subjugar significa assumir o discurso do vencedor como verdade e calar a voz do derrotado.
Lula enfatizou ainda a intenção de priorizar os gastos públicos ou, como ele preferiu reclassificar, investimentos públicos em detrimento do teto de gastos, do rigor fiscal e, como ele mesmo fez questão de realçar, da “regra de ouro”. Lula justificou que quebrar a regra de ouro é condição para que toda criança volte a tomar leite à noite e a comer pão com manteiga pela manhã. O discurso emocionado pareceu sincero. Pareceu tão sincero que o mercado financeiro imediatamente reagiu. No entanto, como sempre, o mercado reage de maneira muito mais racional do que emotiva e isto derrubou o índice da bolsa e elevou o dólar. Os analistas, operadores, banqueiros, mas também pequenos e inúmeros investidores nacionais e estrangeiros, certamente demonstraram na reação negativa o que aprenderam desde crianças na fábula da galinha dos ovos de ouro.
Como toda a verdade universal, a fábula da galinha dos ovos de ouro é repetida há séculos, ou melhor, há milênios e não carece de muita explicação. Conta a história de um homem que se depara com uma galinha (ou gansa, nas versões mais antigas) que bota ovos de ouro. Na ganância de enriquecer rapidamente, o homem mata o animal na expectativa equivocada de que dentro do estômago da ave encontraria muito mais ouro do que apenas aquele contido no pequeno ovo. O primeiro registro da fábula data de cerca de 600 a.c e foi contada pelo filósofo grego Esopo. Longe dali, na cultura hindu, em época igualmente antiga, uma fábula parecida pode ser encontrada nos “Contos de Jataka”, integrado à filosofia de Buda. Na versão budista, são as penas do ganso que se transformam em ouro quando caem. O mundo ocidental popularizou o fim trágico da penosa por meio dos contos dos irmãos Grimm durante o século XIX. Aqui no Brasil, a fábula foi tropicalizada substituindo a gansa pela galinha.
Quebrar a regra de ouro significa matar o futuro do Brasil. Significa exaurir os recursos além do que é possível sustentar ou repor. Sustentabilidade é a palavra que embasa o conceito corporativo e de pacto global conhecido como ESG. Defender a sustentabilidade econômica é a base para defender a preservação do meio ambiente (E), para diminuir a desigualdade social (S) e para criar mecanismos de fortalecimento da governança e, em grau mais amplo, da democracia (G). A sustentabilidade econômica não é o fim, mas sim o começo para se conquistar o tão almejado welfare state, ou bem-estar social. Abandonar a regra de ouro, qual seja, o equilíbrio fiscal (gastar compativelmente com os gastos) é o mesmo que cobiçar gastar mais do que a sociedade pode gerar de riqueza, matando a galinha dos ovos de ouro ou depenando todo o ganso sem esperar pela reposição das penas.
Ao contrário do que Lula disse, talvez atrapalhado pela emoção, a fome não acabou durante nenhum dos 4 mandatos dele ou de seus pares. A fome no Brasil existia antes, existiu durante seus mandatos e existe ainda. A fome, ou de maneira mais ampla, a desigualdade extrema é endêmica e somente será resolvida com responsabilidade política, social, jurídica e econômica. Importante dizer que pouquíssimos países conquistaram essa maturidade e nenhum deles abandonando as regras de ouro.
A maioria dos operadores do mercado provavelmente tomava leite à noite e comia pão com manteiga de manhã quando crianças. Os manifestantes em frente aos quartéis também. A maioria deles, com certeza, deseja que todas as crianças, não só seus filhos e filhas, tenham esse direito. Equivocado está o futuro presidente quando pensa e diz que apenas ele e seus aliados estão preocupados com a desigualdade ou quando ele invoca para si a capacidade messiânica de acabar com os males do Brasil. Pior ainda quando o fim dos males se apoia no gasto sem sustentação, transformando o milagre num truque conhecido e desmascarado desde 2016. O Brasil precisa mais do que nunca de um líder que de fato pacifique a nação e recosture o tecido social. Não será com uma postura de açougueiro desajeitado, brandindo o cutelo da mágoa e da revanche, prestes a depenar e destrinchar a galinha dos ovos de ouro e a distribuir os despojos entre os aliados, que isso irá acontecer. Tal líder deve conduzir o país não só para que seus filhos e filhas tenham o que comer, mas também para que seus netos e netas tenham um país mais justo.
*Fabio Astrauskas é economista e CEO da Siegen.