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Governança corporativa: hábitos para um conselho eficaz

Empresas com níveis diferenciados de governança têm uma performance consideravelmente maior que as demais

Cada vez mais, empresas adotam práticas de modernas de governança para se destacar no mercado e melhorar a gestão (UberImages/Getty Images)
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Bibiana Guaraldi

Publicado em 4 de janeiro de 2021 às 11h17.

Quando pensa em governança corporativa, a maioria das pessoas logo imagina um emaranhado de normas e procedimentos que reduz a velocidade de tomada de decisões e impõe um ônus adicional à diretoria executiva das empresas. No entanto, considero a governança um dos elementos fundamentais para a geração de valor em uma organização.

Simplificadamente, a governança corporativa pode ser definida como o conjunto de normas e rituais que guiam e governam a empresa, como poder, responsabilidades, direitos e recompensas, que afetam diretamente a conduta dos stakeholders. Essas regras envolvem todos os públicos internos – e alguns externos – da empresa, embora os principais atores e responsáveis pela governança sejam o conselho de administração e seus membros, em colaboração com o CEO e os principais integrantes da liderança executiva.

Empresas com níveis diferenciados de governança têm uma performance consideravelmente maior que as demais. Ao lado dos índices “ESG”, que englobam empresas de acordo com critérios ambientais, sociais e de governança, a governança tem sido um dos fatores na seleção de portfólio de investidores.

Olhando especificamente para o mercado brasileiro, podemos observar que o IGCX, índice composto por empresas com níveis diferenciados de governança, teve uma valorização de 162% entre 2010 e 2019, valor superior aos 65% do Ibovespa. Já quando olhamos para o índice composto apenas por ações do Novo Mercado, nível mais seleto de governança, a performance é ainda melhor, com valorização de 226%.

Esse valor que a governança pode criar advém do equilíbrio de poder entre o conselho e a equipe executiva, além de processos eficientes. Tudo respaldado pela infraestrutura adequada e realizado pelo grupo certo de conselheiros, capazes de lidar com os desafios estratégicos de cada empresa. Ao longo de todos estes anos de consultoria estratégica para grandes empresas, notei alguns hábitos que têm se mostrado úteis para a criação e manutenção de um conselho de administração eficiente.

Uma das regras mais importantes é assumir as rédeas da estratégia. A maioria dos conselhos faz reuniões especiais ou workshops para tratar do tema. Porém, em geral, se limitam a ouvir apresentações dos planos da equipe executiva, e normalmente aparecem tarde demais no processo. A situação fica ainda mais complexa à medida que novos fatores, como sustentabilidade e responsabilidade empresarial, escalam a lista de prioridades estratégicas. Quanto mais o conselho entender e tomar para si a estratégia, maior será sua capacidade de intervir e ajudar a empresa a aproveitar eventuais oportunidades, como a de grandes aquisições, e gerar valor sustentável para a organização.

Também faz parte da missão de um bom conselho a contratação de uma equipe de ponta, tendo papel fundamental na seleção, desenvolvimento, avaliação e planejamento da sucessão da equipe executiva. Nesse ponto em especial, deve-se ter uma atenção especial à questão da remuneração do CEO, um dos temas mais controversos a ser definidos pelo conselho. Embora a ideia seja atrair os melhores talentos, estudos de mercado apontam para uma remuneração que não para de subir. Parte da solução é garantir que a remuneração excepcional esteja atrelada ao desempenho acima do esperado. Um bom sistema de remuneração deve premiar os resultados, com penalidades reais para o desempenho medíocre. Deve ainda prever que toda recompensa seja simples, transparente e focada na criação sustentável de valor, equilibrando o foco no curto e no longo prazo.

O conselho de administração também deve assegurar a viabilidade financeira da companhia, com um papel relevante na tomada de decisões financeiras, bem como garantir níveis adequados de endividamento e avaliar o benefício de grandes investimentos e aquisições. Todo conselheiro deveria ser capaz de entender e confiar nos números apresentados para, se for o caso, poder questioná-los.

É preciso ainda casar o risco com o retorno. Em geral, os conselhos têm processos formais de avaliação e gestão de riscos operacionais que levam em conta considerações comerciais, financeiras e legais. Poucos conselhos, no entanto, entendem os verdadeiros riscos inerentes à estratégia da empresa. Nossos dados indicam que 70% das aquisições terminam não gerando valor e 70% das apostas em mercados novos, alheios ao core business, também fracassam. É fundamental que o conselho avalie o risco e o retorno de suas decisões.

Fazer o que é certo para o conselho e para a empresa significa não sucumbir indevidamente a pressões externas. Para evitar a cilada da compliance pro forma e do foco no curto prazo, o conselho precisa tomar medidas para retomar o controle da agenda e privilegiar os investidores com uma visão de longo prazo. Transparência e comunicação eficaz são fundamentais.

Um conselho eficaz deve ter bons processos em funcionamento, tais como agenda anual, tomadas de decisão segundo alçadas, avaliação da efetividade da governança e nomeação de membros adequados, preparação, envio e análise prévia de materiais, entre outros. É vital que o conselho tenha um presidente eficaz, que valorize e defenda o papel do grupo e garanta a implementação dos processos adequados.

O presidente dá o tom, garante que o modelo de governança funcione na prática, coloca questões de desempenho no centro da pauta, coordena um time, alavancando as habilidades e experiências diversas, e avalia regularmente a eficácia do conjunto. A capacidade de um conselho de agregar valor depende muito de quão bem seus integrantes conseguem trabalhar com o presidente do conselho e com o CEO.

Em cenários de crise, como o recente, provocado pela pandemia de covid-19, empresas cujos conselhos praticam com disciplina esses hábitos estão mais preparadas para um enfrentamento sólido e a retomada rápida de seu dinamismo.

Em momentos como o que passamos neste ano, o conselho deve prestar ainda mais atenção à estratégia da empresa sem, no entanto, entrar em temas operacionais, enquanto o CEO está com foco na gestão da crise. Nesse contexto, interações regulares com o principal executivo se tornam ainda mais valiosas, para garantir a consistência do propósito e a estratégia da empresa, monitoramento das respostas à crise e fórum de troca de ideias. O conselho também agrega valor, ao ajudar o CEO a manter a resiliência e a motivação necessárias para a travessia dos momentos mais difíceis.

*Stefano Bridelli é chairman da Bain & Company na América do Sul.

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Quando pensa em governança corporativa, a maioria das pessoas logo imagina um emaranhado de normas e procedimentos que reduz a velocidade de tomada de decisões e impõe um ônus adicional à diretoria executiva das empresas. No entanto, considero a governança um dos elementos fundamentais para a geração de valor em uma organização.

Simplificadamente, a governança corporativa pode ser definida como o conjunto de normas e rituais que guiam e governam a empresa, como poder, responsabilidades, direitos e recompensas, que afetam diretamente a conduta dos stakeholders. Essas regras envolvem todos os públicos internos – e alguns externos – da empresa, embora os principais atores e responsáveis pela governança sejam o conselho de administração e seus membros, em colaboração com o CEO e os principais integrantes da liderança executiva.

Empresas com níveis diferenciados de governança têm uma performance consideravelmente maior que as demais. Ao lado dos índices “ESG”, que englobam empresas de acordo com critérios ambientais, sociais e de governança, a governança tem sido um dos fatores na seleção de portfólio de investidores.

Olhando especificamente para o mercado brasileiro, podemos observar que o IGCX, índice composto por empresas com níveis diferenciados de governança, teve uma valorização de 162% entre 2010 e 2019, valor superior aos 65% do Ibovespa. Já quando olhamos para o índice composto apenas por ações do Novo Mercado, nível mais seleto de governança, a performance é ainda melhor, com valorização de 226%.

Esse valor que a governança pode criar advém do equilíbrio de poder entre o conselho e a equipe executiva, além de processos eficientes. Tudo respaldado pela infraestrutura adequada e realizado pelo grupo certo de conselheiros, capazes de lidar com os desafios estratégicos de cada empresa. Ao longo de todos estes anos de consultoria estratégica para grandes empresas, notei alguns hábitos que têm se mostrado úteis para a criação e manutenção de um conselho de administração eficiente.

Uma das regras mais importantes é assumir as rédeas da estratégia. A maioria dos conselhos faz reuniões especiais ou workshops para tratar do tema. Porém, em geral, se limitam a ouvir apresentações dos planos da equipe executiva, e normalmente aparecem tarde demais no processo. A situação fica ainda mais complexa à medida que novos fatores, como sustentabilidade e responsabilidade empresarial, escalam a lista de prioridades estratégicas. Quanto mais o conselho entender e tomar para si a estratégia, maior será sua capacidade de intervir e ajudar a empresa a aproveitar eventuais oportunidades, como a de grandes aquisições, e gerar valor sustentável para a organização.

Também faz parte da missão de um bom conselho a contratação de uma equipe de ponta, tendo papel fundamental na seleção, desenvolvimento, avaliação e planejamento da sucessão da equipe executiva. Nesse ponto em especial, deve-se ter uma atenção especial à questão da remuneração do CEO, um dos temas mais controversos a ser definidos pelo conselho. Embora a ideia seja atrair os melhores talentos, estudos de mercado apontam para uma remuneração que não para de subir. Parte da solução é garantir que a remuneração excepcional esteja atrelada ao desempenho acima do esperado. Um bom sistema de remuneração deve premiar os resultados, com penalidades reais para o desempenho medíocre. Deve ainda prever que toda recompensa seja simples, transparente e focada na criação sustentável de valor, equilibrando o foco no curto e no longo prazo.

O conselho de administração também deve assegurar a viabilidade financeira da companhia, com um papel relevante na tomada de decisões financeiras, bem como garantir níveis adequados de endividamento e avaliar o benefício de grandes investimentos e aquisições. Todo conselheiro deveria ser capaz de entender e confiar nos números apresentados para, se for o caso, poder questioná-los.

É preciso ainda casar o risco com o retorno. Em geral, os conselhos têm processos formais de avaliação e gestão de riscos operacionais que levam em conta considerações comerciais, financeiras e legais. Poucos conselhos, no entanto, entendem os verdadeiros riscos inerentes à estratégia da empresa. Nossos dados indicam que 70% das aquisições terminam não gerando valor e 70% das apostas em mercados novos, alheios ao core business, também fracassam. É fundamental que o conselho avalie o risco e o retorno de suas decisões.

Fazer o que é certo para o conselho e para a empresa significa não sucumbir indevidamente a pressões externas. Para evitar a cilada da compliance pro forma e do foco no curto prazo, o conselho precisa tomar medidas para retomar o controle da agenda e privilegiar os investidores com uma visão de longo prazo. Transparência e comunicação eficaz são fundamentais.

Um conselho eficaz deve ter bons processos em funcionamento, tais como agenda anual, tomadas de decisão segundo alçadas, avaliação da efetividade da governança e nomeação de membros adequados, preparação, envio e análise prévia de materiais, entre outros. É vital que o conselho tenha um presidente eficaz, que valorize e defenda o papel do grupo e garanta a implementação dos processos adequados.

O presidente dá o tom, garante que o modelo de governança funcione na prática, coloca questões de desempenho no centro da pauta, coordena um time, alavancando as habilidades e experiências diversas, e avalia regularmente a eficácia do conjunto. A capacidade de um conselho de agregar valor depende muito de quão bem seus integrantes conseguem trabalhar com o presidente do conselho e com o CEO.

Em cenários de crise, como o recente, provocado pela pandemia de covid-19, empresas cujos conselhos praticam com disciplina esses hábitos estão mais preparadas para um enfrentamento sólido e a retomada rápida de seu dinamismo.

Em momentos como o que passamos neste ano, o conselho deve prestar ainda mais atenção à estratégia da empresa sem, no entanto, entrar em temas operacionais, enquanto o CEO está com foco na gestão da crise. Nesse contexto, interações regulares com o principal executivo se tornam ainda mais valiosas, para garantir a consistência do propósito e a estratégia da empresa, monitoramento das respostas à crise e fórum de troca de ideias. O conselho também agrega valor, ao ajudar o CEO a manter a resiliência e a motivação necessárias para a travessia dos momentos mais difíceis.

*Stefano Bridelli é chairman da Bain & Company na América do Sul.

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