Eleições 2022: haveria uma rota pragmática no horizonte?
A existência de um segundo turno é positiva, uma vez que cria força conciliação entre as partes, gerando um tom mais moderado
Publicado em 3 de outubro de 2022 às, 07h43.
Última atualização em 3 de outubro de 2022 às, 08h56.
Por Matheus Spiess, estrategista da Empiricus Research
Chegamos ao final do primeiro turno das eleições brasileiras e o cenário base com o qual muitos trabalhavam se materializou: teremos um segundo entre o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro. Apesar do resultado ter ido no sentido que pensávamos, houve um nítido descasamento com as pesquisas divulgadas até a véspera do pleito, diferença impulsionada provavelmente por defasagens metodológicas (os institutos de pesquisas precisam se reinventar) e pela arrancada de Bolsonaro na reta final, fruto do engajamento de sua base e da ainda forte presença do antipetismo.
Com pouco mais de 48% dos votos válidos, muito dificilmente Lula será derrotado no segundo turno (o cenário base segue de vitória do petista no próximo pleito, como antes). Contudo, mesmo que Bolsonaro seja derrotado no dia 30 de outubro (ainda há chance de uma virada inédita, fique claro, ainda que seja muito improvável), o bolsonarismo se mostrou mais forte do que nunca. A contínua e eficaz utilização das mídias sociais e o engajamento da própria base fez muita diferença, evidenciando quatro forças presentes nas eleições: i) lulopetismo; ii) bolsonarismo; iii) antipetismo; e iv) pragmatismo. Dessa forma, tivemos o confronto dos dois maiores fenômenos políticos recentes do Brasil, Bolsonaro e Lula, cada um com sua ala, polarizando uma com a outra.
Em um país como o Brasil, composto por mais de 215 milhões de habitantes e responsável por uma economia de mais de US$ 1,8 trilhão, essa dinâmica não pode ser ignorada pelo mundo, até mesmo porque as três últimas forças que elenquei se mostraram vitais para a construção do próximo parlamento, com o qual o próximo presidente irá precisar dialogar incessantemente para ter governabilidade. Como já se esperava, talvez até de maneira mais agressiva por conta da presença de um bolsonarismo muito forte, houve a criação de uma legislatura a partir de 2023 mais conservadora do que a atual, o que pode servir como uma boa sinalização para o mercado – um congresso predominantemente de centro, centro-direita e direita.
O segundo turno é uma nova eleição, tendo em vista um possível novo comparecimento e mais um mês de campanha. Com isso, se o primeiro turno serviu de algo para o mercado, acredito que seja algo positivo. Lula terá que caminhar ainda mais para o centro e deverá sinalizar vetores mercadológicos em sua equipe sem perder o apoio de sua base. Ao mesmo tempo, Bolsonaro vai querer trabalhar melhor os votos de Minas Gerais, os quais podem sim ser o trunfo da eleição a depender do apoio de Zema (historicamente, o presidente eleito sempre ganhou em Minas Gerais).
Diante de um Congresso cada vez mais forte, a governabilidade dos próximos anos será bastante limitada no caso da eleição de Lula, que encontrará um Brasil muito diferente daquele com o qual se defrontou em 2003. Chama a atenção porque as perspectivas do Brasil poderiam ser as melhores em anos, apesar das dificuldades da última década. Como um grande produtor de commodities, podemos nos beneficiar das reformas implantadas nos últimos dois governos (Temer e Bolsonaro) e ainda surfar o patamar mais elevado de preços das commodities, de maneira muito similar ao que aconteceu entre 2003 e 2010. Ao mesmo tempo, os ativos parecem estimulados pela combinação de valuation atrativo e posição técnica favorável (os investidores têm pouco de Bolsa brasileira).
Entretanto, não apenas o ambiente doméstico é mais desafiador, mas o internacional também é. Vivemos o temor de uma recessão global em linha com o aperto monetário realizado até então. As relações internacionais estão mais atribuladas e o contexto do posicionamento brasileiro não é mais o mesmo (estamos distante dos anos de euforia do BRICS). Lidar com essa nova realidade sem poder dormir tranquilo com o legislativo particionado será difícil.
A eleição de um congresso predominantemente conservador, com possível viés reformista e liberal, impedirá mudanças nas boas proposições mercadológicas dos últimos anos, impedindo qualquer aventura fiscalmente irresponsável – consideravelmente importante para o Brasil, principalmente depois do colapso do mercado cambial e de títulos do Reino Unido com a apresentação dos novos programas fiscais do governo britânico. Isso me faz acreditar em um caminho pragmático no horizonte, importante no processo de redesenho das cadeias produtivas globais, em que o Brasil se vê como peça-chave (o Brasil pode oferecer muita coisa demandada se houver juízo institucional).
A chance de Lula voltar a ser presidente é maior, mas não é a única. A força bolsonarista ainda pode surpreender e alcançar uma improvável reeleição de Bolsonaro, que seria relativamente positiva para o mercado, uma vez que teríamos o distanciamento das medidas mais expansionistas do primeiro semestre do ano e caminharíamos para a agenda pró-negócios (ao menos na margem) de Paulo Guedes, como fazíamos em 2019, antes da pandemia. Por outro lado, a provável eleição do ex-presidente Lula, diante da força do bolsonarismo no Congresso, deverá entregar algo semelhante a um governo Lula 1, com política mercadológica no ministério da economia. Os dois desfechos me parecem bons para os ativos locais.
O risco fica por conta não mais de uma falta de aproximação com um discurso fiscalista, que deverá acontecer nas próximas semanas — o problema mais importante a se resolver no Brasil hoje é a questão fiscal de longo prazo, que engessa o orçamento em mais de 90% e dá pouca liberdade para a condução da máquina de maneira eficaz —, mas pela contestação do resultado eleitoral a partir de uma eventual vitória apertada do ex-presidente Lula (considerando o resultado de hoje e consolidação da base eleita de Bolsonaro, uma vitória apertada se trata de um desfecho bem plausível).
Neste caso, vale se preparar para forte volatilidade no mercado. O investidor precisa estar preparado para semanas de mais volatilidade, ainda que, sob uma perspectiva mais estrutural, as eleições não representem uma ameaça concreta diante de tudo que coloquei anteriormente. Haverá muito estresse até o segundo turno e depois dele. Ainda assim, apesar dessa expectativa de volatilidade, podemos estar na porta de entrada de um ciclo mais longo para os ativos nacionais.
Em poucas palavras, portanto, a esquerda pode ter se fortalecido, mas não conseguiu se reorganizar tão bem quanto a direita nos últimos anos mais alinhados com o mercado que vivemos desde o governo Temer. Se eleito, Lula precisará conversar muito com o centro e com a direita. Por isso, o desfecho do primeiro turno deverá ser bom para a Bolsa; afinal, a existência de um segundo turno é positiva, uma vez que cria força conciliação entre as partes, gerando um tom mais moderado e possibilitando pouca margem para loucuras.
Ainda há risco de ruídos, como o que mencionei, mas talvez ele possa se desnutrir nas próximas semanas, a depender do andar da carruagem. Neste caso, enxergo uma assimetria convidativa sobre os ativos brasileiros ao mesmo tempo em que, claro, reconheço os riscos associados, até mesmo porque comportamentos políticos são sempre difíceis de se antecipar.