Como irá terminar a tragédia em Hong Kong
Desde o fim do ano passado, a China busca assegurar o controle total sobre a ex-colônia britânica de Hong Kong
felipegiacomelli
Publicado em 28 de maio de 2020 às 08h22.
A decisão da China de reprimir Hong Kong com uma nova lei de segurança chocou o mundo. Mas para quem leu a resolução emitida pelo Comitê Central do Partido Comunista da China em novembro do ano passado, isso não é surpresa. Na seção desse documento referente a Hong Kong, o CPC sinalizou sua intenção de assegurar controle total sobre a ex-colônia britânica. Leis mais rigorosas de segurança nacional e o estabelecimento de novos mecanismos de cumprimento da lei não especificados seriam apenas dois componentes de uma estratégia muito maior e mais abrangente.
Agora que a China está adotando seriamente essa estratégia, deveríamos esperar que ela fosse seguir as medidas adicionais anunciadas em novembro passado. Além de ignorar a legislação de Hong Kong com uma nova lei de segurança nacional, o PCC também pretende alterar os procedimentos para nomear o chefe do executivo e as principais autoridades da cidade. Ela fortalecerá a maneira de aplicação da lei de Hong Kong e conduzirá uma campanha para instilar "consciência nacional e espírito patriótico" entre funcionários públicos e a juventude de Hong Kong. O objetivo é integrar muito mais a economia da cidade à do continente. Como se a tão temida lei de segurança não fosse ruim o suficiente, o pior ainda está por vir.
De qualquer forma, a implementação da lei de segurança provavelmente será suficiente para encerrar o chamado “um país dois sistemas”, modelo de governança de dois sistemas que a cidade mantém desde o retorno ao domínio chinês em 1997. Segundo observações de um vice-presidente do comitê permanente do Congresso Nacional do Povo (CNP), o Artigo 4º da lei proposta autorizará relevantes “agências de segurança nacional do governo central” a estabelecer filiais operacionais permanentes em Hong Kong.
Embora ainda não se saiba a quais "relevantes agências nacionais de segurança" isso se refere, pode-se ter certeza de que nelas estão incluídos o Ministério de Segurança do Estado (MSS), o Ministério de Segurança Pública (MSP) e a Polícia Armada Popular (PAP). Funcionários da Administração do Ciberespaço, responsáveis pela segurança cibernética e a censura on-line, também podem ser enviados para Hong Kong.
Pior ainda, a lei proposta dará a essas agências um abrangente mandato. De acordo com o Artigo 7º, cada agência terá o dever de “impedir, interromper e punir quaisquer atividades que dividam o país, subvertam o poder do Estado, organizem e se envolvam em terrorismo, e atividades por forças estrangeiras e externas que interfiram nos assuntos da Região Administrativa Especial de Hong Kong.”
Caso seja rigorosamente cumprido, poderemos ter agentes de segurança chineses envolvidos em vigilância, intimidação e prisões não apenas dos residentes de Hong Kong, mas também de estrangeiros considerados como ameaça à segurança nacional. A PAP pode muito bem ser implantada para suprimir grandes manifestações e distúrbios que certamente ocorrerão. Embora ainda não esteja claro de que maneira os indivíduos acusados de atividades subversivas serão processados, há uma forte possibilidade de serem transferidos para os tribunais chineses, onde a obtenção de condenações por acusações falsas será mais fácil do que nos tribunais de Hong Kong, que permanecem majoritariamente independentes.
A população de Hong Kong não se submeterá ao estado policial da China sem resistência. No curto prazo, a aprovação da nova lei só aumentará as tensões na cidade, como demonstrado por um recente choque entre manifestantes e a polícia de Hong Kong. Quando os agentes de segurança chineses iniciarem suas atividades de fiscalização nos próximos meses, eles provavelmente encontrarão uma feroz resistência de ativistas locais pró-democracia. A escalada da violência precipitará um colapso econômico à medida que o capital e os talentos fugirem do hub financeiro global da Ásia.
Enquanto isso, os falcões da China nos Estados Unidos verão essa iminente catástrofe como uma dádiva de Deus. Em novembro passado, o Congresso aprovou a Lei de Direitos Humanos e Democracia dos EUA em Hong Kong, que exige que o Departamento de Estado dos EUA certifique anualmente que Hong Kong “continua a garantir tratamento sob a lei dos Estados Unidos da mesma maneira que as leis dos Estados Unidos eram aplicadas para Hong Kong até 1º de julho de 1997.” Se agentes de segurança chineses começarem a prender ativistas pró-democracia e seus apoiadores ocidentais em Hong Kong, é impossível imaginar que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, permita que o departamento homologue nova certificação do status da cidade.
No caso da não certificação, isso acabaria com todos ou com a maioria dos privilégios comerciais e de turismo que os EUA mantêm para Hong Kong desde 1997, possivelmente causando um golpe fatal na economia da cidade. E os EUA não serão o único país do ocidente a fazer a China pagar caro por sua agressiva iniciativa. Para os aliados dos EUA que hesitaram em tomar partido nos desdobramentos sino-americanos, essa ação da China facilitará muito sua decisão. Quaisquer dúvidas que possam ter sobre mergulhar o mundo em outra guerra fria terão sido diminuídas. A China os deixará sem alternativa a não ser se juntar a uma coalizão anti-China liderada pelos EUA.
Pode-se ter certeza de que os líderes da China levaram em consideração todas essas consequências calamitosas e calcularam que a imposição da nova lei de segurança em Hong Kong compensaria os riscos. A comunidade internacional precisa provar que eles estão errados.
*Minxin Pei é Professor de Assuntos Governamentais na Faculdade Claremont McKenna e Membro Não Residente do German Marshall Fund dos Estados Unidos. É autor do livro China’s Crony Capitalism . (Capitalismo Clientelista da China) e primeiro Presidente da Biblioteca do Congresso nas Relações EUA-China .
A decisão da China de reprimir Hong Kong com uma nova lei de segurança chocou o mundo. Mas para quem leu a resolução emitida pelo Comitê Central do Partido Comunista da China em novembro do ano passado, isso não é surpresa. Na seção desse documento referente a Hong Kong, o CPC sinalizou sua intenção de assegurar controle total sobre a ex-colônia britânica. Leis mais rigorosas de segurança nacional e o estabelecimento de novos mecanismos de cumprimento da lei não especificados seriam apenas dois componentes de uma estratégia muito maior e mais abrangente.
Agora que a China está adotando seriamente essa estratégia, deveríamos esperar que ela fosse seguir as medidas adicionais anunciadas em novembro passado. Além de ignorar a legislação de Hong Kong com uma nova lei de segurança nacional, o PCC também pretende alterar os procedimentos para nomear o chefe do executivo e as principais autoridades da cidade. Ela fortalecerá a maneira de aplicação da lei de Hong Kong e conduzirá uma campanha para instilar "consciência nacional e espírito patriótico" entre funcionários públicos e a juventude de Hong Kong. O objetivo é integrar muito mais a economia da cidade à do continente. Como se a tão temida lei de segurança não fosse ruim o suficiente, o pior ainda está por vir.
De qualquer forma, a implementação da lei de segurança provavelmente será suficiente para encerrar o chamado “um país dois sistemas”, modelo de governança de dois sistemas que a cidade mantém desde o retorno ao domínio chinês em 1997. Segundo observações de um vice-presidente do comitê permanente do Congresso Nacional do Povo (CNP), o Artigo 4º da lei proposta autorizará relevantes “agências de segurança nacional do governo central” a estabelecer filiais operacionais permanentes em Hong Kong.
Embora ainda não se saiba a quais "relevantes agências nacionais de segurança" isso se refere, pode-se ter certeza de que nelas estão incluídos o Ministério de Segurança do Estado (MSS), o Ministério de Segurança Pública (MSP) e a Polícia Armada Popular (PAP). Funcionários da Administração do Ciberespaço, responsáveis pela segurança cibernética e a censura on-line, também podem ser enviados para Hong Kong.
Pior ainda, a lei proposta dará a essas agências um abrangente mandato. De acordo com o Artigo 7º, cada agência terá o dever de “impedir, interromper e punir quaisquer atividades que dividam o país, subvertam o poder do Estado, organizem e se envolvam em terrorismo, e atividades por forças estrangeiras e externas que interfiram nos assuntos da Região Administrativa Especial de Hong Kong.”
Caso seja rigorosamente cumprido, poderemos ter agentes de segurança chineses envolvidos em vigilância, intimidação e prisões não apenas dos residentes de Hong Kong, mas também de estrangeiros considerados como ameaça à segurança nacional. A PAP pode muito bem ser implantada para suprimir grandes manifestações e distúrbios que certamente ocorrerão. Embora ainda não esteja claro de que maneira os indivíduos acusados de atividades subversivas serão processados, há uma forte possibilidade de serem transferidos para os tribunais chineses, onde a obtenção de condenações por acusações falsas será mais fácil do que nos tribunais de Hong Kong, que permanecem majoritariamente independentes.
A população de Hong Kong não se submeterá ao estado policial da China sem resistência. No curto prazo, a aprovação da nova lei só aumentará as tensões na cidade, como demonstrado por um recente choque entre manifestantes e a polícia de Hong Kong. Quando os agentes de segurança chineses iniciarem suas atividades de fiscalização nos próximos meses, eles provavelmente encontrarão uma feroz resistência de ativistas locais pró-democracia. A escalada da violência precipitará um colapso econômico à medida que o capital e os talentos fugirem do hub financeiro global da Ásia.
Enquanto isso, os falcões da China nos Estados Unidos verão essa iminente catástrofe como uma dádiva de Deus. Em novembro passado, o Congresso aprovou a Lei de Direitos Humanos e Democracia dos EUA em Hong Kong, que exige que o Departamento de Estado dos EUA certifique anualmente que Hong Kong “continua a garantir tratamento sob a lei dos Estados Unidos da mesma maneira que as leis dos Estados Unidos eram aplicadas para Hong Kong até 1º de julho de 1997.” Se agentes de segurança chineses começarem a prender ativistas pró-democracia e seus apoiadores ocidentais em Hong Kong, é impossível imaginar que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, permita que o departamento homologue nova certificação do status da cidade.
No caso da não certificação, isso acabaria com todos ou com a maioria dos privilégios comerciais e de turismo que os EUA mantêm para Hong Kong desde 1997, possivelmente causando um golpe fatal na economia da cidade. E os EUA não serão o único país do ocidente a fazer a China pagar caro por sua agressiva iniciativa. Para os aliados dos EUA que hesitaram em tomar partido nos desdobramentos sino-americanos, essa ação da China facilitará muito sua decisão. Quaisquer dúvidas que possam ter sobre mergulhar o mundo em outra guerra fria terão sido diminuídas. A China os deixará sem alternativa a não ser se juntar a uma coalizão anti-China liderada pelos EUA.
Pode-se ter certeza de que os líderes da China levaram em consideração todas essas consequências calamitosas e calcularam que a imposição da nova lei de segurança em Hong Kong compensaria os riscos. A comunidade internacional precisa provar que eles estão errados.
*Minxin Pei é Professor de Assuntos Governamentais na Faculdade Claremont McKenna e Membro Não Residente do German Marshall Fund dos Estados Unidos. É autor do livro China’s Crony Capitalism . (Capitalismo Clientelista da China) e primeiro Presidente da Biblioteca do Congresso nas Relações EUA-China .