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Água mole em pedra dura: o necessário avanço da filantropia

O ditado foi inspirado nas ondas do mar, mas pode servir também para incentivar a prática da filantropia

O ditado "água mole em pedra dura tanto bate até que fura" foi inspirado nas ondas do mar, mas pode servir também para incentivar a prática da filantropia (Thinkstock)
O ditado "água mole em pedra dura tanto bate até que fura" foi inspirado nas ondas do mar, mas pode servir também para incentivar a prática da filantropia (Thinkstock)

Por Fernando Goldsztein

Diz o ditado que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. E, foi inspirado nas ondas do mar, que açoitam incansavelmente o rochedo, que escrevo mais um texto sobre filantropia. Tenho a pretensão de ajudar no incentivo da prática da filantropia no Brasil.

Li uma notícia inusitada no Wall Street Journal há alguns dias. Tratava-se de uma formatura na University of Dartmouth, em Boston. O paraninfo era um milionário americano chamado Robert Hale. Ele surpreendeu os mais de mil formandos entregando um envelope com mil dólares para cada um. Porém, havia uma condicionante. A metade do valor, isto é, quinhentos dólares, teria que ser destinada para uma ou mais instituições de caridade escolhidas por cada um dos alunos.

A atitude de Hale despertou a atenção da mídia. Não pela doação em si, pois os americanos estão acostumados com ações filantrópicas de valores até mais vultosos. O inusitado na iniciativa de Hale foi condicionar os jovens a buscar causas para doar parte do dinheiro recebido.

O efeito multiplicador da doação de Hale a torna muito maior do que seu valor intrínseco. Ela faz os jovens refletirem sobre as causas que os sensibilizam. Faz eles pesquisarem as organizações que julgam ser merecedoras da sua doação. A iniciativa, portanto, tem o condão de despertar e incutir o espírito da filantropia na mente daqueles jovens. Brilhante!

Infelizmente, o Brasil está longe dessa realidade. Não obstante as reações de solidariedade às crises humanitárias, como foi na pandemia e, mais recentemente, na tragédia climática do Rio Grande do Sul, o Brasil não está bem posicionado no ranking mundial da filantropia.

Diferente dos Estados Unidos, a filantropia aqui ainda é incipiente. E não me refiro somente aos números absolutos, já que a economia dos EUA é, obviamente, muito maior do que a nossa. Se relativizarmos pelo PIB de cada país, os brasileiros doam 0,2%, enquanto os americanos doam 2,1% - dez vezes mais.

As razões para esta disparidade são muitas. Começam pelas raízes culturais desde a época em que éramos colônia de Portugal. Enquanto os portugueses dividiram o país em capitanias hereditárias e as doaram aos amigos do rei para que fossem exploradas, os peregrinos ingleses desembarcaram na costa da Nova Inglaterra para construir um novo país com as próprias mãos. Infelizmente, a cultura do estado paternalista, onipresente e que tudo provê, é ainda muito enraizada no Brasil.

A falta de confiança nas instituições em geral, fortemente influenciada pelo alto nível de corrupção e má gestão do setor público, também é outro fator que desestimula as doações no país. As pessoas temem que as suas doações não atinjam o propósito para o qual foram destinadas.

O Brasil também carece de incentivos fiscais para o terceiro setor. O pouco que existe é sujeito a regras complexas e burocráticas. E ainda, a liberdade de escolha de instituições e projetos é restrita aos previamente credenciados pelo Governo. Isso acaba resultando numa baixíssima aderência dos contribuintes.

E por último, mas não menos importante, a necessária adequação do regramento tributário para os Fundos Patrimoniais de Filantropia, mais conhecidos como Fundos de Endowment. Estes fundos, ainda incipientes no Brasil, são criados a partir de doações para universidades, hospitais e outras instituições sem fins lucrativos. Eles possibilitam que estas instituições tenham uma fonte de renda contínua para sustentar as suas operações de forma duradoura.

Os governos, infelizmente, estão muito aquém de atender todas as demandas da sociedade. É necessário que cada um de nós faça a sua parte. A filantropia pode e deve exercer um papel fundamental para atenuar a desigualdade social no país. É preciso trazer este tema à tona. Por isso escrevo este texto. Afinal, água mole em pedra dura…

Fernando Goldsztein

Fundador do The Medulloblastoma Initiative

Conselheiro da Children’s National Foundation