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A Pandemia dos Populistas

Depois de menosprezar especialistas, marca registrada de suas carreiras políticas, Trump e Boris Johnson foram forçados a recuar

Trump: o presidente chegou a sugerir que pacientes de covid-19 fossem tratados com desinfetante (Jim Young/Reuters)
Trump: o presidente chegou a sugerir que pacientes de covid-19 fossem tratados com desinfetante (Jim Young/Reuters)
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Opinião

Publicado em 6 de maio de 2020 às, 16h31.

LONDRES – O presidente dos EUA, Donald Trump, sugeriu que injeção de desinfetante doméstico pode curar as pessoas com coronavírus. O presidente filipino, Rodrigo Duterte, ordenou que a polícia e os militares matassem qualquer pessoa que “criasse problemas” durante o período de quarentena. E no México, o presidente Andrés Manuel López Obrador negou durante várias semanas que o vírus era uma ameaça e continuou a abraçar e apertar a mão de seus apoiadores, até subitamente mudar de atitude e impor um grave bloqueio sem aviso prévio.

Como os líderes populistas de direita e esquerda superaram os níveis de incompetência durante a pandemia, tornou-se comum afirmar que em breve poderiam se tornar suas próprias vítimas políticas. Infelizmente, isso pode ser uma ilusão. O vírus é letal e cruel, mas por si só não achatará a curva de contágio populista.

A crise tem produzido um subproduto saudável: restaurar um pouco de respeito pelo conhecimento. Depois de menosprezar especialistas, marca registrada de suas carreiras políticas, Trump e o Primeiro-Ministro britânico, Boris Johnson foram forçados a participar de entrevistas coletivas com seus assessores científicos, que contradiziam abertamente seus chefes sempre que necessário. Pior ainda, Trump precisou engolir a indignação com uma pesquisa que mostra que Anthony Fauci, principal especialista em doenças infecciosas do governo, desfruta de um índice de aprovação quase duas vezes maior que o seu.

Isso é um golpe contra o antielitismo que levou populistas ao poder. Mas outros fatores ainda operam a favor deles. Populistas conscientes certamente não são os únicos a fazer confusão com as coisas. O Primeiro-Ministro espanhol Pedro Sánchez e o Primeiro-Ministro italiano Giuseppe Conte – que não são populistas, embora tenham jovens parceiros populistas em seus governos de coalizão – têm o invejável registro de serem os principais países líderes mundiais em mortes per capita por coronavírus.

E quem disse que os fatos conduzem as preferências políticas, afinal? O peso das notícias falsas e da política baseada na identidade pode estar aumentando, não diminuindo, na era do COVID-19. Trump culpou a China pelo vírus e fechou os EUA aos migrantes, e sua base o apoiou. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, seguiu o mesmo roteiro, alegando que a crise do coronavírus é um truque da mídia. Como disse um epidemiologista da Universidade de São Paulo: “É como se todos estivessem no mesmo trem que segue em direção à beira de um precipício e alguém dissesse: 'Cuidado! Um precipício!’ E os passageiros gritam: 'Oh, não, não é nada!' E o maquinista diz: 'Sim, isso não é nada’!”

Como o estabelecimento de relações causais é difícil (as quarentenas são eficazes para diminuir a taxa de contágio? As expansões fiscais serão eficazes para tirar a economia da recessão?), a maioria das pessoas não espera obter respostas por conta própria. Em vez disso, procuram outras pessoas que afirmam saber das coisas e seguem uma regra simples: Acredite nas pessoas com quem eu possa me identificar, que falem e ajam como eu, e que provavelmente compartilhem meus valores e tomem as decisões que eu teria tomado se tivesse informação suficiente.

É por isso que os eleitores confiam nos políticos populistas e desconfiam do establishment político, dos líderes das instituições tradicionais e, até recentemente, dos especialistas e tecnocratas. Se os populistas ganham ou perdem politicamente com a pandemia, portanto, depende se a crise fortalece ou enfraquece ainda mais a confiança nas instituições democráticas.

Posso imaginar duas respostas muito diferentes para esta segunda questão. A primeira é a resposta de 2010: como muitos eleitores viram, após a crise financeira global, Wall Street conseguiu resgate financeiro, enquanto às pessoas comuns sobrou apenas com desemprego e a perda das casas. (É certo que, nos EUA, o resgate financeiro evitou outra Grande Depressão e também permitiu ao Estado ganhar dinheiro com isso).

Em alguns países, a recuperação econômica foi lenta; em outros, como na Grécia, a crise se arrastou por quase uma década. Adicione-se à receita uma colherada de corrupção, uma pitada de inépcia e uma pouco de escândalo, que vai da FIFA à Igreja Católica, e voilà: um perfeito guisado de desconfiança. Não estamos nisso juntos, muitos concluíram. As elites cuidam apenas de si mesmas. Vamos drenar o pântano.

A resposta alternativa remonta a 1945. Dos escombros e devastação da guerra, emergiu uma confiança social durável. No Reino Unido e nos EUA, o garoto rico de Oxford ou Yale havia brigado ombro a ombro com o filho do mineiro de carvão de North Yorkshire ou de Hazard, Kentucky. Empresas privadas, grandes e pequenas, haviam se mobilizado para fins públicos: o esforço de guerra. E os políticos haviam conseguido o bem comum final: a vitória.

O sofrimento e a perda de vidas durante a Segunda Guerra Mundial foram horríveis. Mas em muitos países, os cidadãos podem plausivelmente concluir que estamos nisso juntos, e juntos construiremos um melhor amanhã.

Então, qual será, 2010 ou 1945?

Embora seja cedo demais para dizer, os aplausos ritualísticos para os profissionais de saúde da linha de frente, seja em Nova York, Madri, Paris ou Istambul, lembram o espírito de 1945. No meu canto de Londres, vizinhos surgem toda quinta-feira pontualmente às 20h, não apenas para celebrar o Serviço Nacional de Saúde, mas também para trocar histórias e oferecer ajuda mútua com as compras ou para cuidar de alguma criança.

Mas antes que democratas liberais tenham esperança demais, eles devem se lembrar de que a crise também semeará muitas divisões: entre profissionais que podem trabalhar em casa e operários que não podem; entre idosos que não podem sair e jovens que estão sendo mantidos dentro de casa por decreto do governo; e entre trabalhadores formais que recebem subsídios salariais e trabalhadores autônomos que perderam toda a renda.

A curva de contágio do vírus pode estar sendo achatada, mas as curvas de desemprego e falência das empresas continuam subindo. Se o choque da saúde pública for seguido por uma prolongada crise econômica que deixa muitas pessoas para trás, a confiança no governo e nas instituições sofrerá e as identidades nacionais se fragmentarão ainda mais. Será 2010 tudo de novo – ou pior. Unidos resistimos, divididos, caímos. Se cairmos, não serão os democratas liberais que recolherão os cacos.

Andrés Velasco, ex-Ministro da Economia do Chile, é Reitor da Escola de Políticas Públicas na Faculdade de Ciências Econômicas e Políticas de Londres. É autor de vários livros e teses sobre economia e desenvolvimento. Foi Professor nas Universidades de Nova York, Harvard e Columbia.