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A matriz energética e nossa síndrome de vira-lata

A urgência que a transição energética passou a ter depois que a pandemia atingiu o planeta tem potencial de colocar o Brasil na vitrine do mundo

Luis Henrique Guimarães, presidente da Cosan (Cosan/Divulgação)
Luis Henrique Guimarães, presidente da Cosan (Cosan/Divulgação)
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Opinião

Publicado em 3 de agosto de 2020 às, 19h51.

Última atualização em 3 de agosto de 2020 às, 20h29.

A pandemia da covid-19 imprimiu uma enorme velocidade a transformações que já estavam em curso nos últimos anos e que agora foram alçadas à condição de questões vitais.

Cito três delas: 1) a expansão do e-commerce; 2) a digitalização das empresas; e 3) transição energética. As duas primeiras são mais imediatas e perceptíveis, pois foram fundamentais para que muitas pessoas pudessem consumir e trabalhar durante o isolamento social. Podemos supor que ambas aceleraram pelo menos 10 anos em 2020. A terceira é menos evidente, mas não menos urgente. É sobre ela que vou me ater aqui.

O alastramento do coronavírus cristalizou a certeza de que ou cuidamos de fato do planeta ou veremos a pandemia virar uma gripezinha diante do que poderá vir depois no bojo das mudanças climáticas. Os olhos de investidores e consumidores mais do que nunca estão voltados para questões ambientais, sociais e de governança das corporações. E a matriz energética de cada país se torna uma peça-chave neste contexto.

Este é um assunto em que a nossa crônica síndrome de vira-lata no Brasil se torna mais saliente. Não se trata de menosprezar nossos problemas, que são muitos, mas de constatar que não sabemos propagar para o resto do mundo o que temos de excelência. Nossa matriz energética certamente é uma das melhores do planeta.

Nós temos uma agricultura inigualável em eficiência e conservação. Temos um grande parque hidrelétrico instalado e um potencial incomensurável nas demais fontes renováveis, sobretudo em cinco delas: etanol, biomassa, biogás, solar e eólica. Nossa gasolina é a mais limpa do mundo, graças à adição de 27% de etanol anidro.

Todo país adoraria ter a matriz de transporte que o Brasil tem. Praticamente a totalidade dos carros produzidos aqui são flex. Temos no nosso território mais de 40 mil pontos de venda preparados para dispensar carbono verde na forma de etanol hidratado ou, no futuro, na forma de etanol para virar hidrogênio: são os nossos postos de combustíveis. Um carro híbrido a etanol emite menos que um carro elétrico europeu.

Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), 47% da energia e 18% dos combustíveis consumidos aqui já são renováveis. No resto do mundo, 86% da energia vem de fontes energéticas não renováveis. Estamos muito à frente. O resultado de tudo isso é visível olhando para cima (basta comparar o céu de São Paulo com o de metrópoles como Pequim, Bancoc, Xangai e Mumbai) e também na ponta do lápis. Vamos, portanto, a mais alguns números.

Entre 2004 e 2012, o PIB brasileiro aumentou 32%, enquanto as emissões de gases de efeito estufa recuaram 52%.  Um estudo da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) demonstra que de março de 2003, quando foi lançada a tecnologia flex, a maio de 2020, o consumo de etanol (anidro e hidratado) evitou a emissão de mais de 515 milhões de toneladas de GEE. Outra pesquisa da mesma entidade concluiu que a mistura de 27% de etanol na gasolina proporciona uma redução de 15% das emissões de CO2eq por km rodado em relação à gasolina pura.

O Brasil tem metas ousadas de redução e criou um programa único no mundo que o ajudará a atingi-las: o RenovaBio. Nosso compromisso é de reduzir as emissões de GEE em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025, e em 43% até 2030. O RenovaBio não apenas será crucial para isso, como também garantirá a expansão significativa na oferta de biocombustíveis no país, gerando mais de um milhão de empregos e aporte de R$ 1,3 trilhão no setor, nos próximos dez anos, segundo dados do MME.

E quanto aos combustíveis fósseis? Nesse quesito, temos outra dádiva brasileira que deveria enterrar de vez nossa síndrome de vira-lata: o pré-sal. O combustível renovável é o melhor amigo do fóssil, pois é capaz de estender sua vida, aliando desenvolvimento econômico e redução de impacto. Em energia, a palavra correta é complementariedade. Enquanto não for possível substituir tudo por combustível renovável, devemos seguir com nossa política de misturar ambos para reduzir os efeitos do fóssil. A alternativa a isso seria ficar sem energia, o que obviamente ninguém quer.

O petróleo do nosso pré-sal é mais limpo em razão de seu menor teor de enxofre, o que permite produzir combustíveis menos poluentes. Graças à capacidade técnica da Petrobras, aliada à sua política de investimento e à adoção de práticas condizentes com as das economias mais avançadas do mundo, o Brasil estará apto a abastecer o mercado interno e o externo com produtos de alta qualidade e baixo custo.

Precisamos aumentar a disponibilidade de biocombustível e de bioenergia. Já temos no país plantas de biogás, etanol de segunda geração e pellets de biomassa, mas ainda em pequena quantidade. Há capacidade de multiplicar nossos números. O mesmo ocorre com o potencial de energia solar. Paralelamente a isso, as enormes descobertas de gás natural no nosso pré-sal serão fundamentais para a transição energética. Afinal, trata-se de um energético mais limpo, capaz de reduzir bastante as emissões em comparação com o carvão e o óleo combustível.

Devemos avançar cada vez mais nesta área e desse modo evitar que outro país do mundo tome de nós essa vanguarda. Risco para isso não nos falta. Todos nós conhecemos nossa complexidade: burocracia, imprevisibilidade regulatória, disputas políticas e dificuldade de acesso a capital, entre outras. Não podemos desperdiçar a chance de consolidar o Brasil como uma verdadeira potência verde.

*  Luis Henrique Guimarães é presidente da Cosan.