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A hora de ajustar o PLP 125 para que ele não frustre expectativas

Hoje, 21 unidades da federação possuem legislação própria com critérios para identificar contribuintes que adotam a inadimplência como modelo de negócio

Deputados pressionam plenário da Casa a votar PL do devedor contumaz  (Kayo Magalhães/Agência Câmara)

Deputados pressionam plenário da Casa a votar PL do devedor contumaz (Kayo Magalhães/Agência Câmara)

Publicado em 1 de dezembro de 2025 às 15h03.

Há grandes expectativas sobre os efeitos positivos do Projeto de Lei que institui regras mais rígidas para devedores contumazes de tributos (PLP 125/2022) – proposta que já foi aprovada no Senado e tramita na Câmara em regime de urgência. O ministro Fernando Haddad, por exemplo, apresentou a medida como uma ferramenta decisiva para asfixiar financeiramente o crime organizado. Já o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, classificou o texto como essencial para impedir o uso de empresas como instrumento de fraude tributária. Entretanto, se o projeto for aprovado da forma como está hoje, essas expectativas serão frustradas em breve.

A iniciativa é necessária e bem-vinda. Trata-se de um esforço legítimo para enfrentar um problema antigo: contribuintes que deixam de pagar tributos de forma reiterada, distorcendo a concorrência e drenando recursos essenciais do Estado. Transformar essa boa intenção em resultados concretos, entretanto, depende de um ponto fundamental: olhar a experiência prática dos estados, que há mais de uma década lidam com o devedor contumaz e acumularam aprendizados valiosos sobre o que funciona e sobre o que não funciona.

Hoje, 21 unidades da federação possuem legislação própria com critérios objetivos para identificar contribuintes que adotam a inadimplência como modelo de negócio, justamente porque critérios claros permitem atuação rápida, automática e proporcional. Em São Paulo, por exemplo, a adoção de regras de conformidade tributária, aliada ao acompanhamento qualificado, reduziu a inadimplência ao menor patamar já registrado e recuperou valores recordes de contribuintes que mudaram de comportamento.

O PLP 125, contudo, ignora essa experiência. O texto cria um conceito de devedor contumaz tão estreito que acaba por afastar justamente os contribuintes que deveriam ser enquadrados. Para que alguém seja considerado contumaz, a inadimplência precisa ser simultaneamente substancial, reiterada e injustificada. Esta concomitância de critérios acaba por excluir muitos devedores cuja dívida, ou não atinge o patamar necessário para ser considerado substancial (R$ 15 milhões para a União), ou não tem características de ser reiterada, como no caso de uma grande autuação fiscal. E nem por isto deixam de ser dívidas que causam impacto concorrencial.

Além disso, ao introduzir o critério da “injustificabilidade”, o projeto transfere para o Fisco e para o contribuinte uma disputa subjetiva que inevitavelmente se transformará em litígios. Resultados negativos, problemas cadastrais ou alegações contábeis passarão a ser usados como argumentos para afastar o enquadramento, engessando a atuação fiscal e abrindo brechas que favorecem quem já opera à margem.

A prática já demonstrou que é necessário distinguir duas realidades muito diferentes. De um lado, existe o devedor contumaz que precisa ser enquadrado de forma objetiva, automática e proporcional, recebendo medidas moderadas que induzam ao pagamento e impeçam a perpetuação do comportamento de risco. Do outro, existe o devedor contumaz injustificado – o fraudador –, que exige processo individualizado e medidas mais severas.

A solução, portanto, é segmentar o instituto em duas categorias. A primeira, o devedor contumaz, seria identificada por critérios objetivos de volume ou reiteração da dívida, sem necessidade de processo prévio, permitindo intervenção rápida do Fisco e evitando que a inadimplência continue a se acumular. A segunda, o devedor contumaz injustificado, seria reservada aos casos com indícios claros de fraude ou dolo, onde fazem sentido as sanções mais duras previstas no PLP. Esse modelo espelha o que já deu certo nos Estados, respeita a autonomia federativa e garante proporcionalidade.

O Congresso está correto em buscar um marco nacional e mais rigoroso. Mas, ao ignorar a experiência subnacional, corre o risco de aprovar uma lei ambiciosa no discurso e pouco efetiva na realidade. Ajustar o PLP agora é decisivo para que ele não se torne uma promessa vazia. O país tem a chance de construir uma política pública robusta, eficiente e alinhada à prática, basta olhar para onde a experiência já mostrou o caminho.

 

Alex Sandro Kuhn é Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo, membro da Comissão Técnica da Febrafite e integrante do Movimento Viva-SP, é graduado em Matemática pela UFPR, é mestre em Fazenda Pública, Gestão e Asministracao Tributária pela UNED (Espanha).

Gislaine Lima de Oliveira Alves é Auditora Fiscal da Receita Estadual de São Paulo, com atuação em cobrança tributária e gestão de créditos, graduada em Administração e com especialização em Gestão Estratégica de Finanças, ambos pela PUC-MG.

Rodrigo Spada é Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Febrafite (Associação Nacional de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Formado em Engenharia de Produção pela UFSCar e em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA