Exame.com
Continua após a publicidade

A franqueza da medicina estética diante da irrealidade das redes sociais

O que cabe ao médico na hora de atenuar as expectativas e anseios do paciente que busca um padrão de beleza idealizado

Mulher com rosto sendo preparado para cirurgia plástica (Thinkstock/Getty Images)
Mulher com rosto sendo preparado para cirurgia plástica (Thinkstock/Getty Images)
O
Opinião

Publicado em 12 de dezembro de 2022 às, 11h01.

Por Caroline Pereira*

Filtros milagrosos do Instagram poderiam ser considerados como fake news da vaidade. Se as redes sociais já causavam ansiedades por estimularem um padrão de beleza e de lifestyle inacessíveis para a imensa maioria das pessoas, os mágicos cliques da badalada rede social têm despertado um sentimento perigoso de almejar uma ambição inatingível.

Os filtros atuam como uma maquiagem digital capaz de reparar marcas naturais de envelhecimento. Virou febre lúdica brincar de ser o médico de si mesmo, e em alguns casos, de se transformar em um dermatologista.

O que parece inofensivo na tela do telefone tem sido transposto ao mundo real como algo complexo e até perigoso. Muitas pessoas adotam esse ‘eu’ de filtros, quase como um avatar oficial de sua imagem. O próximo passo é querer fazer desse novo padrão de beleza irreal, o oficial.

Ao contrário de procedimentos e cirurgias, os filtros proporcionam uma “perfeição” sem custo, fazendo com que as pessoas se vejam sem defeitos e mostrando um retrato ilusório de si mesmas. O resultado é frustração e baixa autoestima.

Nos filtros, os traços idealizados e padronizados denotam queixos quadrados, olhos repuxados, lábios carnudos e maçãs do rosto levantadas. A idade, então, fica totalmente indefinida.

Este modelo padrão de beleza, que domina as feições de influencers e celebridades, vende não só produtos, mas também uma fantasia e é preciso ser desconstruído.

A busca por procedimentos estéticos arriscados e até mesmo irrealizáveis rondam o imaginário de dezenas de milhões de pessoas no mundo.

Uma pesquisa recente do SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) aponta que houve um crescimento de 390% na busca por procedimentos estéticos não cirúrgicos desde 2016. Preenchimento labial, botox, peeling, laser e suspensão com fios estão entre os mais procurados.

Já no que se refere às cirurgias plásticas, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética – ISAPS, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos que contabilizam 4.668 milhões de procedimentos por ano. No Brasil são quase 2 milhões de pacientes, seguido pela Alemanha com 1.158 milhão. Entre as mais populares estão rinoplastia, bichectomia, lipoaspiração da papada e harmonização facial.

Precisamos enxergar que estamos cercados por mensagens prejudiciais e fatores de riscos por todos os lados que podem nos levar a uma baixa autoestima, a um transtorno mental ou alimentar e causar ansiedade.

O alerta é importante, em especial, nas semanas que precedem o verão. São meses em que as pessoas demonstram preocupação excessiva com a aparência e se dedicam, incansavelmente, a buscar um corpo em excelente forma e uma utópica perfeição.

É fundamental traçar uma linha imaginária que imponha um limite na busca estética, e na cultura que incentiva o  “corpo perfeito” e faz acreditar que nossos valores estão ligados à aparência física.

Não há problema em querer emagrecer ou aperfeiçoar a própria aparência, mas há que se ter um limite na busca da beleza, a fim de evitar uma briga eterna com a própria aparência, com consequências, às vezes, irreparáveis.

É fundamental saber que cada um tem uma beleza única, que vaidade não é escravidão e que todos belos com suas imperfeições.

Em uma demanda tão forte e em constante expansão é preciso que o paciente obtenha uma abordagem e atendimento acolhedor e profissional de um especialista experiente. Esse médico será capaz de alertar com transparência aos pacientes sobre os limites da intervenção na beleza de cada um. As pessoas podem melhorar seus traços mas de maneira a não perder a naturalidade.

Vivemos em uma sociedade em que se cobra beleza e juventude eternas. É possível com as técnicas e tecnologias inovadoras e atuais conquistar esse equilíbrio estético, mas dentro da coerência das limitações naturais do próprio organismo.

Muitos homens e mulheres entram nos consultórios de dermatologistas e cirurgiões plásticos com pedidos quase impossíveis de cumprir. Cabe a nós, profissionais experientes, orientar que valores não mudam com preenchimentos ou incisões. E são esses que devem ser realmente enaltecidos.

É preciso uma avaliação realmente aprofundada das reais necessidades de mudança, com um acompanhamento adequado e um apoio importante para que sonhos não se tornem pesadelos.

Assim, o paciente consegue encontrar o seu melhor e se enxergar ainda presente naquela feição ou naquele corpo visível no espelho. E esse melhor não precisará estar nas ferramentas de edição das redes sociais, mas sim em um equilíbrio que contemple sensatez, autoestima e coerência em saber que podemos melhorar e ser felizes, mesmo nesse novo mundo de intensa exposição.

*Dra. Caroline Pereira é dermatologista da Human Clinic e membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) dracarolinepereira@gmail.com