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A fossa competitiva da ineficiência crônica

Após 45 minutos ao telefone, sem paciência alguma de continuar a conversa com um agente de viagens, estou frustrado com a tentativa de descobrir as alternativas para um voo internacional rumo às Maldivas, com parada em Paris na volta. Em segundos, sou compelido ao meu celular, onde Skyscanner ou Kayak vão me ajudar na tarefa […]

CAMPANHA DO IFOOD: existem inúmeras tarefas cotidianas que são um martírio por aqui / Divulgação
DR

Da Redação

Publicado em 11 de maio de 2016 às 13h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h13.

Após 45 minutos ao telefone, sem paciência alguma de continuar a conversa com um agente de viagens, estou frustrado com a tentativa de descobrir as alternativas para um voo internacional rumo às Maldivas, com parada em Paris na volta. Em segundos, sou compelido ao meu celular, onde Skyscanner ou Kayak vão me ajudar na tarefa inglória.

Cansado e com fome, descubro que a geladeira está vazia. Sorte que os ímãs na porta me dão uma boa pista das minhas opções. Ligo num árabe. Primeiro ocupado. Depois toca incessantemente. Na terceira me atendem: “Um minuto, por favor!” Na volta um decorado: “Boa noite! Como posso ajudá-lo?” Não é surreal ter de falar, TODA VEZ QUE LIGO NUM DELIVERY: “Oi, eu gostaria de fazer um pedido”? É óbvio que vou fazer isso!

Aí me pedem o número do meu telefone. Sim, o mesmo que está no identificador de chamadas. E, sim, novamente meu cadastro não é encontrado. Depois de mais uns 2 minutos, descobre-se que o problema na verdade é o dígito 9, porque os dados não foram atualizados.

Estamos finalmente prontos para começar e eu agora posso escolher dois caminhos. O primeiro é pedir pratos dos quais eu consiga me lembrar que existem no restaurante e descobrir quanto a brincadeira vai custar no final. Outro é simplesmente começar uma epopeia sem precedentes, perguntando por opções e preços para a Judite, que me atende, cansada também, do outro lado da linha.

A verdade é que a América Latina é extremamente ineficiente. Compare o trabalho de encontrar e reservar um hotel por telefone nos Estados Unidos com o mesmo trabalho no Brasil. Ou então contratar um chaveiro. Que tal enviar flores?

Existem inúmeras tarefas cotidianas que podem ser resolvidas com extrema facilidade nos Estados Unidos, mas que são um martírio por aqui ou em qualquer outro país da América Latina. A falta de treinamento, padronização e processo cria uma ineficiência no setor de serviços que empurra o consumidor para as opções mobile de aplicativos que prestam serviços cotidianos de forma padronizada e com excelência, o chamado O2O (online to offline). Em muitos casos, o ganho ao utilizar a tecnologia para resolver essas ineficiências é marginal nos Estados Unidos. Já para a Latam é brutal.

Se meu restaurante árabe preferido estivesse nos Estados Unidos, ao ser atendido, meu número de chamada já seria reconhecido. Eu seria identificado pelo nome e já me perguntariam se eu gostaria de repetir o pedido feito da última vez. Em 30 segundos, finalizaria o processo e a necessidade de um serviço como iFood se tornaria um ganho marginal. Já no Brasil essa necessidade é brutal, quase mandatória.

Tente fazer um seguro de automóvel com um corretor por telefone. Por aqui, o tempo gasto é muito maior. A falta de visibilidade das opções é gigantesca. O número de dados e documentos necessários é muito superior. E, depois de toda a dor de cabeça, a chance de receber apenas uma cotação é grande e, provavelmente, da seguradora que mais atenda as vontades do corretor. Agora compare com uma experiência digital, 100% eficiente e transparente!

Ou seja, a única coisa que os negócios offline do Brasil fazem quando você precisa usá-los é deixar clara a necessidade de que alguém com outra cabeça venha para substituí-los.

Isso cria, na verdade, duas oportunidades enormes no segmento mobile de O2O. A primeira é a adoção mais rápida de certos serviços no Brasil e na América Latina, quando comparados aos Estados Unidos. Sim, o mobile vai conquistar a construção de eficiência no setor de serviços nacional.

A segunda é que provavelmente veremos funcionando por aqui modelos que não funcionaram lá. Imagine um modelo como o do instacart, no qual você pode usar um app para fazer compras de conveniência que são entregues em algumas horas. Quando analisamos as chamadas unit economics, percebemos que no Brasil elas podem ser melhores do que nos Estados Unidos para esse tipo de negócio. O salário dos entregadores, por exemplo, é mais baixo aqui. As alternativas que um brasileiro tem ao não usar um serviço como esse também são piores do que as de um americano: o consumidor brasileiro possivelmente teria de percorrer mais quilômetros para encontrar o produto e, ainda, o intenso trânsito e o precário transporte público das grandes metrópoles nacionais seriam motivos derradeiros para ele pegar o celular e pedir, por meio de um app, que um entregador de bicicleta fizesse esse trabalho.

Não seria a primeira vez que um modelo que não deu certo nos Estados Unidos passaria a funcionar por aqui. Isso aconteceu no e-commerce, por exemplo, com o Buscapé (1), durante muitos anos representando uma grande fatia do comércio eletrônico nacional. E o modelo de comparação de preços nunca foi igualmente relevante em nenhum outro mercado de e-commerce, senão no brasileiro.

Assim, o chamado segmento de O2O que eu particularmente sempre intitulei de e-services, vai apostando em duas frentes para fazer a ruptura do setor de serviços: no aumento da conveniência para o consumidor (terceiro e mais importante vetor de escolha de um consumidor, depois de seleção e preço) e na criação de eficiência para sua cadeia de valor.

Por esse motivo, empresas que se aproveitam desse empurrãozinho da ineficiência crescem mais de 50% ano após ano, muitas vezes impulsionadas pela crise. Isso já ocorre com iFood (2), em alimentação, MinutoSeguros (3), em seguros, Viajanet (4), em passagens aéreas, e Nubank, com cartões de crédito, só para citar exemplos dos quais estou bem próximo (listo abaixo outros exemplos de e-services). Mas tenha certeza: isso vai acontecer também com seu encanador, sua babá e seu gerente de banco.

Algumas startups brasileiras que estão se destacando em e-services:

Empregadas domésticas: Parafuzo (www.parafuzo.com)

Hotelzinho canino: Doghero (www.doghero.com.br)

Gerente de investimentos: Magnetis (www.magnetis.com.br) (5)

Contabilidade para microempreendedores: Qipu (www.qipu.com.br) (6)

Entregas rápidas: Rapiddo (www.rapiddo.com.br) (7) e Loggi (www.loggi.com.br)

Lavanderia: aLavadeira (www.alavadeira.com)

Entregas: Mandaê (www.mandae.com.br)

Chefs de cozinha: BlooChef (www.bloochef.com.br)

Para o bem da transparência, algumas informações importantes:

(1) Sou cofundador do Buscapé, onde ainda atuo como presidente do conselho de administração.

(2) Fui membro do conselho da Movile, controladora do iFood, até novembro de 2015. Sou atualmente acionista da Movile.

(3) MinutoSeguros é um investimento da Redpoint eVentures, da qual sou sócio e managing director.

(4) Sou membro do conselho da Viajanet, um investimento da Redpoint eVentures, da qual sou sócio e managing director.

(5) Magentis é um investimento da Redpoint eVentures, da qual sou sócio e managing director.

(6) Qipu é um investimento pessoal meu.

(7) Fui membro do conselho da Movile, controladora da Rapiddo, até novembro de 2015. Sou atualmente acionista da Movile.

ficharomero

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Após 45 minutos ao telefone, sem paciência alguma de continuar a conversa com um agente de viagens, estou frustrado com a tentativa de descobrir as alternativas para um voo internacional rumo às Maldivas, com parada em Paris na volta. Em segundos, sou compelido ao meu celular, onde Skyscanner ou Kayak vão me ajudar na tarefa inglória.

Cansado e com fome, descubro que a geladeira está vazia. Sorte que os ímãs na porta me dão uma boa pista das minhas opções. Ligo num árabe. Primeiro ocupado. Depois toca incessantemente. Na terceira me atendem: “Um minuto, por favor!” Na volta um decorado: “Boa noite! Como posso ajudá-lo?” Não é surreal ter de falar, TODA VEZ QUE LIGO NUM DELIVERY: “Oi, eu gostaria de fazer um pedido”? É óbvio que vou fazer isso!

Aí me pedem o número do meu telefone. Sim, o mesmo que está no identificador de chamadas. E, sim, novamente meu cadastro não é encontrado. Depois de mais uns 2 minutos, descobre-se que o problema na verdade é o dígito 9, porque os dados não foram atualizados.

Estamos finalmente prontos para começar e eu agora posso escolher dois caminhos. O primeiro é pedir pratos dos quais eu consiga me lembrar que existem no restaurante e descobrir quanto a brincadeira vai custar no final. Outro é simplesmente começar uma epopeia sem precedentes, perguntando por opções e preços para a Judite, que me atende, cansada também, do outro lado da linha.

A verdade é que a América Latina é extremamente ineficiente. Compare o trabalho de encontrar e reservar um hotel por telefone nos Estados Unidos com o mesmo trabalho no Brasil. Ou então contratar um chaveiro. Que tal enviar flores?

Existem inúmeras tarefas cotidianas que podem ser resolvidas com extrema facilidade nos Estados Unidos, mas que são um martírio por aqui ou em qualquer outro país da América Latina. A falta de treinamento, padronização e processo cria uma ineficiência no setor de serviços que empurra o consumidor para as opções mobile de aplicativos que prestam serviços cotidianos de forma padronizada e com excelência, o chamado O2O (online to offline). Em muitos casos, o ganho ao utilizar a tecnologia para resolver essas ineficiências é marginal nos Estados Unidos. Já para a Latam é brutal.

Se meu restaurante árabe preferido estivesse nos Estados Unidos, ao ser atendido, meu número de chamada já seria reconhecido. Eu seria identificado pelo nome e já me perguntariam se eu gostaria de repetir o pedido feito da última vez. Em 30 segundos, finalizaria o processo e a necessidade de um serviço como iFood se tornaria um ganho marginal. Já no Brasil essa necessidade é brutal, quase mandatória.

Tente fazer um seguro de automóvel com um corretor por telefone. Por aqui, o tempo gasto é muito maior. A falta de visibilidade das opções é gigantesca. O número de dados e documentos necessários é muito superior. E, depois de toda a dor de cabeça, a chance de receber apenas uma cotação é grande e, provavelmente, da seguradora que mais atenda as vontades do corretor. Agora compare com uma experiência digital, 100% eficiente e transparente!

Ou seja, a única coisa que os negócios offline do Brasil fazem quando você precisa usá-los é deixar clara a necessidade de que alguém com outra cabeça venha para substituí-los.

Isso cria, na verdade, duas oportunidades enormes no segmento mobile de O2O. A primeira é a adoção mais rápida de certos serviços no Brasil e na América Latina, quando comparados aos Estados Unidos. Sim, o mobile vai conquistar a construção de eficiência no setor de serviços nacional.

A segunda é que provavelmente veremos funcionando por aqui modelos que não funcionaram lá. Imagine um modelo como o do instacart, no qual você pode usar um app para fazer compras de conveniência que são entregues em algumas horas. Quando analisamos as chamadas unit economics, percebemos que no Brasil elas podem ser melhores do que nos Estados Unidos para esse tipo de negócio. O salário dos entregadores, por exemplo, é mais baixo aqui. As alternativas que um brasileiro tem ao não usar um serviço como esse também são piores do que as de um americano: o consumidor brasileiro possivelmente teria de percorrer mais quilômetros para encontrar o produto e, ainda, o intenso trânsito e o precário transporte público das grandes metrópoles nacionais seriam motivos derradeiros para ele pegar o celular e pedir, por meio de um app, que um entregador de bicicleta fizesse esse trabalho.

Não seria a primeira vez que um modelo que não deu certo nos Estados Unidos passaria a funcionar por aqui. Isso aconteceu no e-commerce, por exemplo, com o Buscapé (1), durante muitos anos representando uma grande fatia do comércio eletrônico nacional. E o modelo de comparação de preços nunca foi igualmente relevante em nenhum outro mercado de e-commerce, senão no brasileiro.

Assim, o chamado segmento de O2O que eu particularmente sempre intitulei de e-services, vai apostando em duas frentes para fazer a ruptura do setor de serviços: no aumento da conveniência para o consumidor (terceiro e mais importante vetor de escolha de um consumidor, depois de seleção e preço) e na criação de eficiência para sua cadeia de valor.

Por esse motivo, empresas que se aproveitam desse empurrãozinho da ineficiência crescem mais de 50% ano após ano, muitas vezes impulsionadas pela crise. Isso já ocorre com iFood (2), em alimentação, MinutoSeguros (3), em seguros, Viajanet (4), em passagens aéreas, e Nubank, com cartões de crédito, só para citar exemplos dos quais estou bem próximo (listo abaixo outros exemplos de e-services). Mas tenha certeza: isso vai acontecer também com seu encanador, sua babá e seu gerente de banco.

Algumas startups brasileiras que estão se destacando em e-services:

Empregadas domésticas: Parafuzo (www.parafuzo.com)

Hotelzinho canino: Doghero (www.doghero.com.br)

Gerente de investimentos: Magnetis (www.magnetis.com.br) (5)

Contabilidade para microempreendedores: Qipu (www.qipu.com.br) (6)

Entregas rápidas: Rapiddo (www.rapiddo.com.br) (7) e Loggi (www.loggi.com.br)

Lavanderia: aLavadeira (www.alavadeira.com)

Entregas: Mandaê (www.mandae.com.br)

Chefs de cozinha: BlooChef (www.bloochef.com.br)

Para o bem da transparência, algumas informações importantes:

(1) Sou cofundador do Buscapé, onde ainda atuo como presidente do conselho de administração.

(2) Fui membro do conselho da Movile, controladora do iFood, até novembro de 2015. Sou atualmente acionista da Movile.

(3) MinutoSeguros é um investimento da Redpoint eVentures, da qual sou sócio e managing director.

(4) Sou membro do conselho da Viajanet, um investimento da Redpoint eVentures, da qual sou sócio e managing director.

(5) Magentis é um investimento da Redpoint eVentures, da qual sou sócio e managing director.

(6) Qipu é um investimento pessoal meu.

(7) Fui membro do conselho da Movile, controladora da Rapiddo, até novembro de 2015. Sou atualmente acionista da Movile.

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