A desigualdade brasileira pode fazer outra vítima
Apesar de ser uma economia de tamanho relevante, com PIB per capita de nível médio, o Brasil é um dos países menos iguais do mundo
Publicado em 25 de maio de 2020 às, 14h02.
A crise do coronavírus expôs a enorme desigualdade brasileira e a lacuna de oportunidades no Brasil. Não é segredo que, apesar de ser uma economia de tamanho relevante, com PIB per capita de nível médio, o Brasil é um dos países menos iguais do mundo: o 1% mais rico possui 29% da riqueza nacional, de acordo com um relatório da OXFAM 2019. Esse nível de desigualdade de riqueza alimenta também uma imensa lacuna de oportunidades: meros dois quilômetros no seu endereço podem implicar uma diferença de vinte anos na expectativa de vida.
Essa radiografia mostra-se em uma face ainda mais real e mais mórbida na pandemia de coronavírus:
a) Se você tomar São Paulo e dividi-la em cinquenta regiões, de acordo com seu nível de renda, verá uma diferença de mais de cinco vezes nas taxas de mortalidade da mais rica para a mais pobre (Relatório do coronavírus do Município de São Paulo).
b) Além disso, uma pessoa não apenas tem mais de cinco vezes mais chances de morrer afetado pelo vírus, mas também os mais jovens estão morrendo muito mais. As mortes de pessoas com menos de 75 anos são duas vezes a porcentagem no 1/3 mais pobres das áreas (Relatório do coronavírus do Município de São Paulo).
Muitas possibilidades para as razões dessa desigualdade são discutidas, e não há dúvida de que variáveis econômicas e sociológicas desempenham seus papeis. Do lado mais palpável, acredito que a estrutura tributária regressiva extrema é uma variável decisiva: 50% da nossa receita tributária vem do consumo e apenas 25% vem da renda e da riqueza (Ministério da Economia do Brasil, 2018). Dessa forma, o Brasil possui um dos sistemas mais injustos do mundo de tributação com os mais pobres.
As crises do COVID-19 colocaram os holofotes no centro do problema de desenvolvimento econômico brasileiro: é insustentável sonhar em entrar no mundo desenvolvido sem abordar essas questões e quebrar o ciclo vicioso. A desigualdade alimenta a lacuna de oportunidades, que alimenta a desigualdade. Um estudo de 2017 da Universidade de Brasília (UnB) mostrou que as notas de alguém para frequentar a universidade são 85% determinadas por sua condição socio-econômica.
Entender e combater esse dueto vicioso entre desigualdade e oportunidade é o que me impulsiona, nos últimos anos, por sensibilidade social, mas também por interesse capitalista: estaremos perdendo uma grande oportunidade se não considerarmos esse mercado em potencial.
O primeiro desafio para resolver esses problemas é fazer com que o público brasileiro tenha consciência e compreenda a causa e o efeito de cada questão. Em pesquisas de opinião, a corrupção tem sido continuamente classificada como o problema número um no Brasil, com programas sociais classificados muito abaixo na lista de prioridades, em abaixo da quinta posição. Claramente essa priorização não atende aos interesses da própria população.
Parte dessa percepção está ligada ao sucesso da Operação Lava Jato, muito ativa e performática na mídia no Brasil, que desempenhou um importante papel de melhorar a governança e combater a impunidade e corrupção, mas que também teve a desvantagem de sufocar o debate sobre outros problemas importantes no Brasil, como a desigualdade e a falta de oportunidade.
O governo Bolsonaro, de alguma forma uma consequência do melodrama da Lava Jato, não esconde que combater a desigualdade não está entre suas prioridades. Paulo Guedes, em linha com a ala mais liberal de Chicago, falou abertamente e diretamente há alguns meses: “Não conte conosco para diminuir a desigualdade no Brasil”. A ironia é que, devido à resposta desastrosa do coronavírus, a popularidade de Bolsonaro está dando um mergulho muito acentuado entre os mais abastados, assustados ao descobrirem o óbvio ululante, e experimentando um impulso positivo entre os mais pobres, por causa da bolsa mensal de R$ 600,00.
Uma pesquisa recente da Idea Big Data relevou que prorrogação do programa tem apoio de 75% da população. Aqui um parênteses: a ilusão de que o brasileiro teria virado liberal em 2018 era apenas uma ilusão mesmo, foi-se com os patinetes. Dado que o presidente está lutando pela sobrevivência e precisa desse apoio mais que nunca, não será fácil pensar em planos para manter o sistema por um período prolongado dado o tamanho do déficit que estamos assumindo. É uma situação complexa: necessária politicamente, entretanto, talvez insustentável fiscalmente para um neoliberal linha dura.
É melhor Paulo Guedes tomar cuidado, ou ele também pode ser aniquilado pela “pandemia” da nossa desigualdade social, que confessou não ter como prioridade. Não seria o primeiro.
PS: estava finalizando o artigo quando chegou a notícia do bloqueio dos EUA aos nossos vôos: isolados e encalacrados é a nossa situação auto-imposta.
Paulo Dalla Nora Macedo é empreendedor no Brasil, membro da YPO e co-fundador do movimento político não partidário “Politica Viva”.